Tocha, eu invejo-te

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

Olá tocha, como estás? Como vai a tua viagem? Deves estar fatigado. Dá para imaginar. Percorrer o país de carro, não é fácil. Mas, que tal, está a correr bem, pois não? Tudo indica que sim. Ainda não ouvi nada de mal a teu respeito.

Por estas alturas levas contigo milhares de impressões digitais. De homens, mulheres e crianças. De pessoas com tradições ou culturas diferentes. De gente honesta que luta para ganhar a vida, mas também de criminosos camuflados, ladrões de voto e corruptos. De moçambicanos que curtem o espectáculo que tu significas.

Sou muito curioso. É de profissão. Responde-me uma coisa: Quantos quilómetros já percorreste? Por falar da viagem, sabias que há um debate muito forte acerca da tua, do Rovuma a Maputo? Pois é. Não posso dizer que é a maioria dos moçambicanos porque não fiz nenhuma pesquisa, mas posso assegurar-te que parte significativa deles acha que é dispendiosa e inoportuna, pois há urgência em atender outras questões no país.

Alguns dizem que em vez de gastar contigo, os 30 milhões que pagam pela tua passeata deviam ser aplicados na educação para tirar algumas crianças do chão ou debaixo das árvores. Concordas com eles? Sei que não. Outros entendem que o dinheiro devia ser aplicado no pagamento de horas extras aos professores ou na criação de algumas condições de trabalho nos hospitais e centros de saúde.

Aqui se levanta outro debate. O de prioridades para o país. O que é que é mais prioritário entre financiar a tua viagem e pagar salários atrasados de alguns agentes da polícia? Entre comprar uma casa para um  ministro no valor de 29 milhões de meticais e comprar comida para os doentes internados nos hospitais? O que é que é mais importante e urgente entre mandar construir canis no valor de 44 milhões de meticais e pagar parte da dívida que o Estado tem com fornecedores, em risco de fecharem as portas?

Tocha, estou a render contigo. Estás a ser tratada como se de uma rainha fosses. Essa segurança toda é de cinco estrelas. A escolta, então, sim, senhora. É de se te tirar o chapéu.

Precisavas, tanto assim, de te fazeres acompanhar de um carro blindado e desses militares todos, armados até aos dentes? Tirando Cabo Delgado, afinal o país não está em paz? Não achas que estás a exagerar? Tens medo dos venancistas? Quem sabe! Na verdade li, nas redes sociais, que alguns cidadãos não te querem ver, nem pintado de ouro, nas suas aldeias. Calma, não vai acontecer nada.

Sabes, não sou de invejar a ninguém, mas a ti invejo-te porque eu, como cidadão, não tenho a segurança que tu tens. O Estado não me trata como tu és tratado e acarinhado. Gostaria de ser como tu para gozar desses privilégios.

Não sou eu sozinho que tenho esse sentimento de inveja, existem outros moçambicanos também. A sociedade clama, todos os dias, pela segurança nos bairros, cidades, localidades, distritos e províncias.

Refiro-me às mamanas que são arrancadas cabelo, carteiras e violadas. Tudo porque o Estado não cumpre devidamente com o seu papel de garantir a protecção do cidadão. Falo de moçambicanos que são assaltados nas suas residências ou na via pública por meliantes e desprovidos dos seus bens à luz do dia ou, mesmo, assassinados por falta de segurança.

Cidadãos, de preferência, de origem asiática, que são sistematicamente raptados e as suas famílias obrigadas a pagarem avultadas somas de dinheiro em resgates por falta de segurança. A título de exemplo, esta semana os raptores assassinaram a tiro um empresário português, filho do dono da empresa Sotubos, e raptaram um outro de país asiáticos, donos de um estaleiro na Matola.

Todos esses têm inveja de ti, tocha. Podes ter a certeza disso. Ninguém está contra que tu e as pessoas que te acompanham tenham protecção. Que te seja proporcionada a segurança que quiserem. Que aloquem, na tua comitiva, militares e equipamento de guerra que julgarem necessário para a tua segurança desde que a manta se estenda ao cidadão, o patrão, que trabalha e paga o imposto.

Há dias, vimos um cão da polícia a ter um enterro com todas as honras policiais como se de um ser humano se tratasse. Com direito à continência de agentes da PRM, tiros cerimoniais para o ar, urna coberta da bandeira nacional e outros detalhes.

Um tratamento digno desse nome que os militares e agentes da UIR que morrem em combate em Cabo Delgado, na luta contra o terrorismo, não têm. Eles que são enterrados de qualquer maneira e sem o conforto da família. O cão a ser mais valorizado do que os militares ou polícias em guerra naquela província. São coisas de Moz.

Tocha, responde-me uma coisa: O que é que vai mudar, do ponto de vista de unidade nacional, com a tua passagem pelas aldeias, localidades, postos administrativos, distritos e províncias? Será que estaremos mais unidos do que antes?

Acho que tu vais passar, vais fazer espectáculos, mas nós continuaremos divididos na mesma. A situação é mais grave do que parece e és incompetente para resolver isso. Vais dizer-me que vales pelo simbolismo, não é? Sem comentários. Um abraço e até Maputo.

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