O que faz os homens matarem suas parceiras?

OPINIÃO

Honório Isaías

Como pode uma pessoa matar alguém que diz amar? A primeira vez que ouvi que um homem matou a sua parceira, soou-me estranho e confuso, algo sem nexo e sem racionalidade alcançável. Afinal, na presunção da minha ingenuidade, era suposto o amor proteger, impelir a querer estar junto eternamente, mas acima de tudo desejar o bem-estar da amada, independentemente da desejável correspondência.

Nesta reflexão, pretendo trazer algumas linhas para entender os motivos que levam os homens a matarem e violentar as suas parceiras. E o ponto de partida será analisar o lugar e o papel das mulheres na vida dos homens.

Mas para iniciar esta reflexão necessária e urgente, se mostra fundamental nos debruçarmos sobre as dinâmicas do amor nas relações entre homens e mulheres. Segundo Erich, no seu livro “L’ARTE DI AMARE”, os homens não amam, mas se fazem amar, enquanto as mulheres amam, ou melhor, as suas acções visam garantir o bem-estar do outro. O outro é a centralidade do seu amor.

Os homens se fazem valer de todo o seu poder, seja financeiro, material, de coação psicológica ou até mesmo de cumprimento das normativas sociais para estabelecer vínculo de “propriedade” em relação à mulher.  Como diz o Erich, o que interessa ao homem é que a mulher esteja disponível para ele pela força da circunstância que enumerei anteriormente. O homem não tem nenhuma preocupação se o que lhe liga à mulher seja o amor. O importante é que ela esteja ligada e disponível a ele e aos seus caprichos.

A máxima social de que as mulheres estão para servir os homens mostra como o amor não tem relevância e nem centralidade nas decisões dos homens de se conectarem com as mulheres. Esta profunda “objectificação” da mulher tem consequências devastadoras na forma como o homem lida com a mulher. Mas e sobretudo na forma como o homem age face a vontade da mulher romper com esse vínculo.

Em algumas culturas da Índia, Ásia, África e em particular em algumas regiões de Moçambique, as mulheres são tratadas como mercadorias, sem direito a manifestar vontades e nem desejos.  As mulheres são negociadas entre famílias e entregues como propriedade aos homens.

Quando eu tinha 25 anos de idade, minha avó preocupada pelo facto de não ter ainda me casado, decidiu – à revelia – me arranjar uma mulher, de quando em vez me dizia que havia identificado uma boa mulher em Zavala. Mulher de respeito, e que tinha boa reputação de ser uma grande trabalhadora. Dito nas palavras da minha avó, “bons braços”.  Este é mais um exemplo que o amor não joga papel determinante nos processos que estabelecem vínculos entre homens e mulheres.

Nas zonas urbanas, os homens com poder financeiro ou material se esmeram em atrair para si a atenção das mulheres, sem alguma preocupação que dessa acção emirjam vínculos desprovidos de amor. Mas que importa para os homens o amor? Não se trata de amor, os homens querem ter uma mulher para mostrar ao mundo o seu poder, o quão ele é desejado, o seu sucesso financeiro e material traduzido nos objectos de cobiça e, nesse caso, as mulheres mais lindas e esbeltas da cidade.

Quando um homem oferece um presente à mulher, não o faz para vê-la feliz, mas para que ela se vincule a ele e perceba o que poderá perder se pensar em abandoná-lo. Os presentes, as flores e etc. servem de mecanismo de controlo e de manutenção do vínculo. Por outro lado, oferecer presentes, é uma forma de manifestar o seu poder em relação a outros homens. Quem nunca viu as batalhas entre os homens nos bares, para ver quem mais gasta dinheiro em bebidas caras? Este ritual tem única função, mostrar para uma plateia bem identificada, a das mulheres ali presentes, todo o seu poder.

Até aqui não estamos falando de nenhuma estratégia romântica de sedução no seu sentido verdadeiro.  Dito isto, o amor parece não jogar papel algum nestes processos que vinculam as mulheres aos homens.  Contudo, reconheço que manifestações de afectos e amor podem nascer com tempo em algumas dessas relações.

Mas aonde eu quero vos levar com toda esta viagem sobre o amor e a forma como os homens e mulheres se posicionam face a ele? Eu entendo que o facto dos homens se fazerem amar e não amar, explica por que razão temos índices elevados de violência contra mulher e particularmente os feminicídios.

A nossa cultura machista, transformou a mulher em um objecto mercantil e de pertença do homem. O homem está disposto a grandes sacrifícios para ter a mulher aos seus pés, e não é para amá-la, mas para manifestar seu poder diante do mundo e dos outros homens.  Isto explica por que razão os homens tendem a levar tudo quanto ofereceram à mulher quando o vínculo termina.

Na minha opinião, a violência contra a mulher e o feminicídio só tem lugar por dois motivos. Primeiro, porque não é a felicidade e o bem-estar da mulher que move o homem nas suas ações “supostamente” de amor, mas sim o seu bem-estar. Segundo, a ideia de que o seu “objecto” de satisfação de prazer e de afirmação da sua masculinidade possa pertencer a um outro homem é profundamente aterrorizador para o homem.  Sua mulher nas mãos do outro é uma ideia tão irreconciliável que o homem prefere deformar o seu “objecto”, tirando desse modo toda “atractividade” possível ou mesmo eliminar para que ninguém, digo, para que nenhum homem possa ter acesso e dessa forma se questionar o seu poder.

Como sair disto? Precisamos mudar algumas normas que concorrem para fazer da mulher uma mercadoria e, por conseguinte, algo que possa ser propriedade. A mulher não está para servir o homem. Vamos ensinar os nossos filhos que o amor é aquele que cuida e protege. Que o amor pelo outro é um acto que deseja em primeiro lugar o bem-estar de quem se ama.

Temos claramente desafios culturais colossais, como por exemplo, permitir que os homens percebam que a mulher é “indivíduo”, que pensa, sente, tem sonhos e direitos e não “sujeito”, alguém que se deve sujeitar absolutamente ao outro e as suas vontades. A mulher deve deixar de ser o reflexo do desejo do outro, esse outro – sociedade, família, marido.

A sociedade não pode continuar a educar os homens para que enxerguem apenas os seus interesses e vontade. A mulher, no entendimento dos homens, é um objecto de satisfação dos seus desejos, necessidades e que é sua pertença. E é justamente esta visão que é construída socialmente e ensinada aos homens que leva os homens a cometerem incríveis brutalidades contra as mulheres.

          Só se mata o que não se ama.

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