- Banco de Moçambique mantém-se no silêncio
- Clientes esperam cartões há mais de seis meses e serviços estão condicionados
- Banco de Moçambique cada vez mais ditador e menos aberto à imprensa
Filas longas, pessoas desesperadas a correrem de um lado para o outro numa frenética corrida às ATMs e agentes de serviços de carteira móvel, com a única preocupação de retirar dinheiro. Foi o cenário vivido entre sexta-feira e Domingo, passado, na sequência de falta de uma informação oficial de quem de direito em torno das constantes paralisações de ATMs e intermitência do funcionamento dos vários serviços do sistema bancário, incluindo a emissão de cartões, o que fez com que muitos, na busca de informação, acabassem esbarrando em mensagens de alarme postas a circular sobretudo nas redes sociais. A verdade é que, desde meados do ano passado, o sistema bancário nacional tem estado a registar constrangimentos de vária ordem, causados pela migração gradual do sistema financeiro da BizFirst, anterior provedor, para a Euronet, um operador imposto pelo Banco de Moçambique, que está a introduzir um novo modelo de cartões, denominado contactless. Apesar dos relatos de falhas graves do sistema, incluindo escassez de cartões, o Banco de Moçambique mantém-se no silêncio e ignorou um pedido de informação formulado pelo Evidências.
Evidêncas
Vive-se um caos no sistema financeiro nacional. Não há uma informação oficial e clara sobre o que realmente está a acontecer, mas as mudanças geradas pela migração do sistema BizFirst para o novo operador Euronet está a trazer constrangimentos de vária ordem aos utentes dos bancos, que vezes sem conta são surpreendidos com a indisponibilidade de alguns dos principais serviços.
Para além da indisponibilidade ou demora em meses do serviço de emissão e troca de cartões de débito desde o ano passado, os principais bancos da praça vêm enfrentando, sobretudo nos últimos meses, restrições e interrupções no funcionamento das ATMs e dificuldades de uso de cartões nos POS.
Há clientes que há muitos meses não conseguem renovar cartões de débito devido a indisponibilidade do material no mercado, e houve inclusive indisponibilidade de livros de cheques nalguns bancos.
Na passada sexta-feira, ATMs de diversos bancos que operam no país registaram uma espécie de blackout em todo o país, o que causou um alvoroço e corrida desenfreada aos bancos por parte dos utentes, sobretudo depois da circulação de informação de que todos os que tinham dinheiro na conta móvel deveriam retirá-lo em 24 horas, pois a partir do dia 01 de Julho a conta móvel deixaria de funcionar e não seria mais possível reaver o valor caso não fosse retirado da conta.
Adensou o desespero o facto dos serviços de carteira móvel (M-pesa, M-kesh e e-Mola) terem registado alguns constrangimentos, em virtude de também terem sido obrigados a migrar para a Euronet, que substitui a portuguesa BizFirst, provedor do software que a SIMO-Rede vinha usando e que acabou sendo preterido depois de ter, em 2018, interrompido o fornecimento do serviço por causa de dívidas por parte do Banco de Moçambique.
A própria migração para a Euronet, cujo contrato foi assinado a 11 de Dezembro de 2018, já vai largamente atrasada, mesmo depois da entrada oficial ter sido anunciada em 2020, aquela empresa americana só agora tenta concluir a implantação da sua rede. A data limite anunciada às pressas era 30 de Junho passado, mas mesmo depois disso o Banco de Moçambique ainda não apareceu publicamente a informar o estágio da implementação de um sistema que está a nascer coxo e marcado por inúmeros adiamentos.
Uma espera por cartão de débito que dura meio ano
Emília Chauque diz que se sente agastada com o comportamento dos bancos, pois aguarda pelo cartão de débito desde o princípio do ano e não tem tido uma resposta satisfatória.
“Perdi o meu cartão em Dezembro e até agora eles não têm um cartão novo disponível no banco, esta situação é desgastante porque tenho que recorrer a outros meios para retirar o valor da minha conta e chega a ser muito caro para mim. Eu penso que o banco deveria explicar o porquê da demora. Hoje, estou a tentar levantar o valor na conta móvel, não é possível. Fui à sede do BCI e uma das funcionárias disse que todas as ATMs não estão a funcionar e que não seria possível retirar dinheiro da conta móvel. Esta situação é bastante desconfortável, tenho um dinheiro que está pendente, não sei como vou fazer para poder levantar”, desabafou.
Yolanda João é outra utente que ficou lesada com a indisponibilidade de alguns serviços bancários e culpa o Banco de Moçambique pelo silêncio e falta de disponibilização de informação oficial, o que acabou gerando um caos.
“Dói saber que tenho um valor na conta e não tenho como retirar, é triste porque não estamos a ter uma informação formal do que está a acontecer, estamos a ter informações pelos grupos do Whatsapp e Facebook de que as ATMs não estão a funcionar. Eu acho que o Banco de Moçambique deveria dar uma informação formal. Hoje, já passei por 04 ATMs de bancos diferentes para poder levantar dinheiro na minha conta móvel e não está a ser possível. Em todos os bancos que vou aparece serviço indisponível, antes podíamos deixar dinheiro no banco e levantar a qualquer hora, mas agora não está a ser possível. Hoje, tentei transferir valor da conta móvel para o e-Mola, para a minha conta cartão e não está a ser possível”, protestou Yolanda.
Quem também culpa a instituição dirigida por Rogério Zandamela pelo caos registado é João Vicente, que lamenta o silêncio do Banco de Moçambique perante uma mudança que mexe com a vida e economias de milhares de moçambicanos de todos os extratos sociais.
“Comecei a ouvir esta situação há duas semanas e realmente não temos uma informação plausível, ouço pessoas a falarem nas redes sociais. Ainda não se deu uma informação oficial do Banco de Moçambique ou dos bancos. Eu acho que deveria ter uma informação, tem muitas formas de dar uma informação, pode ser através das rádios, televisões, panfletos, dísticos, entre outros, mas ainda não vi e isto acaba prejudicando os clientes que tem dinheiro. É uma atitude feia do Banco de Moçambique e dos bancos comerciais”, reclamou João Vicente.
Banco de Moçambique em silêncio e sequer responde solicitações da imprensa
O Evidências vem seguindo o assunto relativo a constrangimentos causados pela migração do sistema bancário há alguns meses, tendo submetido há mais de um mês (a lei de Direito à Informação estipula 21 dias para as instituições disponibilizarem informações solicitadas), mas o nosso email em que procuramos esclarecimento sobre o que está a acontecer no sistema, até ao fecho da presente edição não foi respondido.
Contactamos o Gabinete de Comunicação do Banco Central através de seus vários assessores e técnicos, mas foi debalde. Ninguém se dignou a encaminhar o nosso pedido de informação, numa altura em que o Banco de Moçambique tem estado a fechar-se cada vez mais à imprensa, de tal sorte que até as conferências de imprensa regulares em que os jornalistas tinham oportunidade de interpelar gestores de topo, e não só sobre a vida do banco e do sistema financeiro, foram abolidas e substituídas por gravações de vídeos do Governador do Banco, Rogério Zandamela, falando literalmente sozinho e sem ninguém que o questione.
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