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Felisberto S. Botão
O enquadramento
No artigo de agosto de 2023, nós referimos que o movimento dos povos, e interferências entre estes, é um fenómeno que obedece seus ciclos, embora muito mais complexos, pois não são ciclos fixos por experimentarem a interferência do homem, o único ser na terra com a prerrogativa de fazer isso.
Referimos na sequência que estamos agora no fim do ciclo da neocolonização, e que a europa estava num momento de grande fragilidade, pela insustentabilidade do seu sistema imperialista unipolar, baseado no sistema monetário e guerras, que foi agravado com a guerra de atrito na ucrânia, que promovem contra a Rússia, num erro de cálculo monumental. A França, Inglaterra e Alemanha estão a mãos com problemas orçamentais, e precisam de África, o que coloca o continente mais uma vez em posição de força negocial.
Referimos na altura que o elo fraco de África está nos seus líderes, que na sua maioria são fabricação europeia, e devem obediência cega a metrópole. Ou então, lutam por uma aceitação pelo ocidente.
O momento está favorável à revolução em África, que é uma necessidade para a autodeterminação, pois nenhum colono entrega a colónia de boa vontade. O segredo de sucesso desta vez está na coragem de desfazer a herança da conferência de berlim, que são as fronteiras, minimizar o nacionalismo, e unir-se para negociar como um bloco africano. A cultura partidária, num ambiente multipartidário, enfraquece a nossa união. Torna-se uma espécie de tribalismo, que representa interesses de um grupo, que exclui os outros. O parlamentarismo torna-se uma fraude, pois um grupo de pessoas se diz representantes de um povo com o qual não têm nenhuma ligação, e usurpam o poder e soberania deste. E as eleições só servem para agravar a divisão entre nós, impedindo a construção da nação, que só é possível com todos nós juntos e unidos.
Portanto, quando um irmão branco vem para si, falar mal de mim, porque eu defendo o pan-africanismo e a autodeterminação de África, muito provavelmente ele acredita profundamente que você ainda é um idiota, condição que transforaram-nos a todos nós ao longo dos séculos, e vão colocar-nos a argumentar um contra o outro. Cabe a si o ónus de abrir os olhos, estar atento, e provar o contrário, para a protecção da sua geração vindoura.
Alertamos na altura, respeitando os ciclos, que “para que a revolução seja uma possibilidade de sucesso, a mudança tem que ser agora, ou só daqui a 100 anos”. Parece que a juventude está a responder a este chamado, daí ser importante ajudarmos com o que pudermos, mesmo que sejam simples ideias.
É neste contexto que surge a nova vaga de revolucionários, como são os casos do Ibrahim Traoré, que subiu ao poder através de um golpe de estado em setembro de 2022, em Burkina Faso, com apenas 34 anos, e Bassirou Faye, que venceu as eleições em março de 2024, no Senegal, com 44 anos de idade, ambos com uma orientação bem clara para derrubar o neocolonialismo em África.
O Traoré e o Faye representam os dois caminhos possíveis hoje em África para implementar mudanças necessárias para o derrube do neocolonialismo e libertação da mentalidade do nosso povo e da sua riqueza, para a prosperidade das nossas nações. No primeiro caso, o de Traoré, acontece quando as instituições do estado estão capturadas pelo sistema, e não mais servem aos interesses das massas, mas sim, às nações coloniais, através de uma elite nacional antipatriota. Como não há condições nenhumas de haver mudanças pelas vias democráticas, como assistimos nas últimas eleições autárquicas em Moçambique, a força resta como uma alternativa válida. No segundo caso, o de Senegal, acontece quando ainda há uma funcionalidade residual das instituições como a comissão de eleições e os tribunais. Aí segue-se o caminho democrático, e depois introduz-se as mudanças. Esta ainda é uma possibilidade em Moçambique, mas precisa do levantamento dos intelectuais para pressionar a CNE, os Tribunais Distritais e Conselho Constitucional, para que resistam ao clientelismo com o Governo do dia, e façam o seu trabalho com base nas leis que eles têm em mãos, que aliás são formidáveis.
Por falar na vaga de revolucionários jovens que estão a levantar-se em África, temos ainda casos como Assimi Goita, do Mali, que sobe ao poder com 37 anos em 2020, Julius Malema, da Africa de Sul, que poderá subir ao poder com 43 anos em 2024, Andry Rajoelina, do Madagáscar, que subiu ao poder com 35 anos em 2009, etc., para citar alguns casos, que são possibilidades reais de líderes que podem unir-se para levar a cabo esta 3ª revolução africana. Abdourahamane Tiani, do Níger, que subiu ao poder aos 63 anos, em 2023, é um caso a parte, de líderes que se distinguem do padrão destes revolucionários, mas que mantém uma mente patriota e pan-africana, e que pode perfeitamente passar o testemunho a líderes mais jovens, depois de ter a casa bem arrumada, como ele está a fazer e muito bem, sem medo do ocidente.
Para enquadrar a discussão, a 1ª revolução vem na sequência da escravatura no século XV, iniciada pelos portugueses, nossos bem conhecidos, que se estendeu até o século XIX. No século XVIII, com a independência dos Estados Unidos, em 1783, inicia o movimento abolicionista da escravatura, que ganhou força na Europa com a década da revolução francesa que terminou em 1799, e levou o Estados Unidos a uma guerra civil entre 1861 a 1865. Eram os sinais do fim do ciclo, que não se pode parar, apenas as circunstâncias determinam os actores, pelo seu posicionamento, no espaço e tempo, naquela fase do ciclo.
Entretanto, no continente africano, acontecia a 1ª Revolução Africana, numa luta directa entre os nossos ancestrais e os colonos europeus. Temos registos da resistência do Mwene Nzinga Mbandi (c. 1582 – 1663), a rainha reinante de Angola, do Reino do Dongo entre 1624 e 1626. Outro caso foi das mulheres guerreiras Agojie, que defenderam o reino do Daomé, na África Ocidental, onde actualmente se situa o Benim, entre os séculos XVII e XIX, que na época representava um dos mais temidos exércitos na região. Para não falar dos Zulos, com a liderança do Shaka Zulu, resistiu à invasão imperialista britânica e bôer no século XIX, que os ingleses passaram umas das suas maiores vergonhas em campo de batalha.
A primeira revolução caracterizou-se pela forma isolada que vários reinos resistiam aos invasores europeus, que aliado à inferioridade na tecnologia das armas de fogo, levou a derrota dos africanos.
A 2ª revolução foi das independências nacionais, consequência da colonização, que veio em substituição da escravatura, resultado da conferência de Berlim, proposta pelo Chanceler alemão Otto von Bismarck, de novembro de 1884 a fevereiro de 1885, efectivada com sucesso pela divisão aleatória de África em pequenos países controlados pelas colónias europeias, com o único fim de exploração de matéria prima e outras riquezas para a construção das economias e impérios nos seus países.
Ao perceber a falha estratégica no final da guerra civil americana, os negros iniciaram o movimento Pan-africanismo, no início do século XX, que pregava a união dos africanos e afrodescendentes, da independência do colonialismo europeu em África e da valorização do africano a nível internacional. Este movimento, segundo registos, começa com o Silvester Williams, um homem negro advogado da cidade de Trinidad, que juntou forças com negros nos Estados Unidos. O movimento pan-africano encurtou o ciclo da colonização, e levou às guerras de libertação no continente africano, que resultou nas sucessivas declarações de independência entre os anos 1950 a 1980. Esta foi a 2ª Revolução Africana.
Fomos derrotados por confundirmos o momento, ao herdarmos as instituições do colono, e termos acreditado na coabitação, sem perceber que estávamos a abrir alas para o neocolonialismo. A vitória das independências foi aparente, e hoje está claro para todos africanos que as mesmas não trouxeram a liberdade que o povo esperava, a soberania é uma falácia, e a democracia apenas serve aos europeus, e a condição de vida do povo piorou em relação ao período de gestão directa do europeu, por conta dos maus acordos de independência que os africanos assinaram.
Agora é a vez da 3ª revolução, que consiste na roptura do sistema neocolonial, que como disse o Kwame Nkrumah, “o estado que lhe está sujeito é, em teoria, independente e possui todas as armadilhas externas da soberania internacional. Na realidade, o seu sistema económico e, portanto, o seu sistema político é dirigido de fora”. Esta revolução é a mais difícil, porque parece que tudo está sob o nosso controlo, e o revolucionário parece o rebelde e o terrorista. Para normalizar a situação a nosso favor, devem ser contornadas as instituições e os sistemas vigentes, que na verdade são pertencentes ao colono, e através delas consegue controlar-nos a todos, incluindo a liderança política africana.
Entretanto deve haver uma vigilância dobrada, pois é prática do colono capturar os nossos agentes e as nossas instituições, para que a revolução fracasse. Lembram-se do que aconteceu com a bravura do povo Haitiano? Depois de derrotar no campo de batalha a França, a Inglaterra e a Espanha, ficou sem suporte dos seus semelhantes, a ponto de ficar vulnerável à invasão dos estados unidos em 1915 pelos “Marines”. Grandes líderes como Toussaint Louverture e Charlemagne Péralte, apesar da sua bravura, não puderam impedir a contínua sabotagem do país, que mantém até hoje, tal é a persistência do colono. O Mali tentou mudar a moeda logo a seguir a independência, mas devido a tanta pressão, teve que voltar a juntar-se ao grupo da moeda Franco CFA.
Hoje nota-se pouca actividade do presidente do Madagáscar, por exemplo, o que faz recear que já lhe silenciaram. Este é um risco real para todos os líderes revolucionários, se não prestarem atenção nas armas do neocolonialismo, e como tem vindo a derrotar os nossos líderes ao longo da história.
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