- Frelimo pede soluções no seu primeiro pronunciamento sobre os raptos
- Entre apelos e silêncio das autoridades, raptores elevam o terror em Maputo
- Empresários com opções limitadas: abandonar o país ou pagar liberdade
Depois da publicação do Evidências, na edição passada, dando conta de que a comunidade muçulmana no país está de costas voltadas com o Governo e responsabiliza o partido no poder pela aparente inércia no combate aos raptos, ameaçando inclusive votar na oposição, o partido Frelimo juntou-se às vozes que apelam o fim dos raptos e pediu, no decurso da 31.ª sessão ordinária da Comissão Política, às autoridades para “aperfeiçoarem mecanismos na busca de soluções”. Curiosamente, as palavras do partido dos camaradas parecem ainda não ter feito eco. Esta segunda-feira, imagens do mais recente rapto mostram três homens encapuzados e a vítima imobilizada em meio a movimentos de testemunhas, que, embora assustadas com o terror, captaram o momento do rapto, ocorrido na Avenida Francisco Orlando Magumbwe, na cidade de Maputo. A mais recente vítima é Muhammad Salman Imtiyaz, filho de Imtiyaz, dono da loja United Center, raptado quando estava a sair de casa com destino ao trabalho. É o terceiro rapto em menos de duas semanas. Depois de clérigo muçulmano Moulana Nazir Lunat denunciar o desinteresse do governo em resolver os problemas de raptos, Salim Omar, presidente da Comunidade Mahometana de Moçambique, denunciou que os raptores têm informações privilegiadas e basta um familiar das vítimas receber qualquer solicitação das autoridades que começa a receber chamadas de ameaça.
O ambiente continua cada vez mais assustador para a comunidade empresarial da ascendência asiática, que assiste a cada dia que passa a degradação da segurança devido ao aumento da ocorrência de raptos, num contexto de transição política, o que acaba aumentando especulação de que existe uma correlação entre os raptores e as autoridades que supostamente deviam combater estes raptos, que são autoridades políticas que controlam meios operativos.
Depois da publicação do Evidências (edição 169/ de 30 de Julho), que ilustrava os custos e os prejuízos do terror causado pelos raptos, mais vozes, incluindo a própria a Frelimo, elevaram a voz pressionando as autoridades a sofisticar os mecanismos de combate. A Frelimo, que sempre esteve nas graças da comunidade muçulmana e hindu, sendo muitas vezes patrocinada por empresários ligados a estas castas, vem sendo criticada abertamente nos últimos anos, até em sermões (bayan) nas mesquitas, alegadamente devido a inoperância do governo em colocar fim aos raptos.
Para não ficar impopular diante de uma comunidade que financia suas campanhas e que chegou a ameaçar apoiar a oposição nas próximas eleições, a Frelimo, depois de ver o repto reproduzido pelo Evidências, endureceu o seu tom de voz contra este fenómeno que já está a ter impactos catastróficos sobre a economia do país.
“A Frelimo reitera a sua profunda inquietação no que toca ao crime de raptos, com maior incidência na cidade de Maputo, e encoraja as autoridades competentes a continuarem a aperfeiçoar mecanismos na busca de soluções face a estes crimes que afectam o sossego das famílias e compromete as iniciativas que concorrem para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique”, lê-se no comunicado da CP, divulgado no fim da sessão ordinária daquele órgão da Frelimo.
O pedido do partido para o aperfeiçoamento dos mecanismos do combate aos raptos reforça a recente exigência do Presidente da República para a apresentação pública de pelo menos um mandante dos raptos, dos pronunciamentos do ministro do Interior, que considera leve a moldura penal dos raptos e dos pedidos da Confederação das Associações Económicas (CTA), que revelou recentemente que nos últimos 12 anos 150 empresários foram raptados e mais de 100 abandonaram o país.
Apesar dos tantos apelos para a erradicação dos crimes de rapto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia da República de Moçambique, também, em Junho passado, revelaram que enfrentam dificuldades de resposta sob o pretexto de que “este tipo de crime é sofisticado”.
Da revolta da comunidade muçulmana
De acordo com a Comunidade Mahometana de Moçambique, as vítimas que permaneceram no país sofrem ameaças e não confiam nas autoridades. Segundo Salim Omar, presidente daquela comunidade, as famílias das vítimas que escolheram permanecer no país não confiam na polícia e têm sofrido ameaças quando tentam colaborar com as autoridades, acrescentando que os raptores têm informações internas sobre os processos.
“Os familiares das vítimas dizem que quando são solicitados pela polícia ou pela procuradoria recebem chamadas telefónicas de pessoas a dizerem que é preciso que tenham cuidado, senão vão morrer (…). As vítimas desconfiam da polícia”, afirmou o líder maometano.
Salim Omar criticou também a falta de resultados da brigada anti-raptos, uma unidade policial especializada anunciada pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, em 2021. “Há dois anos que falamos da brigada anti-raptos e ainda não vimos qualquer resultado desta brigada. Mais grave ainda, não sabemos quem faz parte desta brigada, quem é que a dirige”, declarou Salim Omar.
Além de ameaças aos familiares das vítimas, esta comunidade de empresários, sob radar dos raptores, tem duas opções para reduzir os riscos de ser raptado. Pagar taxas de liberdade, cujos valores são pagos a quadrilha dos raptos, ou abandonar o país para controlar os seus negócios remotamente, uma decisão que acaba implicando redução das actividades e, consequentemente, dos trabalhadores.
Mas mesmo com todos esses custos a economia, o poder político não mostra medidas eficazes. No Bayan (sermão) da sexta-feira (26 de Julho), Maulana Nazir Lunat, cujo pai já foi vítima dos raptos, disse que as contribuições semanais na Mesquita baixaram de uma média de 32 mil meticais por semana para 17 a 20 mil. “A receita na Masjid baixou de 32 mil meticais para 17 a 20 mil semanal, porque esses indivíduos que apoiam não estão mais aqui em Moçambique”, disse, alertando que este não é um problema apenas de empresários da ascendência asiática, mas de todos, na medida em que os seus efeitos mechem com toda estrutura da economia.
“Irmãos, aquilo que vou falar posso ter consequências, mas não posso viver toda hora com medo. Não esperem nada deste governo. Eu, Nazir, já fui ter não sei com quantos presidentes deste país, o Presidente actual (Filipe Nyusi) também já fui ter com ele. Já fui ter com todos os Primeiro-Ministros, já fui ter com todos os ministros do Interior, já fui ter com todos os comandantes (geral) nacionais, e eles não estão para nós. Não vão servir a nós. Eu sei que vou ter consequências por estas palavras, mas é preciso enfrentar, pode vir me a morte, não interessa”, desabafou clérigo muçulmano.
De forma contundente, prosseguiu que “há 12 anos que nenhum governante não faz nada. Se me roubarem o celular, o SERNIC consegue trabalhar, consegue apanhar. Eu já sofri rapto com o meu pai e sei as consequências familiares e da riqueza (econômicas). As divisões que cria nas famílias por causa de raptos, dinheiro não tem amigo, você quando tem sociedade com uma pessoa e um deles é raptado, você não sabe se foi raptado por causa dele ou por causa família ou… Todos, ninguém quer tirar dinheiro. Todos se culpam um ao outro”.
Nazir, num tom de desabafo, faz uma pergunta retórica, questionado o que afinal “nós não fizemos? A quem não falamos? Porque nós somos líderes da comunidade, não estamos para expor as causas, mas chega um momento em que as pessoas têm de saber o que está a acontecer. Há 12 anos que este governo não faz nada. “Há de vir a vez de outros, se não por causa de raptos vai ser através de drogas (…) não podemos pensar que a minha vez não há de vir”.
Às consequências de fuga dos empresários
Apesar de vozes influentes ousarem afirmar que raptos é um assunto exclusivo de empresários de ascendência asiática, facto mostra que não é um assunto a ser reduzido a uma comunidade ou mesmo à economia, mas encontra sua inércia na política, onde a Frelimo é apontada como o principal culpado. É uma indústria que já não teme ninguém e os raptores exibem a sua musculatura nas barbas da polícia e a escassos quilômetros da Presidência da República. É a quadrilha a mostrar-se acima das forças do Estado.
A semelhança do que ocorre no terrorismo, muitas correntes foram levantadas, e a mais recente explicação sobre os seus autores consta do Relatório de Análise Estratégica publicado por Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GIFiM), que diz ter recolhido e analisado comunicações, informações e relatórios referentes ao período de 2014 a 2024 e chegado a conclusão de que os supostos mandantes país são, maioritariamente, indivíduos nacionais ou com a nacionalidade adquirida, oriundos de países ou jurisdições da Ásia, com antecedentes criminais. Mas explicações sobre o perfil dos mandantes já foram criadas quase sempre que o grito das vítimas se faz alto, mas o que é palpável é falta da vontade política, que mesmo depois de montar câmeras de vigilância nas cidades de Maputo e Matola, não consegue explicar um fenômeno cuja concretização depende do nível do envolvimento da quadrilha nos bancos, onde é coletada a informação financeira das vítimas, e nos meios castrense. Entre as soluções, já foi ainda equacionada a criação de uma unidade Ante Rapto, mas não passou de uma falsa promessa.
No mesmo período, o GIFiM registou que 33 milhões de dólares, algo como dois 2 079 milhões de meticais, foram movimentados por este negócio. Estas são as primeiras consequências mensuráveis de um negócio movido por meliantes que torturam suas vítimas e deixam traumas psicológicos, que levam tempo para serem superados, se não incuráveis.
Uma consulta superficial mostra que o investimento Direto Estrangeiro (IDE) em Moçambique, que estava na casa dos seis mil milhões de dólares em 2014, baixou para 2.5 mil milhões em 2023. Enquanto que cruzados os relatórios do Banco de Moçambique sobre a balança de pagamentos, no capítulo referente às importações, que é o sector onde estão concentradas as empresas de empresários com ascendência asiática, nota-se uma redução drástica de níveis de importações para quase metade. Em 2022, o volume das importações de bens de consumo estava na casa dos 500 milhões de dólares, há 10 anos, estavam na casa de 1 500 milhões. É mesmo assustador, para uma economia que nada produz e mostra-se parado no tempo.
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