Recuperação do acesso à mina de grafite em Balama foi “abençoada” pelos disparos da UIR

DESTAQUE ECONOMIA
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  • Comunidades foram surpreendidas com um forte contigente policial armado até aos dentes
  • Líderes das manifestações estão sob custódia policial
  • Comunidades preferem morrer a ceder as terras por indemnizações injustas

Desde a segunda metade do ano passado, os nativos de Balama bloquearam o acesso à mina de grafite operada pela TWIGG, subsidiária da Syrah Resources, no distrito de Balama, em Cabo Delgado, em reivindicação de melhores condições de trabalho e, sobretudo, indemnizações justas pela perda de seus activos durante o processo de reassentamento considerado lesivo. Durante meses, a mineradora australiana tentou, sem sucesso, negociar a retoma de operações com as comunidades e o Governo, este último acusado de ter desviado o dinheiro que era destinado às comunidades. Depois de meses de paralisação, somente na semana finda recuperou o acesso à mina graças à intervenção da Polícia da República de Moçambique (PRM), a qual conseguiu retirar os últimos manifestantes. Os nativos contam um verdadeiro filme de terror que viveram durante a operação da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) que culminou com a recuperação do acesso à mina onde se extrai o minério indispensável no fabrico de carros eléctricos. Para além de gás lacrimogéneo, a UIR terá usado balas reais contra os manifestantes, antes de queimar o seu acampamento e efectuar detenções arbitrárias dos elementos tidos como líderes do grupo reivindicativo, o que obrigou muitos nativos, incluindo o régulo, a fugirem da brutalidade da polícia para parte incerta.

Duarte Sitoe

Os protestos contra a TWIGG Exploration and Mining Limitada  iniciaram antes das manifestações pós-eleitorais, mas aquela mineradora apoiou-se na onda de manifestações convocadas pelo ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane para invocar força maior.

“Com as condições a continuarem a deteriorar-se em Moçambique e novas acções de protesto da oposição ao Governo anunciadas recentemente, a Syrah não conseguiu realizar uma campanha de produção em Balama no trimestre de Dezembro de 2024, necessária para reabastecer o inventário de produtos acabados e para as vendas aos clientes. Consequentemente, o caso de força maior é declarado nos termos do acordo de mineração”, justificou a mineradora, acrescentando que os protestos dos nativos condicionaram as suas actividades naquele ponto da Província de Cabo Delgado.

Após meses de paralisação e incerteza que levou muitos trabalhadores moçambicanos e australianos praticamente ao desemprego, a mineradora australiana recuperou, na passada terça- feira, o acesso à mina após uma polémica intervenção da Polícia da República de Moçambique que conseguiu retirar os manifestantes que, a seu ver, são ilegais.

“Após um acordo formal firmado entre agricultores, autoridades do Governo de Moçambique e a empresa, a maioria dos manifestantes interrompeu os protestos em Balama em abril de 2025. Um pequeno grupo de pessoas continuou a bloquear o acesso ao local sem motivo legítimo, nem reclamação contra a Syrah”, lê-se no comunicado.

A mineradora australiana avançou ainda que está a mobilizar equipas de apoio para o local da operação, para actividades de inspecção e manutenção, prometendo para breve uma actualização sobre o reinício das operações em Balama e os embarques de produto, após praticamente três trimestres sem actividade de exportação de grafite.

“Vivemos um filme de terror”

O que a Twigg não diz é que a recuperação do acesso à mina de Balama, anunciada com pompa e circunstância, deixou feridas difíceis de sarar para as comunidades de Mualia que, para reivindicar indemnizações justas e, sobretudo, melhores condições salariais, decidiram encerrar a entrada do maior depósito de grafite do mundo.

Segundo relatos dos nativos, os agentes da UIR vieram de três autocarros, dois camiões e várias viaturas blindadas e iniciaram com disparos indiscriminados. Uma fonte daquela comunidade desconfia que a operação não tinha só o objectivo de retirar os nativos, mas matá-los.

“Vivemos um filme de terror. Não acreditava que estaria em vida hoje a contar essa história depois daquilo que presenciei. A UIR não estava para conversas, chegou sem aviso e começou a disparar gás lacrimogéneo e balas reais no acampamento. As pessoas começaram a fugir por temer pela vida. Tentámos resistir, mas a nossa missão era impossível diante do arsenal bélico que eles traziam. Homens, mulheres, velhos e crianças tiveram que fugir”, contou a fonte, para depois referir que os agentes da lei e ordem queimaram todas as cabanas que estavam no acampamento.

“Quando perceberam que ninguém mais estava no acampamento queimaram as casas e tudo que estava dentro. Assim, perdemos tudo. As terras são nossas e querem nos expulsar para ganhar muito dinheiro. Não sabemos explorar grafite, o que exigimos são indemnizações justas”, sublinhou.

Para além de destruir os acampamentos, a mais temida unidade da Polícia da República de Moçambique veio com a missão de neutralizar e deter os cabecilhas da rebelião que culminou com o encerramento da mina de Grafite de Balama.

Supostos cabecilhas das manifestações sob custódia policial

Um nativo que preferiu se identificar pelo nome de Momed revelou que mais de 10 pessoas foram detidas pela Unidade de Intervenção e outros, incluindo o régulo da comunidade de Mualia, estão em parte incerta desde o dia da rusga policial.

“Depois de queimar as casas, detiveram aqueles que não fugiram. Perguntaram quem era o Tobias porque este é quem movimentava o expediente no Tribunal e era tido como o promotor dos protestos. No acampamento levaram mais de 10 pessoas e o Tobias foi detido no seu local de trabalho. O líder não estava entre os detidos, mas ele está desaparecido e incomunicável. A família dele e a comunidade estão desesperados. Foram presos, mas nao sabemos qual crime eles cometeram”, referiu.

Os manifestantes, ora detidos, foram logo transferidos para a penitenciária de Mueda em virtude de a de Balama não ter espaço para albergar muitas pessoas. Os nativos não têm dúvidas de que foi o Governo Distrital que ordenou a transferência dos indivíduos detidos por serem os supostos promotores dos protestos que culminaram com o encerramento daquela que é considerada a maior mina de grafite do mundo.

“Depois de presos, eles só ficaram um dia na penitenciária de Balama, visto que no dia seguinte foram logo transferidos para Mueda. O Governo Distrital sabe que eles não cometeram nenhum crime, por isso ordenou a sua transferência para Mueda porque sabia que tarde ou cedo iria exigir a sua libertação. As terras são nossas, não sabemos se isso nos torna criminosos. É triste o que está a acontecer, o Governo está a trocar o seu povo pelo dinheiro”.

Comunidades prometem lutar até às últimas consequências

De acordo com a Lei de minas (Lei nº 20/2014 de 18 Agosto), o Estado tem primazia sobre os direitos preexistentes, e estes ficam extintos mediante o pagamento de justa indemnização. No caso de comunidades em que as áreas estejam ocupadas, deve ser feita a justa indemnização mediante um memorando entre o Governo, a empresa e as comunidades.

O grosso dos integrantes da comunidade de Mualia, arredores do distrito de Balama, não tem domínio da legislação, mas por entenderem que as compensações não foram justas, mais de 800 famílias de Mualia decidiram reocupar as suas terras. Contudo, não resistiram ao poderio bélico da UIR e acabaram abandonado as mesmas.

No entanto, apesar do último episódio, afirmam que estão disponíveis para lutar pelas suas terras até às últimas consequências, ou seja, cedê-las quando as propostas de indemnização forem justas.

“Nas primeiras negociações com as comunidades, eles trouxeram uma proposta de 60 mil meticais  por cada hectare, mas em 2020 prometiam pagar 150 mil. Em 2021, subiram para 240 mil. Percebemos que estávamos a ser enganados e, por isso, recuperamos as nossas terras para a prática da agricultura. A nossa terra vale fortunas e, por isso, queremos uma indemnização a rondar um milhão de meticais. Sabemos que a TWIGG pode pagar esses valores, mas o Governo acha que é muito dinheiro para os camponeses”, declarou.

Em Março do corrente, a TWIGG Exploration legitimou as reivindicações das comunidades no tocante às indemnizações, mas eximiu-se de comentar, ou seja, deixou o assunto nas mãos do Executivo distrital que preferiu se fechar em copas mesmo diante da solicitação de esclarecimento e fornecimento de dados em torno da exploração de grafite em Balama.

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