Polícia que prende por tudo e por nada

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Vai-se tornando pouco recomendável, nos dias que correm, um cidadão manifestar o seu sentimento em relação ao que se passa no País, fazendo valer os seus direitos, consagrados na Constituição da República, porque, a qualquer momento, pode ser preso pela Polícia, apesar de tal comportamento não configurar crime algum.

Actos de cidadania, nomeadamente a liberdade de expressão, o direito à reunião e manifestação, por exemplo, podem levar a que um indivíduo seja considerado fora-da-lei, acabando por ir parar nas celas da polícia, com toda a humilhação que isso representa.

Estamos a caminhar perigosamente para uma situação em que não é preciso cometer-se um crime para se ser privado de liberdade. Basta, simplesmente, irritar ou enervar a polícia para que se seja enclausurado.

Por vezes, algumas detenções constituem abuso de poder e prepotência, tendo os agentes da Polícia o objectivo de insinuar aos seus chefes que estão a prestar um serviço digno de louvor. Em algumas ocasiões, fazem-no por ignorância, achando que estão a cumprir a lei que eles próprios desconhecem.

Prendem pessoas alegando que violaram as normas, quando são eles próprios os principais prevaricadores ao negarem ao cidadão o exercício dos seus direitos constitucionais.

A detenção, no princípio desta semana, de um cidadão, em Cabo Delgado, que empunhava um cartaz, na via pública, com os dizeres “Não quero mais ser deslocado”, é prova inequívoca de tal inaptidão. É uma demonstração clara da existência de graves lacunas na sua formação como agentes da Lei e Ordem.

Neste caso vertente de Pemba, a polícia entendeu que o sujeito violou a lei de manifestação, alegando que devia, antes, ter solicitado uma autorização às autoridades protagonizar tal acto, uma justificação que é, no mínimo, estrambólica.

Faz algum sentido alguém submeter requerimento à polícia ou ao Conselho Municipal a pedir que lhe autorizem a exibir um cartaz? Onde é que nós estamos?

Ser deslocado não é algo que alguém possa desejar. Significa viver fora da sua zona de origem. Passar por algumas limitações ou privações. Ficar longe da sua machamba que lhe garante o sustento, ou seja, levar uma vida de indigente.

Desde finais do ano passado a esta parte, temos assistido ao movimento de regresso das populações às suas regiões de origem em Palma, Mocímboa da Praia e a outros distritos, devido à melhoria da situação de segurança. São pessoas que passaram noites e noites nas matas em busca de abrigo, vezes sem conta passando por intempéries, faltando-lhes o que comer e cobrir.

O desejo de todos quantos procuram hoje restabelecer a vida nas suas aldeias é que uma situação similar não lhes volte a acontecer. Com o seu cartaz “Não quero mais ser deslocado”, o homem está, por um lado, a transmitir o sentimento de cerca de um milhão de pessoas que passaram pela situação de deslocados.

Por outro lado, a mensagem serve de chamada de atenção ao Estado moçambicano, a quem cabe a responsabilidade de proteger os cidadãos, com vista a que lhe seja garantido o regresso em definitivo e que a sua segurança não volte a ser posta em causa pelos insurgentes. Por outras palavras, ele não está a exigir nada que não seja obrigação de quem o governa.

Postas as coisas nestes termos, cumpre-me perguntar: “Que crime terá cometido o cidadão, ao exteriorizar este sentimento, que é da maioria dos que passaram pela situação de deslocados?”

Não prendam pessoas só por prender, sob o risco de se cometerem erros, como é o caso em apreço. Não havia razões para privar o homem de liberdade. As justificações que as autoridades apresentaram publicamente revelam, deveras, um comportamento errático, o que consubstancia um perigo público, tendo em conta as competências sob a alçada da corporação. Estamos perante uma situação em que não foi preciso cometer um crime para se ser preso. Bastou irritar a polícia.

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