Os efeitos da crise pós-eleitoral continuam a ter eco nos discursos dos partidos políticos, ora como propaganda política, ora como argumento para perseguição política, ora como instrumento de uma luta suja para fins obscuros, políticos. O partido Podemos tentou usar os contornos da violência originada pela crise pós-eleitoral, para corrigir a sua lista de deputados, assumindo desta forma que tinha nele pessoas com qualidades não aceitáveis para serem representantes do povo. E para fugir das suas escolhas, recorreu ao argumento de que estes deputados não estavam localizáveis por causa das manifestações, recorrendo até a possibilidade de não estarem vivos. Este é o exemplo de recorrer ao caos para fins obscuros. Uma evidência de que não há ali inocentes é que até os estreantes mostram dificuldades.
Mas o Podemos não está só. Temos acompanhado agora o discurso de intimidação, que propaga e replica a afirmação de que os responsáveis das manifestações são conhecidos, abrindo espaço para um clima de insegurança, acompanhado de uso da força contra os supostos cabecilhas ao mesmo tempo que o mesmo Executivo aposta no diálogo para a resolução de crise social. Entendemos que independentemente de se conhecer ou não as pessoas por detrás de manifestações violentas, este é um assunto da Justiça e não devia ocupar a agenda do Executivo, sob o risco de se suspeitar que esteja em acto a promiscuidade dos dois órgãos, ou seja, o judiciário e o político. Em momento de reconciliação e de elevação da nossa moçambicanidade, após violência, discursos de ameaçam colocam em causa iniciativas nobres como acordos para um diálogo inclusivo.
Os governantes não estão só. A nível social, é palpável a ideia de que a crise pós-eleitoral deixou rastros de anarquia no comportamento das massas. As autoridades configuram como figurantes, sem aceitação das massas, as regras de condução são rasgadas, toda a convivência pacífica é confundida com a cumplicidade a certos partidos políticos. É um erro. O facto, é que todos mudamos e devíamos mudar. O caos social foi efeito de resistência à mudança, uma mudança para o melhor e esse rastro é continuação de sintoma de necessidade de ver hasteada a bandeira de que os gritos foram ouvidos e todas as acções que concorrem para resolução não são políticas. Mas como sempre, os nossos exageros estão nos excessos, deixamos que essa busca excedesse e hoje estivesse muito além dos direitos daqueles que partilham espaços públicos connosco, os direitos de uma sociedade ordeira, onde ninguém está acima de outro. Esse respeito começa no respeito aos órgãos do Estado: não pode ser banalizada a polícia e nem a justiça.
É uma ilustração de como estamos cometendo erros em cadeias a todos os níveis. Afinal, é em nome da pátria que devemos curar as feridas e remendar as causas da recente violência, que evoluiu de uma manifestação com propósito nobre para algo descontrolado. Atacando as tais causas e corrigir os efeitos negativos com certa pontualidade e sem violência seja ele verbal ou física, na vã tentativa de mostrar quem tem poder, pode nos levar para o risco de voltarmos a um braço-de-ferro.
Cabe ao poder político abandonar o discurso de ameaça, deixar isso com a PRM, seu comandante-geral ou a justiça e abandonar a incoerência de tentar harmonizar medidas tendentes a diálogo para a pacificação com discurso de ameaça.
Estamos em marcha de unidade, um apelo à unificação, à reafirmação e partilha dos valores da nossa moçambicanidade. Devíamos ter algo a ceder em nome de um bem maior. Em nome da pátria. Depois de abandonar o discurso de ameaça, vamos evoluir para outras temáticas tendentes a resolver assuntos de base, como a exclusão e desigualdade. Abandonar a ideia de que a classe a que pertencemos está acima do nosso valor pessoal, está acima do mérito. Quando assim acontecer, não será milagre ver um membro da oposição ou da sociedade civil ocupar uma pasta relevante no Governo. A inclusão social não será um programa, mas uma tradição de bem governar. A promoção das liberdades e os incentivos económicos não serão mais campanhas. E a (re)construção das infraestruturas não será um favor; muito menos a inclusão social, assistência médica e apetrechamento dos hospitais; elas não serão mais bandeiras de compra de solidariedade para encaixar mais uns donativos, mas, sim, passos de reconhecimentos da dignidade humana.

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