Médicos acusam Governo de arrogância e avisam que não vão vergar

DESTAQUE POLÍTICA
  • Greve dos médicos evolui para marchas e coloca centenas nas ruas
  • Profissionais de saúde vincam que vão continuar a exercer o direito à greve
  • “Estamos numa situação em que o Governo não tem capacidade para o diálogo”

O Governo decidiu, na última semana, ligar o “complicador” no diferendo com os médicos. Para além de sugerir, na proposta da revisão do Regulamento do Estatuto do Médico na Administração Pública, a redução do subsídio do trabalho em regime de turnos, dos actuais 30% para 7,5%, e percentagem de cada hora de serviço no trabalho nocturno, de 25% para 7,5%, o Executivo pretende contratar 60 médicos para colmatar o défice dos profissionais de saúde que aderiram à greve, tendo ainda revelado que em algum momento os grevistas serão chamados a decidirem se querem ou não continuar no Aparelho de Estado. Mas, a resposta dos médicos não tardou e quando menos se esperava saíram à rua para marchar em defesa dos seus direitos. Empunhando dísticos e entoando canções de luta, às centenas, os homens de batina branca garantiram que não se vão deixar vergar pelas ameaças do Governo e que vão continuar a exercer o direito à greve.

Duarte Sitoe

Não há sinal de reaproximação entre o Governo e os médicos encabeçados pela Associação Médica de Moçambique. Na última semana, assistiu-se a uma batalha titânica entre as duas partes, ou seja, enquanto o Executivo atacava, os profissionais de saúde contra-atacavam, desta feita saindo de casa para a rua, no sábado, 05 de Agosto, para marchar contra as injustiças.

Igualmente, a marcha tinha o objectivo de exigir respeito pela classe e melhoria de condições de trabalho, tendo, na ocasião, o porta-voz da Associação Médica de Moçambique, Napoleão Viola, garantido que os médicos não vão vergar perante as constantes ameaças do Governo, visto que tem capacidade para trabalhar no privado.

Durante a marcha que percorreu as principais artérias da capital do país, o nome de Armindo Tiago, médico de profissão, foi o mais visado pelos médicos que não se cansavam de exigir respeito pelos seus direitos.

“Estamos numa situação em que o Governo não tem capacidade para o diálogo, não se abre ao diálogo. Acha, simplesmente, que mandando recados através da imprensa, em forma de ameaças, é capaz de resolver a situação. Mas esta moldura humana que vimos é apenas um extrato daquilo que a classe médica está a dar como resposta a nível nacional”, disse Napoleão Viola.

Por sua vez, Milton Tatia, que referiu que o Governo é insensível, apoiou a ideia do Executivo contratar 60 médicos para suprir o défice provocado pela actual greve, tendo declarado que os profissionais de saúde não tencionam abandonar a função pública.

“Não vamos aceitar que a classe médica seja deitada ao chão. Não vamos aceitar que nos tirem a dignidade. Não vamos aceitar que revoguem o nosso estatuto. Acima de tudo, nós queremos melhores condições para as pessoas. Lamentamos ter de ouvir este tipo de ameaças num Estado de Direito Democrático. Estamos a exercer o direito à greve, prevista na Constituição da República, e lamentamos que o Governo opte por ameaças, em vez de resolver os problemas que nós apontamos. Nós vamos continuar a exercer o nosso direito, que é a greve”, sublinha.

No dia em que o Governo esticou a corda

Depois de ser tornada pública a proposta da revisão do Regulamento do Estatuto do Médico na Administração Pública, o Governo decidiu acrescentar um novo capítulo no diferendo com os médicos

Na sua intervenção depois da 27ª Sessão de Conselho de Ministros, o porta-voz do Executivo, Filmão Suazi, lançou um sério aviso aos médicos, declarando que os mesmos serão obrigados a decidirem se querem ou não continuar no Aparelho do Estado.

“Em algum momento, o Estado deverá colocar os médicos grevistas na situação de poderem escolher se pretendem prestar serviços na Função Pública ou pretendem deixar os seus lugares à disposição”, avisou Filmão Suazi, para depois revelar que a marcação de faltas aos médicos que aderiram à greve vai continuar.

“O Executivo não só continuará com a marcação de faltas, como também tem estado a pensar em implementar estratégias para resolver o problema da greve dos médicos. Há 60 médicos moçambicanos formados e que fazem parte da Ordem dos Médicos que estão contratados”, declarou Filmão Suazi.

Provedor da Justiça defende retoma das negociações

Enquanto o Provedor de Justiça defende que as duas partes devem retomar as negociações com vista a chegarem a bom porto, o que de certa é para o bem do interesse nacional, o Movimento Democrático de Moçambique criticou com veemência a postura do Governo de pautar pela estratégia de ameaças de desvinculamento, redução dos salários e subsídios dos médicos.

Achamos muito estranho que o Governo queira, neste momento de ruptura entre as partes, iniciar com uma revisão ao estatuto médico que se consubstancia na diminuição generalizada dos subsídios, nomeadamente: subsídio de risco, exclusividade, de turno, dentre outras, aumentando cada vez mais as desconfianças entre as partes. Queremos exortar ao Governo para que tenha uma postura mais dialogante, mais compreensiva e assegurar os melhores caminhos para resolução pacífica desta situação”, disse o porta-voz do MDM.

Quem também teceu duras críticas à postura ameaçadora do Governo foi o líder da Nova Democracia. Salomão Muchanga advertiu que a actual situação pode precipitar mortes nas unidades sanitárias.

“Os enfermeiros e restantes carreiras médicas e para-médicas, igualmente, foram humilhados e não tardará, nos próximos dias assistiremos mortes em hospitais, como está a acontecer agora com a greve dos médicos, que aliás foi precedida da greve das restantes classes”.

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