Estudantes da UP insurgem-se contra novas taxas de inscrição e propinas

SOCIEDADE
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  • Mais uma vez, a Polícia usou a força para inviabilizar uma manifestação pacífica
  • PRM inviabilizou manifestação pacífica dos estudantes da UP Maputo contra novas taxas de inscrição e propinas
  • “Infelizmente, ao invés de reformas fomos brindados com a notícia de agravamento das propinas”

 

Para o corrente ano lectivo, a Universidade Pedagógica de Maputo decidiu agravar as taxas de inscrição, propinas e mensalidades. O anúncio do incremento caiu como um balde de água fria para os estudantes que entendem que aquela instituição pretende excluir aqueles que são desprovidos de recursos financeiros do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que alguns não terão como dar continuidade aos estudos por falta de condições. Com vista a reverter o cenário, os universitários organizaram, na sexta-feira última, uma manifestação pacífica com vista a pressionar a direcção daquela instituição do ensino superior, dirigida por Jorge Ferrão. Entretanto, a manifestação que foi previamente comunicada ao Conselho Municipal de Maputo foi boicotada por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) que estavam armados até aos dentes contra jovens totalmente desarmados.

Duarte Sitoe

Moçambique tornou-se um País alérgico às manifestações. Nos últimos anos, as únicas manifestações que receberam a luz verde são da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) e Organização da Mulher Moçambicana (OMM), por sinal braços do partido no poder, para saudar os feitos do actual Presidente da República, Filipe Nyusi, a moda do que acontece na Coreia do Norte. Na última sexta-feira, a força voltou a ser usado para silenciar a indignação de estudantes da UP.

Tudo começa quando, através de um edital datado de 18 de Janeiro do ano em curso, a Universidade Pedagógica de Maputo (UP Maputo) decidiu agravar as taxas de inscrição e propinas. Para mostrarem, o seu desagrado com a nova tabela de inscrições e propinas, os estudantes daquela instituição de ensino superior sediada na capital do País agendaram uma manifestação pacífica para o dia 25 do corrente mês de Fevereiro, mas quando chegou o dia viram a Polícia da República de Moçambique a boicotar um direito consagrado na Constituição da República.

“Quando chegamos fomos surpreendidos com um aparato que foi destacado para inviabilizar a manifestação. É triste quando acontecem esse tipo de situações num País que se diz democrático. Não sabemos o que teme a direcção da Universidade Pedagógica de Maputo que até dá ordens para não nos deixarem entrar nas suas instalações. Tivemos que baixar a guarda porque a polícia veio com ordens para prender os nossos representantes”, desabafou um estudante.

Há casos de agravamento em 100 %

No rol das fundamentações, a UP Maputo refere que o agravamento observado foi de 30% a 45%. Contudo, os estudantes observam que em algumas situações houve um agravamento acima do previsto, a exemplo dos cursos Ensino de Física, Ensino de Química e Ensino de Biologia, em que houve agravamento de 95% a 100%, sendo que a taxa de inscrição semestral passou de 420 meticais por cadeira para 820 meticais.

De acordo com o edital tornado público pela Universidade Pedagógica de Maputo, para alguns cursos, a mensalidade passou de 2.805 meticais para 3.650 e outros de 3.025 para 3.950 meticais. Na mesma senda, aquela instituição do Ensino Superior aprovou uma nova taxa do exame de recorrência que antes era gratuito.

Para fazer valer os seus direitos, na carta de impugnação enviada ao reitor, Jorge Ferrão, os estudantes apoiam-se no número 2 do artigo 88 da Constituição da República que refere que “o Estado promove a extensão da educação à formação profissional contínua e a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste direito”.

Ainda com base na Constituição da República, ao abrigo do número 1 do artigo 92, os universitários entendem que as novas taxas de inscrição e propinas violam gravemente os direitos do consumidor.

Na carta de impugnação contra a subida das propinas e demais taxas aplicadas enviada ao reitor da Universidade Pedagógica de Maputo, Jorge Ferrão, os queixosos observam que a tabela tornada pública não beneficia a população académica.

“É verdade que houve uma inflação e isso requer um aperto de cintos por parte dos cidadãos para a realização dos seus sonhos, porém, é preciso se saber que a referida inflação, não afecta simplesmente a UP Maputo mas aos estudantes que nela se encontram inscritos também. Não estamos repudiando a subida das propinas e demais taxas aplicadas na UPM, porém ao que se verifica aquando da introdução de um novo currículo na educação, houve garantias de que não afecta os estudantes já inscritos. Exigimos que se verifique também em questões financeiras afinal, o artigo 57 da Constituição da República diz que a retroactividade de uma lei só é válida quando beneficia a população. Nós somos a população académica e não sentimos o benefício da mesma”, lê-se na carta de impugnação que o Evidências teve acesso.

Em resposta à carta de impugnação dos estudantes, a direcção da Universidade Pedagógica de Maputo refugiou-se na inflação para manter as taxas de propinas e inscrições anunciadas através de um edital datado de 18 de Janeiro do ano em curso

Já há estudantes a pensarem em desistir por falta de condições

Margarida Manteiga, de 27 anos de idade e estudante na Universidade Pedagógica de Maputo, não tem dúvidas de que a instituição dirigida por Jorge Ferrão baseou-se na implementação da Tabela Salarial Única para fixar as novas taxas e esqueceu-se que o grosso dos estudantes ainda engrossa as fileiras dos desempregados no País.

“Não temos condições para pagar essas taxas. Não sabemos com que motivações a direcção decidiu agravar as taxas de propinas. Estamos a fazer sacrifícios para estudar e a notícia do agravamento das propinas foi um balde de água fria para as nossas aspirações. Penso que a direcção da UP baseou-se na implementação da Tabela Salarial Única para agravar as taxas, mas nem todos que estudam nesta instituição são professores assalariados. Não temos condições para pagar essas taxas”, protestou Manteiga.

Ela prossegue referindo que a Universidade Pedagógica já foi uma das melhores instituições do ensino superior em Moçambique, mas nos últimos anos esta qualidade tende a decrescer.

“É certo que foram feitas algumas reformas, mas isso ainda é muito pouco. Infelizmente, ao invés de reformas fomos brindados com a notícia de agravamento das propinas. Pedimos a quem é directo para revogar essas taxas que vão limitar os estudantes de terminarem os seus cursos. Não podemos permitir este acto criminoso, é por isso que organizamos esta manifestação pacífica com vista a mostrar a direcção que não estamos de acordo e estamos dispostos a lutar pelos nossos direitos”, sublinha.

Ivo Chirindza, estudante e trabalhador, disse a nossa equipa de reportagem que não terá condições para continuar com os estudos perante o agravamento de taxas. A fonte contou que nos últimos anos teve que fazer das tripas o coração para continuar com os estudos.

Actualmente, a residir no bairro de Boquisso, arredores do Município da Matola, Chirindza falou que por diversas vezes teve que caminhar de Ntsivene para Mukhatine por falta de dinheiro para custear as despesas de transporte.

“Os sonhos exigem sacrifícios e nos últimos anos fiz grandes sacrifícios para não desistir do sonho de terminar a minha licenciatura. Conseguia pagar as antigas taxas das propinas com algumas dificuldades e quando recebi a notícia do agravamento das propinas fiquei sem chão. Perante esta situação não tenho como continuar. Trabalho e o pouco que ganho tenho que também custear as despesas da minha casa. Por várias vezes tive de caminhar de Ntsivene até ao mercado de Boquisso por falta de dinheiro de transporte. E perante a esta situação seria obrigado a andar de Museu até Boquisso”, desabafou Chirindza.

Provedor da Justiça é última esperança dos estudantes

A Universidade Pedagógica de Maputo não cedeu à pressão exercida pelos estudantes e decidiu manter as novas taxas para os novos ingressos e para os estudantes já inscritos. Inconformados com a decisão, os universitários pediram a intervenção do Provedor da Justiça, Isac Chande.

Na carta enviada ao Provedor da Justiça, os estudantes reconhecem que nos documentos que assinaram não existe nenhuma cláusula que prevê a manutenção das taxas durante o decurso do curso, contudo, referem igualmente que não existe alguma cláusula que previsse a alteração das mesmas.

Na opinião dos estudantes, as novas taxas são proibitivas e podem impedir alguns estudantes de progredirem profissionalmente.

“Em Moçambique, existem várias instituições de natureza privada que formam os diferentes tipos de profissionais exigidos pelo mercado porém, o acesso a essas instituições privilegia uma determinada classe social, podendo o demais cidadão não poderem progredir profissionalmente caso essa réplica se verifique nas instituições públicas”, referem os estudantes da carta enviada para o gabinete do Provedor de Justiça.

Por sua vez, uma estudante que preferiu se identificar pelo nome de Inês declarou que as novas taxas vão encher os cofres da Universidade Pedagógica de Maputo e prejudicar os estudantes, tendo por isso pedido a reflexão do Provedor de Justiça antes da tomada de decisão

“Não conhecemos os critérios usados pela Universidade Pedagógica de Maputo para alterar as taxas de inscrição e propinas. O agravamento de taxas vai prejudicar sobremaneira os estudantes por isso decidimos pedir a intervenção do Provedor da Justiça face aos actos administrativos observados na UP Maputo relacionados às propinas e demais taxas aplicadas na mesma. Esperamos que o Provedor seja imprescindível para a resolução deste diferindo”.

Direcção da UP promete se pronunciar sobre o assunto

Interpelado num evento pelo Evidências para contar a sua versão dos factos sobre as reivindicações dos estudantes, o reitor da Universidade Pedagógica de Maputo, Jorge Ferrão, referiu que não podia falar porque estava no lançamento de um livro, mas prometeu se pronunciar sobre o assunto assim que fosse possível.

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