No ano passado foram desviados 617 milhões de meticais

POLÍTICA
  • Em 2022, o Governo não conseguiu travar a corrupção e os raptos
  • PGR não atira a toalha ao chão na extradição de Manuel e diz que não tem preço
  • Em 2022 foram julgadas e condenadas quatro pessoas acusadas de terrorismo

Desde o seu discurso inaugural a 15 de Janeiro de 2015, Filipe Nyusi tem hasteado o combate à corrupção como sua principal bandeira. Entretanto, volvidos oito anos, parece que a luta de Nyusi continua somente no campo da retórica, uma vez que a cada ano que passa a corrupção continua a lesar os cofres do Estado. Se em 2021, o Estado foi lesado em 300 milhões de meticais; no ano passado, a corrupção desviou do erário público mais do que o dobro do ano anterior, fixando as perdas em 617 milhões de meticais, segundo revelou a procuradora-geral da República, Biatriz Buchili. Enquanto isso, a Procuradoria – Geral da República, que não se conformou com a decisão da justiça sul-africana de extraditar Manuel Chang para os Estados Unidos da América e interpôs um recurso ao Tribunal Constitucional daquele país para esta deliberação, reiterou que Moçambique é o único País com jurisdição para exercer acção penal contra Manuel Chang e que a extradição do antigo ministro das Finanças não tem preço. Por outro, no seu informe, Buchili reconheceu as fragilidades no combate aos raptos, anotando que a logística dos raptos é feita a partir dos estabelecimentos penitenciários e que em 2022 foram condenadas quatro pessoas acusadas de terrorismo.

Duarte Sitoe

Filipe Jacinto Nyusi caminha a passos largos para terminar o seu segundo ciclo de governação, mas a luta contra a corrupção no erário público ainda não alcançou resultados palpáveis. Desde 2016, tem sido patrocinados grandes espectáculos mediáticos de julgamentos de antigos governantes de topo, embaixadores, entre outros, contudo nenhum dos ditos “tubarões” da grande corrupção está na cadeia a cumprir pena, depois de serem acusados, julgados e condenados.

No seu habitual informe à Assembleia da República, a procuradora-geral da República, Biatriz Buchili, referiu que a Procuradoria Geral da República teve um desempenho de 88,8% contra 89,9% conseguidos em 2021, voltou a dar sinais de preocupação com o aumento de casos de corrupção.

Segundo Biatriz Buchili, a corrupção, por sinal o cavalo de batalha do Presidente da República, ganhou contornos alarmantes. Em comparação com os 300 milhões desviados em 2021, a corrupção lesou os cofres de Estado em mais 617 milhões de meticais, cerca de 317 milhões de meticais a mais em relação a 2021.

Para além de apontar a Província de Nampula como a que registou o maior número de processos, com 256, seguida de Gaza, com 230 e da Zambézia, com 204, a Procuradoria – Geral da República tornou público que a contratação pública continuou porosa a escândalos de corrupção.

“À semelhança dos anos anteriores, a contratação pública continua a ser uma das áreas propensas à corrupção, dado o elevado fluxo financeiro e o volume das transacções envolvidas. Ela se manifesta pelo exercício abusivo de cargo ou funções e outros actos que atentam contra a probidade pública, constituindo uma fonte privilegiada para o desvio de fundos públicos e acumulação indevida de riqueza”, disse a Procurado – Geral da República.

Na ocasião mostrou preocupação particular com o modus operandi dos funcionários da Direcção Nacional de Investigação Civil (DNIC) e do Serviço Nacional de Migração (SENAMI) que se envolvem em esquemas de emissão fraudulenta de bilhetes de identidade, passaporte, vistos e documento de identificação e residência para estrangeiros, colocando em causa a segurança e a soberania do país.

No que respeita aos bens comprados com o dinheiro desviado dos cofres do Estado, em 2022, o Gabinete Central de Recuperação de Activos, tramitou um total de 42 processos de investigação patrimonial e financeira, tendo sido concluídos 14, dos quais 13 remetidos aos órgãos onde correm os respectivos processos-crime e um foi arquivado. Em termos financeiros foram recuperados mil milhões, cento e quarenta e nove milhões, duzentos e setenta e três mil, cento e sessenta e três meticais e noventa e quatro centavos.

PGR reitera prioridade de trazer Manuel Chang a qualquer preço

Manuel Chang estava com malas aviadas para os Estados Unidos da América depois do Tribunal Superior de Recurso indeferir o pedido de Moçambique de interposição de recurso. Entretanto, a Procuradoria – Geral da República não se conformou, uma vez mais, com a decisão da justiça sul – africana e interpôs um recurso ao Tribunal Constitucional, reiterando que é o único país com jurisdição para exercer acção penal contra Manuel Chang.

Em Agosto do ano de 2021, o ministro da Justiça da África do, Ronald Lamola, decidiu que Manuel Chang seria extraditado para Moçambique. Entretanto, um recurso tempestivo do Fórum da Monitória do Orçamento acabou por baralhar os planos da Procuradoria-Geral da República e, como tal, Chang, que já estava no aeroporto perto para embarcar numa aeronave da Força Aérea de Moçambique acabou sendo devolvido para a cadeia de Medebee, onde está detido há mais de três anos.

No dia 10 de Novembro de 2022, o Tribunal Superior de Gauteng, Joanesburgo, anulou a decisão de Ronald Lamola e decidiu extraditar o antigo ministro das Finanças para os Estados Unidos da América. Entretanto, este desfecho não agradou ao Ministério Público que tornou público que instruiu ao seu advogado no caso para solicitar a suspensão da implementação da decisão, interpor recurso e, simultaneamente, apresentar um pedido de acesso directo ao Tribunal Constitucional para a reapreciação da decisão.

Beatriz Buchili, apoiando-se nas decisões do Ministro da Justiça e Assuntos Correcionais, da República da África do Sul, a favor do pedido de extradição formulado por Moçambique, referiu, à margem do Informe Anual à Assembleia da República, espera que o Tribunal Constitucional defira o pedido de extradição formulado por Moçambique, reiterando que Moçambique é único país com jurisdição para exercer acção penal contra Manuel Chang.

Desconhece-se ao certo quanto dinheiro a PGR pode ter gasto no total até hoje para garantir a defesa de Manuel Chang na África do Sul, bem assim, quanto é que tem estado a gastar com o processo em Londres, mas no caso da África do Sul, nos primeiros seis meses o Estado gastou pelo menos 100 milhões de meticais.

Questionada pelos deputados sobre as avultadas somas que o Estado já gastou na África do Sul para travar a extradição de Manuel Chang para os Estados Unidos da América, a Procuradora – Geral da República referiu que a luta pela extradição de Chang para Moçambique não tem preço.

Outrossim, em relação ao litígio que opõe a Privinvest ao Estado moçambicano em Londres, Buchili avançou que o ministério Público está em processo de preparação de julgamento marcado para Outubro de 2023, no Tribunal de Londres, Reino Unido, e que actualmente prossegue com as diligências interlocutóriais. Aqui também assegurou que não tem preço, até porque uma vez vitorioso há chances de recuperar o dinheiro que o Estado foi lesado.

“Logística dos raptos é feita dentro dos estabelecimentos penitenciários”

Em 2022, o crime organizado, com destaque para os raptos, voltou a exibir a sua musculatura perante o olhar impávido das autoridades da lei e ordem. Dados avançados pela Procuradora – Geral da República no ano passado foram registados 15 raptos, por sinal mais um em comparação com 2021, tendo referido, por outro lado, que a logística dos raptos é feita a partir dos estabelecimentos penitenciários.

“Persiste, infelizmente, a prática de actos preparatórios, mormente, o recrutamento e coordenação da logística dos raptos dentro dos estabelecimentos penitenciários, pelo que em articulação com a Direcção do SERNAP, temos estado a reforçar a nossa actuação no sentido de fiscalização e responsabilização dos autores”, disse Buchile, adiantado depois que numa das operações de fiscalização foram encontrados 12 telemóveis na posse de arguidos envolvidos em raptos em algumas celas das unidades penitenciárias.

Por outro lado, de acordo com a Procuradora – Geral da República, os criminosos que semeiam terror nas principais cidades do país têm estado a sofisticar-se o que, de certa forma, torna mais complexa a investigação por parte das autoridades da lei e ordem, uma vez que os mesmos actuam dentro e fora do país, usando meios tecnológicos de comunicação para dificultar a sua localização e o rastreio dos pagamentos de resgates.

Mesmo com a sofisticação do modus operandi dos criminosos, a Procuradoria – Geral da República registou, em 2022, 15 processos – crime, dos quais 11 com 41 arguidos em prisão preventiva, um com três arguidos em liberdade e três contra cidadãos desconhecidos, sendo que dos referidos arguidos 40 são homens e quatro mulheres com idades compreendidas entre 26 e 55 anos de idade.

Ainda no seu Informe à Assembleia da República, a Procuradora – Geral da República referiu que em 2022, comparativamente com os 354 processos registados nos 12 meses de 2021, o Ministério Público registou 169 processos contra pessoas acusadas de terrorismo, sendo 55 dos quais tem 145 arguidos em prisão preventiva, 25 com 56 arguidos em liberdade e 89 contra desconhecidos.

Beatriz Buchili trouxe à baila que dos processos tramitados 13 recaíram despacho de acusação e os restantes correm termos em instrução preparatória, tendo sido “julgados e condenados quatro arguidos, em igual número de processos, dos quais três de nacionalidade moçambicana e um de nacionalidade tanzaniana” com penas que variam de dois a vinte anos de prisão.

No que ao financiamento e recrutamento para o terrorismo Buchili declarou que há um fluxo de “transacções suspeitas de valores, feitas por instituições e indivíduos particulares, através de transferências bancárias e carteiras móveis para alguns cidadãos, localizados em zonas de conflito, na altura ocupadas por terroristas, concretamente, nos Distritos de Mocímboa da Praia, Palma, Nangade, Muidumbe e Macomia.

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