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- Escola falhou em proteger a menina do agressor e em proteger a sua identidade
A Escola Portuguesa de Maputo, uma instituição de ensino de referência, encontra-se no centro de um grave escândalo sexual que abala a sua credibilidade e levanta sérias preocupações sobre a segurança dos seus alunos, sobretudo raparigas, presas preferenciais de um professor de Educação Física de origem lusa e coordenador do 3º ciclo, acusado de abuso sexual. Uma das vítimas, segundo a mãe, é uma menina de 12 anos que hoje luta para se recuperar de um trauma psicológico que a agressão deixou. As alegações apontam para uma actuação conivente da escola e uma série de falhas na gestão do caso, expondo as vulnerabilidades do sistema de protecção a menores e a aparente ineficácia das respostas das autoridades competentes, tanto em Moçambique quanto em Portugal, num cenário que exige transparência e justiça.
Luísa Muhambe
Um dos incidentes, de entre tantos, conforme o relato detalhado da mãe da alegada vítima, ocorreu em 24 de Março, à tarde, num dia de aula para a filha, que frequenta o 7º ano. A menina encontrava-se na Escola Portuguesa de Maputo durante um período livre, entre 12h e 14h.
Após almoçar com uma amiga, a menina dirigiu-se à casa de banho da escola. A mãe descreve as casas de banho da escola como sendo um local restrito, diferente das casas de banho comuns, projectadas para acomodar apenas duas pessoas por cabine, com uma porta de vidro na entrada que permite verificar se estão ocupadas antes de entrar.
Enquanto estava na cabine da casa de banho, a menina ouviu alguém bater à porta. Inicialmente, presumiu que seria alguém da equipa de limpeza e, por isso, continuou a fazer as suas necessidades. No entanto, ao terminar e abrir a porta, deparou-se com o professor. Segundo o testemunho da filha à mãe, o professor entrou na cabine, empurrou-a para a parede, tapou-lhe a boca, abriu-lhe as calças e introduziu dois dedos.
“O professor Antero Ribeiro entrou, empurrou-me para a parede, tapou-me a boca, abriu as minhas calças e introduziu dois dedos (nos órgãos genitais)”, reproduz fielmente a mãe o relato tenebroso da sua filha.
Este acto durou aproximadamente dez minutos, um período que a mãe da vítima descreve como “uma eternidade para quem sofre”. Após o abuso, o professor foi-se embora “como se nada tivesse acontecido”.
As consequências psicológicas e a revelação dolorosa
Nos dias seguintes ao incidente, que coincidiram com o início das férias escolares, a menina apresentou uma notável e preocupante mudança de comportamento. A mãe notou que a filha estava “muito diferente”, manifestando agressividade, isolamento no quarto e recusa em brincar com os primos, um comportamento atípico para ela. Preocupados com a saúde emocional da filha, os pais decidiram confrontá-la.
A menina inicialmente negou que algo estivesse errado, mas a persistência dos pais levou-a a pedir para falar apenas com a mãe, indicando uma maior confiança em partilhar a sua angústia. Foi durante essa conversa íntima, que a menina finalmente revelou o abuso sofrido.
“Mãe, eu não aguento mais, estou com vergonha. Não quero que as pessoas saibam, não quero que façam um escândalo na escola. Por favor, não contem a ninguém”, afiançou a mãe as declarações de sua filha.
A reacção inicial da Escola e a intervenção das autoridades
Após a chocante revelação, o pai da vítima, que estava de viagem com a família, regressou imediatamente, e às sete e meia da manhã seguinte, eles já se encontravam na Escola Portuguesa, mesmo estando a escola de férias.
Foram recebidos pela sub-directora, a quem expuseram o caso, e esta chamou uma psicóloga para conversar com a menina, para que pudesse descrever o ocorrido e identificar o agressor. A escola solicitou que a família regressasse na quarta-feira da semana seguinte para que a menina pudesse formalmente identificar o professor envolvido.
Contudo, a mãe expressou profunda insatisfação com a forma como a escola estava a lidar com a situação, considerando que estava a levar o assunto de ânimo leve. Diante disso, os pais decidiram avançar com uma queixa formal. A queixa foi devidamente apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Escola Portuguesa foi notificada, o que inicialmente deu aos pais a sensação de que o processo estava a decorrer “tranquilamente”, mas depois estagnou.
Duas semanas depois, as aulas recomeçaram. A menina, no entanto, recusou-se a ir à escola, expressando medo de se cruzar com o professor agressor. Perante esta situação e dada a falta de uma resposta eficaz da escola, os pais apresentaram uma queixa à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGE) em Portugal, que tutela a Escola Portuguesa de Maputo. A queixa, enviada por e-mail no dia 21 de Abril, detalhava o desconforto da menina e o seu receio de se cruzar com o alegado agressor no ambiente escolar.
Escola Portuguesa falhou em proteger a menina do agressor e falhou em proteger sua identidade
No mesmo dia 21, a directora da escola contactou a família, assegurando que a menina poderia regressar às aulas em segurança, pois o professor estaria suspenso até à conclusão das investigações. Os pais agradeceram a prontidão, e na semana seguinte, inspectores de Portugal chegaram para conduzir as investigações.
Apesar das garantias de suspensão e confidencialidade por parte da escola e da DGE, a situação deteriorou-se drasticamente para a vítima e a sua família. Em 9 de Maio, a menina enviou uma mensagem angustiada ao pai, expressando o seu desespero dentro do ambiente escolar, pois a direcção da Escola Portuguesa falhou em protegê-la do agressor sexual e depois ao não proteger a sua identidade.
“Pai, eu não aguento mais neste lugar. Não sei como a história do professor Antero se espalhou por toda a escola. A escola toda, sabe? Toda a gente está a olhar para mim e alguns dizem que a culpa foi minha. A maioria dos rapazes está a vir ter comigo e a perguntar se gostei”, lê-se na mensagem a que o Jornal Evidências teve acesso.
A mensagem revelou o profundo sofrimento da menina, que estava a ser alvo de comentários e perguntas de rapazes sobre se tinha “gostado”, gerando a sensação de que a culpa era dela, apesar de ser a vítima.
A mãe da vítima questiona como a informação se tornou pública na escola, uma vez que, inicialmente, apenas ela, o marido, a psicóloga (que só viu a filha uma vez), a sub-directora e o professor (que soube pelas notificações da PGR) estavam a par do assunto.
O mais grave é que, apesar das ordens expressas de Portugal para que o referido professor não voltasse à escola, ele continuou a frequentar o recinto. A mãe relata que o professor, no papel de coordenador, abordou os alunos, dizendo que “há uma menina que encontrou a fumar e ela, para se vingar, inventou essa história”.
Ele tentou justificar a sua presença na casa de banho feminina com essa desculpa, o que a mãe da vítima categoricamente nega, descrevendo a filha como “educada, asseada, respeitosa, tímida” e afirmando que o professor nunca a encontrou a fumar. Esta narrativa difamatória espalhou-se pela escola e a menina foi submetida a um intenso bullying, o que agravou o seu trauma.
Família desconfia de conivência da escola, a qual chegou a tentar manipular vídeos
Diante da hostilidade do ambiente escolar e da ausência de um espaço seguro, a família foi forçada a tomar uma decisão drástica: retirar a menina da escola e enviá-la para Portugal para continuar os estudos. No entanto, mesmo em Portugal, surgiram novas mensagens difamatórias, alegando que “a menina desmentiu, os pais mentiram, a mãe mentiu, a miúda mentiu, até já fugiram para Portugal”.
Indignada com a flagrante quebra de sigilo e a vitimização contínua da filha, a mãe decidiu tornar pública a identidade do professor e a situação, buscando justiça e denunciando o que considera ser uma atitude conivente da instituição.
A família da vítima aponta para uma possível conivência da escola no caso, dada a sua inacção e a forma como as informações foram geridas. A mãe da vítima menciona que a direcção da escola apresentou vídeos das câmaras de segurança “editados” à PGR, o que a própria procuradora não aceitou, exigindo as imagens originais, levantando sérias questões sobre a transparência da investigação interna da escola e a sua vontade de colaborar plenamente com as autoridades.
“A procuradora não aceitou os vídeos editados. Disse que era preciso o vídeo original. Eu tive que ir ao Porto para ter acesso ao vídeo original, que tinha 24 horas, e lá estava o professor”, declarou a mãe.
No entanto, para o seu espanto, os inspectores de Portugal, após uma estadia de apenas cinco dias em Maputo, declararam falta de provas para avançar com o processo, o que a mãe da vítima considera um absurdo, argumentando que a escola deveria ter provas da presença do professor na casa de banho na hora do incidente e que a duração da investigação foi insuficiente para um caso de tamanha gravidade.
No grupo de WhatsApp dos pais da Escola Portuguesa, o caso gerou uma onda de indignação, com mais de 300 pais a discutir a situação abertamente e a partilhar informações. A mãe da vítima refere que surgiram “provas de que ele é mesmo um maníaco”, incluindo a autoria de um “livro erótico que foi censurado”, e relatos de outros pais sobre comportamentos inadequados do mesmo professor com alunas.
“Apareceram provas de que ele é um maníaco de sexo. Ele é um abusador, está habituado a ir às casas de banho, encontrar as meninas a fumarem e faz chantagem por sexo, porque de facto há meninas que têm esses hábitos, mas dessa vez ele mexeu com a menina errada”.
Evidências contactou a Escola Portuguesa de Maputo que se recusou a comentar o caso preferindo o “silêncio”. Depois de num primeiro momento ter se mostrado receptiva e ter prometido retornar a chamada com as respostas das perguntas feitas, nunca o fez e mais grave ainda, bloqueou os nossos contactos.
A mãe da vítima lamenta que a filha ainda não esteja a estudar em Portugal devido a burocracias e à falta de celeridade na comunicação entre as escolas, questionando a dupla penalização da menina por parte da EPM.
A Voz do Observatório das Mulheres
Quitéria Guirengane, secretária executiva do Observatório das Mulheres, entrevistada sobre o caso, sublinha a urgência de o Estado e as instituições tratarem o assédio e a violação sexual com a máxima seriedade, incentivando medidas protectoras que evitem a cumplicidade institucional. Guirengane destaca que o assédio sexual nas escolas é um problema profundo e frequentemente silencioso, e que é muito difícil para as vítimas provar.
“É muito difícil para as vítimas provar. Primeiro porque o local em si é uma sala de aula, não há um registo. Nas escolas, é proibido o uso de telemóveis. Portanto, não é um meio que pode ser usado para provar. E, muitas vezes, é a palavra da vítima contra a palavra do acusado”, relata.
Guirengane defende que a Escola deveria ter demonstrado uma atitude “muito mais séria” em protecção da sua reputação e da segurança dos alunos.
“Quando há mais de uma acusação sobre um professor, a escola deve instaurar um inquérito público e suspender o professor com todas as garantias de defesa, para que os pais se sintam mais seguros. O professor deve ser suspenso para que a investigação possa decorrer de forma imparcial”, desabafa.
Ela critica a tendência de descreditar as vítimas, especialmente crianças de 12 anos, ou de culpar a sua forma de vestir, recordando um caso em que uma escola suspendeu uma estudante por continuar a falar sobre assédio, em vez de proteger a vítima e investigar o professor.
A legislação moçambicana tipifica o assédio sexual no Código Penal. Quitéria Guirengane enfatiza que a protecção da criança é responsabilidade do Estado, e uma menina de 12 anos é considerada criança.
“O trato sexual com menor de 12 anos é punível com pena de 16 a 20 anos de prisão. É considerado crime grave e tem ainda um agravante quando essa violação é feita por quem tem o dever de a proteger. E o professor é uma daquelas figuras que tem uma responsabilidade legal de proteger a criança.”
As sanções não se aplicam apenas ao professor; a escola pode ser responsabilizada administrativamente, suspensa ou até mesmo encerrada, caso se comprove a sua conivência ou a ineficácia das suas acções.
A família da vítima, diante da inércia da escola, planeia processar a instituição por conivência e expressa a sua frustração por ter de enviar a filha para Portugal para continuar os estudos, enquanto o alegado agressor permanece na escola, continuando a exercer as suas funções e a representar uma ameaça potencial para outros alunos.
O caso da Escola Portuguesa de Maputo ilustra os desafios persistentes na luta contra o abuso sexual em ambientes educacionais e a necessidade urgente de uma resposta institucional mais robusta e centrada na protecção das vítimas, garantindo que a justiça seja feita e que tais incidentes não se repitam.

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