O medo da verdade que destrói e empobrece o africano

OPINIÃO

Felisberto S. Botão

Alguém afirmou que a Lúcia Ribeiro perdeu a oportunidade de pacificar o país, e entrar para a história, por conta do medo de quebrar a sua lealdade à Frelimo, e com mentiras empurrou o país para o caos, que levou outro autor a afirmar que neste momento em Moçambique, “o poder está na rua”, o que é muito perigoso.

A Frelimo procura culpados do estado do país, e tenta perceber de onde vem tantos vândalos e tantos marginais, e esquece que ela é a única que governou este país até hoje. Tudo o que o país se tornou, é o que ela construiu, e os camaradas se olham, e ninguém fala verdade um para o outro. Escolhem morrer juntos com uma liderança que já não está com eles também, já lhes largou faz muito tempo, e não pretende mudar.

Vemos camaradas a lutarem para construir e manter a narrativa da santificação da Frelimo e demonização do povo por conta de pequenos benefícios pessoais que não passam de “chupa-chupa” de crianças e migalhas de baixo da mesa, que acreditam fazer parte do buffet, e não têm a clarividência de perceber que um país livre permitiria a eles mesmos participarem no buffet em cima da mesa, e ter garantias de uma boa herança para os seus filhos e netos. Apesar de sermos puxa-saco, não há garantias que nossos filhos vão dominar esta arte.

O ocidente ama ajuda humanitária, e Moçambique está a abrir espaço para uma crise humanitária, que poderá ser exacerbada por interferência externa, na medida que estamos a perder controlo da situação.

A libertação das mentes do povo africano será a batalha mais dura do que a erradicação dos regimes coloniais” – Patrice Lumumba, primeiro ministro legalmente eleito da República Democrática do Congo, foi assassinado pelo governo americano, em conjunto com o governo da bélgica, a 17 de janeiro de 1961.

Pregue a verdade e se prepare para colher inimigos” Martin Luther King. Ninguém busca intensionalmente acumular inimigos, e muito menos eu. Mas esta máxima do King tem-se comprovado, o que também é um inibidor da verdade na sociedade, mas há uma causa maior que se deve colocar acima de tudo, “a liberdade e a sobrevivência do povo africano”, que depende desta verdade. O que fazer então?

Não falamos das nossas diferenças culturais e tribais, não falamos da nossa tradição, não falamos do feitiço, não falamos das drogas de mulheres para fechar homens, não falamos de “kukhenga” dos pais, que usam os filhos para manter riqueza ou um certo tipo de poder. Nós preferimos fazer de contas que somos um povo único, com uma cultura, a europeia, com uma língua, a europeia; e tudo o resto, que vem da diversidade da nossa origem africana, representa um desvio que nós não reconhecemos. Entendemo-nos na superfície, mas lá no fundo, estamos em guerra permanente, por conta da identidade reprimida.

Não falamos da poligamia, e muito menos do que chamamos de casamentos prematuros. São fenómenos sociais africanos que nunca mataram ninguém, pelo contrário, sempre serviram para promover o equilíbrio e a paz social. É verdade sim que em África, famílias usam suas filhas para sair da pobreza, entregando-as a homens com alguma posse, e não tem nada de errado com isso. É verdade sim que em África, homens casam-se com várias mulheres, não só por uma questão de amor, mas pela necessidade de dar oportunidade que cada mulher tenha um marido, e possa satisfazer suas necessidades biológicas com uma regularidade aceitável, num ambiente seguro, a nível físico e material. O facto de aparecerem famílias apressadas, que exageram na idade das filhas que entregam aos casamentos, ou homens que entram na poligamia sem capacidade, apenas pela ganância sexual, não retira o mérito destas práticas. Como sociedade, nós é que devemos assegurar que estas práticas sejam seguidas com integridade, correcção moral e ética, e respeito às tradições dos nossos antepassados. A narrativa ocidental veio destruir as nossas práticas, e por admitirmos essa interferência, temos hoje uma sociedade problemática, e nos questionamos “porque será?”.

Não falamos do ódio inexplicável que sentimos de nós mesmos, não falamos das nossas línguas maternas que estão a cair no esquecimento, não falamos dos sacrifícios de vidas para salvar outras vidas, que sendo elementos presentes no nosso dia a dia, e a destruir-nos como um povo, são tabus. Quem disse que eram?

Não falamos dos medos de parecer racistas, de voltar aos assuntos do passado, enquanto os brancos já deixaram isso no passado. Como poderia, se os brancos deixaram de ser quando aboliram a escravatura e deram as independências? Não falamos do bullying permanente e explícito, quando um dirigente europeu vem cá e diz que vai treinar nossas forças armadas, enquanto nós sabemos que vai reforçar as condições dos insurgentes, ou quando vem doar vacinas para imunizar a nossa gente, enquanto nós sabemos que vem infectar essa gente de doenças experimentais. Até quando Deus vai dar este privilégio da sorte para continuarmos a sobreviver como uma raça?

A vida global gira em torno do homem negro e de sua terra, África. A sangrenta guerra civil na américa revolveu-se a volta da escravatura, portanto, dos negros. Igualmente, muitos assuntos da vida da sociedade ocidental revolve a volta do negro. Bolsas de ouro, mercadorias, o sistema Kimberley de certificação de diamantes, ou seja, tudo cai se África sair da equação, mas estão desenhados de forma ao africano não ter acesso aos mesmos, só podendo usar o mercado negro, se desejar negociar por si. O que sustenta estes processos e sistemas, e faz parecer que são independentes da África, são as narrativas e a alta propaganda, sobre a irrelevância do negro e da África.

Na democracia não é o voto que vence, mas o controle do sistema e as narrativas. Porquê acha que o Donald Trumpsurtou” em 2021, e mandou invadir o Capitólio, sede do Congresso americano em Washington? Ele percebeu que estava a acontecer um golpe de estado democrático. É isso que acontece na democracia ocidental, quem vence não é o voto popular, mas sim o controle do sistema.

Os golpes de estado democráticos acontecem a cada ciclo eleitoral, não só em África, mas em todo mundo, incluindo a chamada maior democracia, o EUA, como citei acima. Porquê acha que a união europeia não está a posicionar-se com firmeza no caso actual de Moçambique? Naturalmente que está a pesar as variáveis que cada parte introduz na equação? Não é, e nunca foi uma questão de votos. Portugal mostrou isso com o seu posicionamento prematuro, a nível do seu presidente e do primeiro ministro, mostrando que está a ganhar com o sistema actual, e não se importa a mínima com o progresso de Moçambique e sua gente. Portugal ainda se posiciona como uma potência colonial, Moçambique não passa de uma colónia onde devem sacar recursos para alimentar a metrópole.

A ordem mundial actual não privilegia a verdade, mas sim a conveniência. Mas o domínio da análise das variáveis, incluindo a “opinião das massas”, é fundamental para a tomada de decisões assertivas.

Moçambique está em crise, é um facto, mas não se nota um esforço genuíno para o diálogo, e as posições estão a ficar extremadas. O Venâncio deu uma trégua de 5 dias, como um sinal de abertura. O governo é que está com muitas dificuldades, será por conta dos compromissos? Parece que o Chapo ainda não “recebeu autorização” para tomar iniciativa, e nem a cúpula está preparada para “dar esta autorização”, por conta da incerteza em navegar em todas as situações desta “ordem mundial”, a medida que as variáveis oscilam no seu peso, fazendo com que precisem do suporte dos “donos do sistema”, os colonos.

Venâncio deve entender que a Frelimo está muito comprometida, e largar o poder não é uma opção, sob o risco de choverem escândalos económicos e financeiro envolvendo pessoas e instituições impensáveis a nível nacional e internacional. Ela sabe que não ganhou, e sabia que não iria ganhar, e nunca esteve preocupada com isso, tendo o sistema sob seu controle. A Frelimo deve entender que o Venâncio Mondlane apresenta uma tese válida ao povo, e já foi muito longe com esta luta, e desistir ou recuar não é uma opção, sob o risco de ser linchado pelo povo.

O Chapo precisa apresentar as suas dores e os seus medos, como pessoa e como Frelimo, e genuinamente convidar o Venâncio e seus parceiros, a encontrar caminhos para mudanças, sem destruir o país. As perseguições de pessoas, intimidação e assassinatos já não são uma opção, precisamos parar com isso. Estamos a abrir espaço para pessoas externas entrarem, e ficarmos a dever favores que pagaremos durante anos com sangue e a nossa riqueza. É sempre melhor dividir com um irmão do que forasteiros.

Vi uma passagem de um autor que achei muito interessante, que dizia algo como, “desejo interior de proteger os mais jovens e a espécie (fazer mais da sua própria espécie), é um instinto natural. Todas as espécies bem-sucedidas fazem isso”. Notamos esse padrão nos europeus, russos, chineses e árabes. Porque é que os africanos não fazem isso e estão sempre empenhados em proteger os outros e não o seu semelhante? Medo.

Na sequência deste meu questionamento, faz-me lembrar o Kim Jong Un, o líder supremo norte coreano, que alegadamente também se questionou publicamente “Pergunto-me como é que os brancos conseguiram convencer os africanos de que a poligamia é um pecado, mas a homossexualidade é um direito humano. Os africanos deveriam aprender a praticar a sua religião. Até ao dia em que os africanos começarem a praticar a sua própria cultura, nunca desenvolverão”. Apesar de ser atribuída ao Kim, e circular largamente nas redes sociais, a imprensa ocidental desmente. Mas o mais importante não é o facto de ser o Kim o autor, mas sim, esta citação corresponder a verdade africana, e evidencia o nível de alienação mental que a África se encontra, especialmente os líderes. Até quando vamos reagir e sair desta prisão de mentiras?

A alienação mental e espiritual está por detrás deste comportamento africano. Muitos líderes sabem e tem consciência deste mal, mas não sabem como trazer isso à consciência colectiva do seu povo. O maior medo dos líderes africanos está nas consequências políticas de uma acção de conscientização das massas, vinda das próprias massas com a sua mentalidade alienada, e do ocidente com medo de perderem o domínio e controlo sobre o nosso povo.

Precisamos de líderes que o activo político não é a sua maior aspiração, mas sim a autodeterminação do seu povo e da sua terra.  

Um factor importante a ter em conta é o apego às narrativas. Muita gente entre nós, embora não seja exclusivo da comunidade negra, empenha-se em estudar e dominar as narrativas, sem se preocupar em verificar a verdade, e constroem toda a sua estrutura de conhecimento por cima desta narrativa, assumindo a mesma como um facto. As pessoas não querem se sentir excluídas, daí preferirem a narrativa comum, que a verdade dos factos.

Ainda estamos em tempo de resolver a crise em Moçambique, mas todos precisamos encarar a verdade sem medo, principalmente os intelectuais, os empresários e os camaradas, para chamar a Frelimo à razão, para se posicionar para viabilizar um governo de inclusão, onde necessariamente os agentes do STAE, CNE e CC devem ser responsabilizados pela crise, as famílias que perderam familiares nas manifestações devem ser indemnizadas, e os empresários devem ser alavancados a nível fiscal e a nível financeiro, colocando um travão nas instituições fiscais e financeiras. Definitivamente não estamos em tempos normais…

Quem está com problemas é a Frelimo, pelo que a iniciativa deve partir dela e da sua liderança.

O seu comentário e contribuição serão bem-vindos. Obrigado pelo seu suporte ao movimento SER ESPIRITUAL  https://web.facebook.com/serespiritual.mz/

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