- Toma posse de um poder arrancado a ferro e balas e manchado de sangue
- Venâncio Mondlane não mostra sinais de recuo e promete lutar até às últimas consequências
- Governo cessante não conseguiu encerrar manifestações, nem atenuar descontentamento popular
- Deixa enorme buraco da dívida pública interna e dívidas com professores, médicos e fornecedores
- Chapo vai dirigir com governadores impostos pelo antecessor e não eleitos democraticamente
Toma posse, amanhã quarta-feira, Daniel Chapo como quinto Presidente da República, eleito nas conturbadas e contestadas eleições de 09 de Outubro passado. Chapo vai suceder no cargo Filipe Nyusi, de quem vai receber um País transformado em barril de pólvora e com parte dos elementos do seu Governo impostos pelo seu antecessor, com destaque para os governadores provinciais, que não foram eleitos democraticamente, mas sim indicados a dedo, e mais de 80% deles reconduzidos pela actual liderança do partido. Como se tal não bastasse, um enorme buraco da dívida pública interna, para além de dívidas acumuladas com professores, médicos e fornecedores de bens e serviços. A isto vai se acrescer um Venâncio Mondlane que se diz disposto a lutar até às últimas consequências e num contexto de um crescente descontentamento popular. Além de assentar sobre um alegado desastroso do seu antecessor, Chapo tem o desafio de provar que não é bode expiatório de Filipe Nyusi.
Evidências
Daniel Chapo assume, a partir de amanhã, os destinos do País, em meio a grandes incertezas geradas pela onda de manifestações que deflagraram em todo o território nacional há quase três meses lideradas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, em contestação contra os resultados eleitorais considerados fraudulentos pela generalidade dos partidos da oposição, sociedade civil e observadores nacionais e internacionais.
Chapo será o quinto Presidente da República e tem pela frente a gestão de um país na banca rota e com todo tecido social dividido, com terrorismo em Cabo Delgado e grande parte da população descontente e ávida de mudanças na governação, num contexto em que alguns projectos da indústria extrativa (exploração de grafite pela Syrah Resources Mine Balama e o maior investimento de exploração de gás na bacia de Rovuma, pela TotalEnergies), bastante vitais para a economia, estão paralisados.
Com um Governo cessante em dificuldades gritantes de honrar seus compromissos com fornecedores e com dívidas com funcionários públicos, a maior preocupação é que vá encontrar cofres totalmente vazios, o que poderá minar os seus esforços de governação. O Governo já vinha desde 2022 com dificuldades para honrar com seus compromissos, situação que se agravou em 2023, quando passou a pagar salários a conta gotas e aumentou a dívida que já tinha com funcionários públicos devido a subsídios em atraso acumulados, sobretudo nos sectores da saúde e educação. O Governo de Nyusi fracassou a todos os níveis. Em Dezembro passado teria se comprometido em pagar os fornecedores até dia 20, mas não honrou esse compromisso. A par deste fracasso, nas palavras de Filipe Nyusi, comprometeu-se em deixar a presidência com o país pacificado, mas debalde, nem os contactos directos com o Venâncio Mondlane surtiram o efeito desejado.
Apesar das dificuldades para pagar a sua despesa, incluindo salários cuja data de “confirmado” passou a ser irregular, o Governo de Filipe Nyusi nunca assumiu estar em bancarrota e foi empurrando a crise com a barriga, muitas vezes com recurso a emissão de títulos e bilhetes de tesouro, cavando cada vez mais fundo o buraco da dívida pública interna.
Com um Governo cessante que durante anos mentiu sem remorsos, não se sabe, ao certo, qual é a dimensão do buraco da dívida pública interna, aliada a outros compromissos económicos com fornecedores que foram sendo adiados e acumulados nos últimos três anos, que, agora, Daniel Chapo vai herdar da actual administração, desafiando a sustentabilidade do executivo que irá constituir em breve. São dívidas que incluem a própria Presidência da República, que nos últimos meses vinha apostando na mudança dos fornecedores no lugar de solicitar os que têm contrato devido às dívidas acumuladas. Aliás, esta foi a estratégia adoptada, não só na presidência, mas nas demais instituições do Estado incluindo os municípios.
Dívida documentada pelo BM aumentou mais de 90 mil milhões em menos de 11 meses
A última actualização do Banco de Moçambique sobre a dívida pública interna, em Novembro passado, alertava que o endividamento público interno, excluindo os contratos de mútuo e de locação e as responsabilidades em mora, situa-se em 408,1 mil milhões de meticais, o que representa um aumento de 95,7 mil milhões de meticais em relação a Dezembro de 2023.
Há um mês de sair do poder, concretamente no dia 17 de Dezembro, o Governo de Filipe Nyusi voltou à Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), para lançar uma última operação de venda de Obrigações do Tesouro que consistiu na primeira reabertura da 13.ª série de 2024, que colocava até 4.000 milhões de meticais, com uma taxa de juro nominal de 13,5% durante os primeiros quatro pagamentos semestrais de juros e variável nos seis últimos pagamentos. Tratava-se da segunda operação do género no espaço de uma semana, depois de em 10 de Dezembro Moçambique ter colocado 1.273 milhões de meticais noutra emissão bolsista interna – 13.ª série de 2024 – de Obrigações do Tesouro com maturidade de cinco anos.
Apesar de todos os esforços do Governo de Nyusi, incluindo um julgamento de dívidas ocultas encenado aparentemente para agradar os doadores, o País nunca recuperou a confiança dos Parceiros Programáticos do Orçamento do Estado e dos mercados financeiros internacionais, fazendo com que o Executivo cessante dependesse da venda de bilhetes e títulos de tesouro, às vezes, até para pagar salários e contas correntes.
Nyusi deixa um povo descontente, terrorismo e manifestações
Apesar de várias vezes o seu governo ter dado garantias de estar a aniquilar o terrorismo, chegando a dar ultimatos para que os malfeitores saíssem e se entregassem as autoridades, o Governo de Filipe Nyusi sai sem conseguir dar um desfecho cabal do terrorismo que assola o país desde Outubro de 2017.
Como se tal não bastasse, nesta quarta-feira, vai entregar nas mãos de Chapo um país com grande parte da população descontente devido a governação que empurrou milhares de moçambicanos para a pobreza nos últimos anos, alta do desemprego, exclusão social, carestia da vida, falta de oportunidade para jovens, entre vários fracassos governativos.
Esta má governação transformou o País num terreno fértil para que qualquer estopim acendesse o capim seco regado a gasolina. Venâncio Mondlane só precisou de um motivo legítimo, para mobilizar os moçambicanos de todos os extractos sociais, com destaque para os mais desfavorecidos, para saírem à rua. Este é outro dossier que o Governo cessante não conseguiu encerrar manifestações, nem atenuar descontentamento popular, deixando a batata quente para Chapo, num contexto em que Venâncio Mondlane não mostra sinais de recuo e promete lutar até às últimas consequências.
Mas outro fardo duro da administração Nyusi vai ser gerir resquícios de um governo que falhou. Chapo vai dirigir com governadores provinciais impostos pelo seu antecessor e que não foram eleitos democraticamente. Cerca de 80% dos actuais governadores foram reconduzidos sem critérios claros na famosa saga de candidaturas únicas eleitas a 100%. Muitas das candidaturas foram por indicação a dedo, mesmo em casos em que havia claras denúncias de má governação e corrupção, como foi com Pio Matos, na Zambézia, que mesmo tendo sido rejeitado pelas bases, houve um esforço titânico para que fosse eleito.
Refira-se que o partido Frelimo convocou a terceira sessão extraordinária do Comité Central, para o dia 14 de Fevereiro, na Escola Central da Frelimo, em Maputo. A agenda da sessão ainda não foi divulgada, mas acredita-se que sirva para eleição de Daniel Chapo como presidente da Frelimo, cumprir a tradição partidária e assumir plenamente os poderes.
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