- PCA nega que ADIN esteja perdida em combate… “só não tem dinheiro”
- Das 21 aldeias previstas, ADIN só apoiou na cobertura de uma
- PCA justifica fraca intervenção com o facto da “ADIN não ter saco azul”
- Na entrevista apresenta caderno de intenções e poucas acções no terreno
A Agência do Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) foi criada com o objectivo de impulsionar o desenvolvimento nas zonas afectadas pelo terrorismo em Cabo Delgado e nas províncias de Niassa e Nampula. Contudo, volvidos quase três anos, a ADIN anda perdida em combate e os impactos da sua actuação não são visíveis no terreno. Numa entrevista exclusiva ao Evidências, o presidente de Conselho de Administração da ADIN, Armindo Ngunga, nega que esteja a gerir uma instituição moribunda, ou seja, sem nenhum impacto na assistência dos deslocados. Segundo ele essa percepção surge pelo facto de muitos moçambicanos não conhecerem o conceito de desenvolvimento criado pela instituição por si chefiada. Mas, como que a dar tiro no próprio pé, Ngunga acaba por reconhecer que “a ADIN não tem um saco azul para financiar projectos de reconstrução de Cabo Delgado, Niassa e Nampula”.
Duarte Sitoe
Em Outubro de 2020, com pompa e circunstância, o Governo criou Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), instituição pública de promoção de acções de carácter multiforme com vista ao desenvolvimento socioeconómico das províncias de Niassa, Cabo Delgado e Nampula, dotada de personalidade jurídica e com autonomia.
Entretanto, a instituição liderada por Armindo Ngunga, que sucedeu no cargo o também amorfo veterano Armando Panguene, ainda não cumpriu o propósito pelo qual foi criado. Não só não é visível a mão da ADIN no processo de reconstrução em curso, como também não se vislumbram grandes acções visando a criação de alternativas sustentáveis para os jovens, bem como apoio às famílias deslocadas.
Essa situação leva muitas vezes a sociedade a questionar o real papel da ADIN, tal como o Evidências reportou recentemente. Para o PCA da ADIN os que questionam a alegada inacção da instituição por si liderada é porque não conhecem o conceito de desenvolvimento criado pela instituição por si chefiada.
“Antes de entender o que é a ADIN devem entender o que é desenvolvimento. O problema de muitos moçambicanos surge daí. Nós fizemos um trabalho de campo, fomos aos distritos falámos com 56 administradores, perguntámos a eles o que era o desenvolvimento e disseram o seu conceito. Perguntámos a eles o que acharam que seria importante se fazer no seu distrito, havendo recursos para se impulsionar o desenvolvimento. Através do nosso conceito como ADIN, percebemos que há gente que olha para o desenvolvimento de forma muito limitada, não desenvolvimento humano, olhamos para o desenvolvimento como desenvolvimento económico apenas com foco em infra-estruturas, sobretudo de estradas, escolas, hospitais, abastecimento de água, não se olha para aquilo que é a essência de desenvolvimento que é o homem sujeito para o processo de desenvolvimento”, declarou.
Apegando-se tão-somente em conceitos e sem apresentar nenhuma obra concreta da ADIN, Ngunga explicou aos críticos que o desenvolvimento deve começar do homem, ou seja, a forma como ele vive.
“A ADIN quer olhar para o desenvolvimento a partir da base, ou seja, o homem. Esse indivíduo que morra em alguma casa, que morra em alguma aldeia, então o nosso conceito de desenvolvimento parte do indivíduo através da habitação”, disse Ngunga, mostrando sinais de um barco ainda à deriva.
Um caderno de intenções e poucas acções no terreno
Instado a dar exemplos de acções concretas que a ADIN desenvolveu no terreno, Ngunga levantou o seu caderno de intenções e falou do trabalho desenvolvido no Centro de Acolhimento de Marrocane, onde a agência conseguiu somente custear a cobertura das casas, alegadamente por falta de fundos.
“Queremos desenvolver o conceito de habitação melhorada. E a forma como o espaço é organizado para construir os reassentamentos humanos. Temos a aldeia de Marrocane como laboratório. Estamos a viver um momento difícil por causa de deslocados. Nós quisemos ensaiar o modelo de desenvolvimento, através da criação de uma aldeia onde definimos um padrão de casas resilientes e espaçosas. As pessoas receberam terrenos para construir e o que conseguimos como ADIN é apoiar no processo da cobertura”, disse orgulhoso Ngunga.
Desde Outubro de 2020 a esta parte, das 21 aldeias propostas pelo Executivo apenas conseguiu construir uma. O PCA da ADIN reconhece que o principal objectivo de ADIN é caçar parceiros para atacar as outras províncias, tendo dado exemplo do projecto Oteka (construir em Macua)
“O modelo funciona. O desafio é encontrar recursos, parcerias para construir outras aldeias daquele tipo e também se possível requalificar algumas aldeias que noutras províncias, ou seja, Niassa e Nampula, mas este trabalho deve ser feito em coordenação com as autoridades locais. Como ADIN não temos recursos – nem humanos, nem matérias – para ir a todos sítios fazer parcelamento. Temos para isso o projecto Oteka (construir em Macua) como âncora. Concordamos como o que dizem sobre desenvolvimento, mas para nós a grande fábrica não faz sentido se o operário continua a dormir numa caixinha de fósforo, a grande indústria, a grande auto-estrada que se constrói Pemba – Lichinga não faz sentido que ao longo da mesma tenha casinhas”, lamentou.
“Nós somos a ADIN, que não tem saco azul”
Questionado sobre os valores que a ADIN necessita para financiar as suas actividades, Ngunga não quis se aventurar nos números, limitando-se apenas em referir que “a ADIN não tem um saco azul”. Estranhamente, a ADIN é tutelada pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural – dirigido por Celso Correia – que curiosamente gere o Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS).
“A ADIN foi criada com o propósito de impulsionar o desenvolvimento na região Norte. Agora o que pode acontecer é as pessoas não saberem o que é desenvolvimento. Para nós, o desenvolvimento não são números, são importantes os números, mas desenvolvimento é qualidade de vida do ser humano. Qualidade da habitação, qualidade da aldeia onde vive, isso é que é desenvolvimento. As pessoas que dizem que a ADIN não está a fazer nada não conhecem o conceito de desenvolvimento. Nós somos a ADIN que não tem saco azul. Ouvi pessoas a falar de 100 milhões de dólares, mas não temos isso. A ADIN é uma pessoa pensante que faz o projecto e vai buscar recursos”, defendeu.
Prosseguindo, o nosso entrevistado fez saber que na ausência de fundos, a Agência de Desenvolvimento do Norte tem vendido o conceito de desenvolvimento aos parceiros com robustez financeira.
“O que estamos a fazer é interagir com aqueles que estão a trabalhar na região, vendendo o conceito de desenvolvimento para ver que aqueles que vão nos apoiar vão se enquadrar neste conceito. Estamos a construir um centro de saúde em Marrocane, mas não está a ser construído com nosso dinheiro, mas sim do Banco Mundial. Não vou falar de números, mas precisamos de recursos financeiros. Somos um projecto muito grande. O projecto Oteka não é para se construir em dois anos, mas se tivéssemos disponibilidade de recursos podíamos começar”, sustenta.
“As pessoas em Nampula vivem em zonas horríveis”
Organizações da sociedade e académicos apontam que a Agência de Desenvolvimento do Norte tem sido uma instituição invisível quando se trata da reconstrução das zonas que foram afectadas pelo terrorismo.
Nas entrelinhas, Ngunga assumiu que, por exemplo, o grosso da população de Nampula vive em condições desumanas. Entretanto, voltou a se apoiar na falta de fundos para o atraso da reconstrução daquela província.
“As pessoas em Nampula vivem em zonas horríveis. Não há vias de acesso, não há água, não há saneamento. Aquilo está a acontecer por causa da nossa falha no desenvolvimento rural. Infelizmente, não temos dinheiro. Temos ideias, temos conceitos e são os projectos que estamos a vender. Para o desenvolvimento de norte tem que se ter uma visão de desenvolvimento rural a partir das pessoas que estão lá no campo. Temos que ter água, energia, estradas e ruas”, concluiu.