Luca Bussotti
Existem poucas ou talvez nenhuma escola de ciência política que, hoje, advoga o centralismo como melhor modelo de governação. Em várias formas, consoante o contexto social e cultural, a cedência de poder (e de recursos financeiros) aos níveis locais parece constituir uma saída razoável para respeitar as diferenças, sem, entretanto, perder o sentido da unidade nacional.
Em Moçambique não é assim. O Estado continua altamente centralizado e os espaços efectivos para uma política mais centrada no local, na participação do cidadão, no envolvimento consciente, parecem ainda muito reduzidos. Com efeito, se a descentralização foi morta (ou ferida gravemente), o federalismo e formas possíveis de democracia directa sofreram abortos, por assim dizer, preventivos.
Que a descentralização tenha sido a vítima provavelmente mais ilustre do centralismo estrutural dos dois maiores partidos moçambicanos, Frelimo e Renamo, parece assunto certo. A descentralização devia ter começado com a lei 3/94, em seguida ao Programa de Reforma dos Órgãos Locais (PROL) de 1992. Se tratava de uma lei avançada de descentralização, que entretanto foi chumbada devido a uma alegada inconstitucionalidade, provocando o naufrágio da primeira tentativa de descentralização. De realçar que quer a Frelimo, quer a Renamo concordaram com esta decisão, mostrando um interesse modesto para com o processo de descentralização. Só depois de uma reforma pontual da Constituição em 1996 é que foi possível aprovar o primeiro pacote legislativo em matéria de descentralização, em 1997. Resultado: a Renamo boicotou as primeiras eleições autárquicas da história do país em 1998, participando apenas nas seguintes, de 2003, onde conquistou os seus primeiros municípios, entre os quais Beira. Com os acordos que determinaram a paz definitiva entre Renamo e Governo, em 2019, antecedidos pela revisão pontual da Constituição de 2018, deu-se outro golpe ao processo de descentralização: com base no sistema eleitoral introduzido para a eleição dos governadores provinciais, os presidentes dos conselhos municipais também iniciaram a ser eleitos de forma indirecta, e não mediante eleição directa, que até então era prevista e que estava a funcionar muito bem. Mais uma vez, os dois partidos principais concordaram nesta decisão, pois ela deixava às forças políticas carta branca na escolha das figuras apicais da administração provincial e municipal. A cereja do bolo foi colocada pela instituição dos Secretários de Estado provinciais, que se sobrepõem aos governadores eleitos (embora indirectamente), restringindo ainda mais o poder dos cidadãos; assim como com o quase certo adiamento das eleições distritais de 2024, que parece terem sido trocadas com a institucionalização de um novo punhado de municípios espalhados para o país. Em suma, a descentralização está viva, mas gravemente doente, e precisaria de um bom tratamento para ser reavivada.
O federalismo, em Moçambique, nunca foi uma opção séria: com efeito, o pavor para que esta modalidade de organização institucional constituísse a premissa para a divisão do país foi manifestada em várias circunstâncias, do lado da Frelimo, ao passo que a Renamo nunca insistiu nesta possibilidade. Na verdade, Dhlakama, nos últimos 15-20 anos da sua actividade política, tinha começado a pensar no federalismo como uma opção possível. No Conselho Nacional de Nampula de 2012, por exemplo, ele instou o partido a reflectir sobre esta opção, tendo ele a preocupação de que Moçambique se pudesse tornar uma nova Somália ou Sudão. Entretanto, foi sobretudo depois das eleições de 2014 que Dhlakama insistiu no federalismo como escolha política ideal para Moçambique. Porém, a Renamo fez isso mais com um tom de ameaça reivindicativa do que como projecto político maduro e completo. Que eu saiba, nunca foi apresentada uma proposta de lei neste sentido junto à Assembleia da República por parte dos deputados da Renamo…O federalismo, assim, em Moçambique é um aborto, e uma nova gestação parece bastante distante das atenções do mundo político nacional.
Finalmente, o envolvimento dos cidadãos na vida pública se realiza, sim, mediante instituições a eles próximas e eficientes, mas também activando os instrumentos de democracia directa existentes na Constituição. É este o caso do referendo, de que, até hoje, não se vislumbra nenhum interesse, por parte dos vários grupos políticos, em ser seriamente activado e utilizado, principalmente diante da letargia de uma Assembleia da República, de que não se recorda a aprovação de uma lei por iniciativa parlamentar já há anos. E este é o segundo aborto da política moçambicana.
Diante de um quadro de identidades locais que estão a emergir de forma violenta (como no norte do país), de um Estado centralizado cada vez mais corrupto e menos eficiente, seria interessante saber das diferentes formações políticas, parlamentares como não, quais seriam as suas receitas para melhorar a situação actual. Não seria o caso de ressuscitar uma descentralização que está a tomar oxigénio artificialmente para sobreviver? Não seria oportuno pensar seriamente nalguma forma de federalismo, assim como de instrumentos de democracia directa que possam reaproximar o cidadão à vida política e à coisa pública? Um debate aberto sobre estes temas poderia oferecer matéria para o próximo mandato, colocando as reformas constitucionais (muito além da questão do terceiro mandato, que só interessa aos directos interessados) e institucionais no centro da actividade política e parlamentar do país.
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