Ameaças vindas tanto de forças políticas, quanto de interesses económicos, têm estado a condicionar o exercício do jornalismo em Moçambique, gerando medo que se transforma em auto-censura. Este quadro assombroso gera uma sensação generalizada de insegurança entre os jornalistas, especialmente os de investigação, tal como conclui o Estudo de Avaliação da Mídia em Moçambique, apresentado semana finda por Armando Nhantumbo, em co-autoria com os académicos Luca Bussotti e Laura Inhauleque.
Luisa Muhambe
A pesquisa, apresentada semana finda, durante uma mesa redonda sobre “Desafios dos Medias em tempos de crise”, examinou seis áreas principais: segurança dos jornalistas, resiliência dos meios de comunicação, jornalismo investigativo, sustentabilidade financeira, transição digital e participação das mulheres no sector.
“Há uma sensação generalizada de insegurança, sobretudo entre jornalistas de investigação. As ameaças vêm tanto do poder político quanto do económico. Em muitos casos, a insegurança é usada como desculpa para impedir o trabalho da imprensa”, alertou Nhantumbo.
A situação em Cabo Delgado foi apontada como particularmente crítica. Segundo o investigador, que semana finda lançou uma obra sobre o assunto, a auto-censura tornou-se um mecanismo de sobrevivência entre os profissionais da região.
“Há zonas onde os jornalistas são impedidos de entrar sob o argumento de segurança, mas que na verdade escondem um uso político dessas restrições. As fontes também têm medo de falar, o que dificulta profundamente o trabalho jornalístico”, sustenta.
Além disso, a falta de protecção institucional empurra jornalistas para o isolamento. Poucos órgãos de comunicação oferecem suporte jurídico ou psicológico e a maioria dos profissionais actua sem seguro, equipamentos de protecção ou preparação específica para coberturas de risco.
O estudo também evidenciou barreiras enfrentadas por mulheres jornalistas, especialmente na investigação, e defendeu políticas inclusivas e programas de capacitação contínua.
“É preciso haver políticas de inclusão e formação contínua para garantir que as mulheres tenham não só acesso ao sector, mas também protagonismo nas pautas mais sensíveis”, explicou Nhantumbo.
Para além do estudo, o evento foi marcado por uma grande reflexão em torno do jornalismo moçambicano. Rogério Sitoe, presidente do Conselho Superior da Comunicação Social (CSCS), criticou o que chamou de “militância disfarçada” dentro das redacções.
“Muitos profissionais abandonaram a imparcialidade. Escolheram trincheiras políticas e editoriais. E, ao fazer isso, tornaram-se alvos”, afirmou Sitoe, defendendo que a ética jornalística precisa de ser reforçada com formação e mecanismos de auto-regulação.
Para ele, a ausência de preparação específica para cobrir contextos eleitorais e de crise contribuiu para colocar os jornalistas em risco.
“Estávamos no meio de manifestações, entre polícia e manifestantes, sem coletes adequados, sem plano de protecção. Isso é despreparo institucional e individual”, destacou.
ONU solicitou esclarecimentos sobre jornalistas desaparecidos
Nora Sarrat Capdevila, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), recordou que Moçambique, como signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tem a obrigação de garantir a liberdade de expressão e o direito à informação, incluindo o exercício livre e seguro do jornalismo.
Durante a sua intervenção, Capdevila citou com preocupação os abusos registados no momento pós-eleições: Desaparecimento forçado do jornalista Arlindo Chissale, em Cabo Delgado, desde Janeiro de 2025; agressões físicas a jornalistas durante manifestações; detenções ilegais e maus-tratos; destruição de equipamentos e bloqueio ao acesso à informação; censura digital, com interrupções deliberadas de internet e impunidade na investigação dos casos.
“O governo de Moçambique precisa de dar respostas. Não é apenas uma questão de justiça, é uma obrigação legal e moral. Chissale desapareceu no exercício do seu trabalho e isso constitui uma grave violação dos direitos humanos”, afirmou
Segundo a ACNUDH, duas comunicações formais foram enviadas ao governo moçambicano solicitando esclarecimentos e providências.
Elizabete Mchola, em representação do GABINFO, ressaltou que o Estado moçambicano valoriza e protege a liberdade de imprensa, mas espera da classe jornalística um compromisso contínuo com a verdade, a ética e a promoção da paz social. Reconheceu, ainda, os desafios enfrentados nas eleições de 2024, especialmente no que se refere à segurança dos jornalistas, a proliferação de desinformação e ao discurso de ódio.
“A responsabilidade demonstrada por muitos jornalistas durante o período pós-eleitoral, mesmo diante de manifestações violentas, foi crucial para combater conteúdos tendenciosos e promover o diálogo nacional”, concluiu Mchola.
O seminário terminou com um apelo conjunto de jornalistas, representantes da ONU e entidades moçambicanas para a criação de mecanismos formais de protecção à imprensa. A proposta inclui formação contínua, equipamentos de segurança, canais de denúncia, apoio jurídico e políticas de sustentabilidade económica dos meios de comunicação, que, segundo o estudo, enfrentam sérias dificuldades para manter operações regulares.

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