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Numa atitude que está a ser interpretada como uma clara violação da Lei e da soberania dos tribunais, bem como tratamento privilegiado aos ditos grandes clientes, alguns dos principais bancos do País, com destaque para o Banco Comercial de Investimentos (BCI) e Standard Bank, acabam de ser denunciados ao Banco de Moçambique por estarem manobras para não cumprirem uma ordem de penhora de saldos bancários e posterior execução de cerca de um bilião e trezentos milhões de meticais das contas da gigante Total Energies para o pagamento de uma dívida à empresa moçambicana Passion For Brands, Limitada, resultante de incumprimento reiterado de obrigações de pagamento por bens fornecidos a luz de um acordo entre as partes. Trata-se de um expediente com requintes de um grande calote, com suspeita de algum dedo político, pressão sobre o judiciário e medo dos bancos de “tocar” interesses daquela grande multinacional.
Em duas secções distintas de Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a TotalEnergies foi condenada a pagar uma dívida e decorrentes juros de mora à empresa Passion For Brands contratada para fornecer vários tipos de material de merchandising do projecto Tunawesa na província de Cabo Delgado, incluindo equipamento para um projecto de basquetebol denominado New Vision para a mesma região e branding do lançamento de uma campanha “Green” no Hotel Polana.
Evidências teve acesso a algumas facturas referentes a vários fornecimentos de bens essencialmente ligados à imagem corporativa da TotalEnergies, muitos deles entregues directamente no seu canteiro de obras em Palma, um local de conflito, cujo frete demanda um redobrado esforço logístico devido a situação de insegurança associada ao terrorismo que lavra na região desde Outubro de 2017.
Os bens eram fornecidos mediante requisição expressa da TotalEnergies sob acordo de pagamento posterior, o que resultou no acúmulo de uma dívida de mais de 800 milhões de meticais, que viria a atingir a fasquia de mais de um bilião de meticais devido ao incumprimento por parte do devedor.
Tudo começa quando a Passion For Brands é contratada pela TotalEnergies EP, Moçambique Área I,Lda, para fornecer bens no seu canteiro de obras em Palma, Cabo Delgado. Tal como solicitado, os bens foram fornecimento no local indicado, mas a Total Energies nunca se dignou a efectuar o pagamento, facto que levou a Passion For Brands demanda-la judicialmente através de uma providência cautelar que correu seus termos na 2ª Secção Comercial do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, sob n. ° 75/20-W, em 2023, e foi decidida a favor da autora.
Na altura, porém, houve uma discordância em relação a apuração do valor dívida, por isso as partes concordaram em contratar uma auditoria externa para a determinação do valor real em dívida, o que viria a acontecer, tendo ficado ao cargo da Delloite, contudo a TotalEnergies nunca aceitou partilhar o documento nem com a Passion For Brands, nem com o tribunal.
Antes pelo contrário, decidiu ignorar aquela auditoria e pagar arbitrariamente uma quantia de 181.000.000,00MT (cento e oitenta e um milhões de meticais), valor com o qual a Passion For Brands nunca concordou por estar muito abaixo do custo real dos bens fornecidos.
Apesar de reiterada insistência da Passion For Brands para que lhe fosse apresentado o relatório de auditoria, a TotalEnergies decidiu trancar o documento a sete chaves, o que mostra uma certa intenção desta de ocultar o real valor apurado e manter um pagamento lesivo ao fornecedor de bens que se queixa de prejuízos avultados, acumulados em mora e pagamentos atrasados com seus próprios fornecedores.
Inconformada, a Passion For Brands solicitou uma outra auditoria externa, que com base nos mapas de notas de entrega rubricadas pelos funcionários da TotalEnergies, concluiu que até 21 de Outubro de 2023 haviam sido facturados bens no valor de 841.179.971, 16MT (oitocentos e quarenta e um milhões, cento e setenta e nove mil, novecentos e setenta e um meticais e dezasseis centavos).
Tendo sido pagos somente 181.132.697,80MT a dívida apurada era de 643.098.817.02MT (seiscentos e quarenta e três milhões, noventa e oito mil, oitocentos e dezassete meticais e dois centavos), com IVA incluído.
Dada a demora no pagamento da dívida e todo expediente dilatório que levou com que fosse necessário recorrer ao tribunal, a Passion For Brands acumulou prejuízos enormes devido ao incumprimento da TotalEnergies, estando a enfrentar dificuldades para lidar com os seus credores, como é o caso de uma divida que tem com a MBZ-Mozambique Buisiness Zone, numa quantia de 430.000.000MT (quatrocentos e trinta milhões de meticais), resultante do fornecimento de bens objectos deste contrato.
Por essa razãoo, a Passions For Brands voltou ao tribunal em 2024, desta vez à 13ª secção Comercial do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo para exigir que a TotalEnergies fosse condenada ao pagamento da quantia remanescente em divida no total de 643.098.817.02MT e os respectivos juros vencidos, incluindo juros de mora no valor de 22.970,762,15MT (vinte e dois milhões, novecentos e setenta mil, setecentos e sessenta e dois meticais e quinze centavos), que incidem sobre a quantia já paga.
Em sua defesa em sede de tribunal, a TotalEnergies alegou que cumprira com todas obrigações para com a autora e que o crédito que foi integralmente pago. Apesar de constar dos autos da providência cautelar a TotalEnergies negou ter solicitado qualquer auditoria para apurar o valor real da dívida.
E porque resultou provado através de autos de processos judiciais anteriores, contactos com a auditora que, inclusive, alegou confidencialidade por via do acordo com a Total Energies, para além de outra documentação, a Juíza Maria da Luz condenou a TotalEnergies ao pagamento
à Passion For Brands da quantia de 643.098.817,02 referente ao valor actual da dívida, e os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa comercial, a serem calculados na execução da sentença.
Igualmente, a TotalEnergies ficava obrigada a pagar cerca de 22 milhões de juros de mora correspondente a quantia já paga, incluindo os encargos de juros de mora que a Passion For Brands incorre resultantes da dívida com MBZ – Mozambique Buisiness Zone, numa quantia de 239.983.333,3MT, por ter se provado o nexo de casualidade.
Bancos protegem caloteiro através de manobras para não cumprir ordens de execução
Com vista a execução da acção para o pagamento daquela quantia certa, aquela secção comercial do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, em ofício datado de 05 de Maio interpelou ao Banco Comercial de Investimento (BCI) para informar se existem abertas contas em nome da TotalEnergies e em caso afirmativo penhorar os saldos existentes até ao montante de 1.300.000.000,00 Mt (um bilião e trezentos milhões de meticais) suficiente para o pagamento da dívida e custas prováveis.
Para o efeito, o tribunal ordenou que o valor fosse transferido para a conta do tribunal com uma nota de crédito a fim de ser junta aos autos. O BCI ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas em Abril de 2024 tinha alegado alguma limitação pelo facto de ter obtido indicação de que o StandardBank havia, afinal, prestado uma garantia bancária a favor da TotalEnergies que assegurava o pagamento integral da dívida.
Sucede, porém, que apesar de existir esta garantia bancária, o Standard Bank tem estado a recorrer a um expediente dilatório para se furtar de executar a ordem do tribunal alegadamente porque expirou, o que não procede, pois, a mesma cessou termos depois da sentença do tribunal.
Neste momento, o Standard Bank tem sob sua mesa uma nova interpelação da Passion For Brands alertando sobre o risco de o banco ser demandado judicialmente se prevalecerem sinais de manobras tendentes a obstruir a efectivação da penhora dos saldos bancários determinados judicialmente.
Banco de Moçambique chamado a intervir para salvar bom nome do sistema
Por desconfiar que os bancos comerciais estejam num expediente dilatório para não executarem a TotalEnergies pela sua qualidade enquanto “grande cliente”, a Passion For Brands acaba de interpelar, segundo o Evidências apurou, ao regulador, neste caso o Banco de Moçambique, para que intervenha.
Segundo a Passion For Brands inúmeras são as denúncias de práticas ilegais por parte de Bancos Comerciais a operar em Moçambique, os quais têm sistematicamente inviabilizado o cumprimento de ordens de penhora emitidas no âmbito de processos executivos, mediante negociações com os seus clientes que visam a prática de manobras dilatórias, o que configura obstrução à justiça e violação de decisões judiciais transitadas em julgado.
No caso em concreto, a Passions For Brands pede uma verificação minuciosa da actuação e responsabilizaçãdo do Standard Bank e BCI por estarem a fazer manobras para atrasar o cumprimento de ordens do tribunal, apesar de terem sido formalmente notificadas para o cumprimento de penhora.
No seu ofício, lembra que este não é um caso isolado, pois já anteriormente foi ordenada e ignorada a penhora de saldos bancários pertencentes à Total Energies, SA, em virtude do incumprimento reiterado de obrigações de pagamento assumidas.

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