- Além da destruição: O preço psicológico das manifestações
- Especialistas alertam para o risco de aumento de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático
- São transtornos psicológicos muitas vezes associados ao suicídio
As manifestações, que decorreram em todo país devido à contestação dos resultados das eleições que colocaram como vencedores o partido Frelimo e o seu candidato presidencial Daniel chapo, mergulharam o país em uma crise política, social e económica com impactos profundos na vida de muitos moçambicanos e que deixou rastros de destruição por todo o lado. O país parou, muitos morreram, propriedades públicas e privadas foram reduzidas a pó, levando uns à falência e milhares ao desemprego, mergulhados no mais profundo desespero. Nesta reportagem, o Evidências traz à tona os desafios emocionais daqueles que do dia para a noite perderam tudo. Especialistas alertam que é preciso parar de negligenciar a saúde mental e buscar ajuda profissional
Luisa Muhambe
De acordo com dados preliminares da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), mais de 12 mil moçambicanos ficaram desempregados devido ao encerramento de empresas e indústrias que foram saqueadas e vandalizadas durante as manifestações pós-eleitorais no país.
A CTA estima que aproximadamente 500 empresas foram vandalizadas, especialmente na província de Maputo, onde se concentra grande parte do sector industrial do país. Destas, parte significativa nunca mais voltará a funcionar devido ao grau de saque e destruição não só de infra-estruturas, como também do seu parque de máquinas.
Associação dos Produtores e Importadores de Bebidas Alcoólicas (APIBA) relatou que cerca de 50 estabelecimentos foram vandalizados, resultando em aproximadamente 1.200 trabalhadores desempregados.
Para além de unidades industriais, houve vandalização de um número colossal de centros comerciais, incluindo algumas das maiores cadeias do país, o que obrigou os seus proprietários a encerrarem definitivamente, como aconteceu com o Shoprite da Macia, província de Gaza.
Em todas estas unidades produtivas e comerciais, para além de desgraçar os seus proprietários, deixaram milhares de pessoas sem o emprego que coloca pão na mesa das suas famílias.
Se tivermos em conta as estatísticas do sector privado, que apontam para pelo menos 12 mil pessoas lançadas ao desemprego, poderão estar afectadas cerca de 84 mil pessoas, se assumirmos que são os provedores das suas respectivas famílias e tendo em conta que, segundo o censo de 2017, a média de cada agregado familiar é de sete membros.
O desespero de quem perdeu o seu sustento e desenvolveu transtorno mental
Victor Mondlane, de 24 anos de idade, residente do bairro de Albazine, perdeu o emprego devido às manifestações. Antes trabalhava como barman em um dos inúmeros hotéis da cidade de Maputo e para além de sustentar a família, o que ganhava o permitia estudar em uma universidade privada, onde cursa Relações Internacionais.
Devido às manifestações, a instância hoteleira se viu obrigada a fazer uma redução de funcionários e para o azar de Victor; ele fazia parte dos que foram mandados directamente ao desemprego.
Consternado e emocionalmente abalado com a situação, vê-se num beco sem saída, pois daqui a pouco as aulas retomam e é necessário fazer os pagamentos da matrícula e das mensalidades para que possa continuar com os seus estudos e manter vivo o seu sonho de um dia ser um destacado diplomata.
O excesso de preocupação o fez desenvolver ansiedade, um transtorno psicológico cada vez comum, que pode levar à depressão e a outros estágios que periguem a vida do paciente e seus próximos.
“Tive que parar de trabalhar por causa das manifestações. Com aquela confusão toda decidiram fazer um corte no pessoal e infelizmente eu e alguns colegas perdemos o nosso emprego. Tem sido muito difícil para mim. Desenvolvi ansiedade, não sei como vou pagar a minha faculdade, me sinto frustrado e muito desanimado. Me desespera a possibilidade de ter que parar de ir à escola. Me sinto muito perdido, tenho me isolado em casa, a preocupação não me permite relaxar”, desabafa Victor, visivelmente abalado.
Amélia Alfredo, de 28 anos, é outra que perdeu o seu sustento devido às manifestações. Mãe de dois filhos, ela trabalhava em um supermercado que em Dezembro foi saqueado por populares. Com o estabelecimento destruído, Amelia e os seus colegas viram a fonte do sustento de seus lares lhes ser arrancada e agora, desempregada, vive momentos difíceis, sem saber por onde começar, emocionalmente fragilizada, se encontra totalmente desesperada em busca de soluções, o temor de não conseguir prover para si e seus filhos lhe tem tirado o sono.
“A população vandalizou a loja onde eu trabalhava em Xiquelene. Levaram tudo o que tinha lá e agora estamos aqui sem trabalho. As contas estão apertadas e daqui a pouco não terei o que dar aos meus filhos. Todos queremos um país melhor, mas não vamos conseguir às custas do suor e lágrimas de outros irmãos. Estou a procurar trabalho, mas até agora nada”, lamenta.
Visivelmente transtornada, Amélia fala de um quadro que se assemelha ao estágio inicial de depressão, uma condição psicológica muito grave que pode levar ao desenvolvimento de comportamentos como o desejo de tirar a própria vida.
“Há dias em que só choro, me sinto deprimida, só quero que as coisas melhorem. Não consegui nem pagar a matrícula dos meus filhos”, desabafa Amelia, com uma lágrima no canto do olho.
Quem perdeu tudo ou o emprego pode desenvolver depressão, ansiedade e estresse pós-traumático
Especialistas em saúde mental alertam que pessoas que perderam os seus empregos e empreendimentos devido a situações de crise, como as manifestações que decorreram em todo o país, podem enfrentar uma série de impactos psicológicos profundos, como ansiedade devido à incerteza financeira, depressão pela sensação de fracasso e perda de identidade profissional, estresse crónico diante das pressões diárias, baixa auto-estima e, em casos extremos, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Além disso, alertam especialistas, muitas pessoas enfrentam isolamento social, agravado pela vergonha e culpa, o que poderá tornar as suas vidas mais débeis.
A psicóloga clínica Georgina Mabuia, ressalta, por isso, a importância de não negligenciar a saúde mental, sobretudo em momentos críticos.
“Os transtornos psicológicos que surgem diante de eventos negativos geralmente seguem padrões semelhantes, como ansiedade, insónia e depressão. Por isso, é essencial oferecer apoio moral, tranquilizar a pessoa e incentivá-la a manter uma visão positiva. Sempre que possível, deve-se oferecer apoio financeiro, além de buscar ajuda de um profissional da área, que está capacitado para intervir de maneira adequada”, explica Mabuia.
Essas histórias evidenciam os transtornos emocionais causados por esta crise, que virou ao avesso a vida de muitos moçambicanos que agora se corroem pela incerteza de dias melhores, em um contexto em que a tensão político-social parece longe de se dissipar.
Moçambique já vinha com uma alta taxa de suicídios
O potencial aumento de transtornos psicológicos como depressão, ansiedade e transtorno pós-traumático, acontece num contexto em que o suicídio consta do rol dos graves problemas de saúde pública, sobretudo entre os jovens e adultos em Moçambique. Aliás, já há casos relatados de adolescentes e até crianças que tiraram a própria vida. Nos últimos anos, tende a crescer o fenómeno nas principais cidades do país o que, de certa forma, preocupa sobremaneira as autoridades sanitárias.
Numa reportagem publicada pelo Evidências na sua edição 137, sobreviventes deste mal que apoquenta a sociedade, referiram que optaram pelo caminho de tirar a sua própria pelo facto de terem sido engolidos pela depressão e não conseguiam ver nenhuma luz no fundo do túnel.
Um estudo divulgado pelos Institutos Nacionais de Saúde e Estatística (INS e INE), em Maio do corrente ano, aponta que os acidentes de viação são a maior causa de morte violenta, visto que são responsáveis por 26 por cento deste tipo de óbito. Em segundo lugar, nesta categoria estão os suicídios que, segundo o mesmo relatório, contribuem com 11% para o número global de óbitos em Moçambique.
O INS e INE não adiantaram números, mas as estatísticas de 2021 indicam que mais de quatro mil pessoas tentaram suicidar-se num único ano civil, contra cerca de três mil, em 2020, sendo que Manica e Cidade de Maputo lideram em número de casos.
Este ano, embora ainda não hajam estatísticas conclusivas, o fenômeno atingiu contornos jamais vistos no país, tendo sido relatados inúmeros casos de todas faixas etárias, contudo com maior prevalência nos jovens, sobretudo do sexo masculino.
Alguns sobreviventes do fenómeno, ouvidos pelo Evidências, entendem que os sinais do suicídio tendem a ser ignorados pela sociedade e passam despercebidos até pela família nuclear.

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