Presidente da Comunidade Mahometana diz que falta vontade política para acabar com os raptos

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  • Salim Omar promete não descansar enquanto o dossier de raptos não ficar resolvido
  • “Pela primeira vez, Moçambique tem um PR que fala abertamente que é preciso combater os raptos”
  • Acredito que o ministro do Interior não está só a activar a brigada anti-raptos, mas também coisas concretas”
  • Omar não abre o jogo sobre a candidatura para o segundo mandato

 

A Comunidade Mahometana, uma das organizações religiosas mais antigas e influentes na esfera comercial em Moçambique, completou, em Janeiro do corrente ano, 90 anos de existência. Este número redondo foi alcançado sob a liderança de Mahomed Salim Abdul Carimo Omar, carinhosamente tratado por Salim Omar, que está na presidência desta organização depois de um tumultuoso processo que até parou nos Tribunais. Numa entrevista exclusiva ao Evidências, explicou que as comemorações do 90º aniversário da agremiação por si liderada  dispensaram festenças e abraçaram iniciativas humanitárias, sobretudo na zona Norte do País. A comunidade que representa é uma das mais atingidas pela onda de raptos que assolam o País desde 2011, pelo que Omar prometeu não descansar e disse que vai tudo continuar a fazer para pressionar as autoridades a cumprirem o seu papel de devolverem a paz e tranquilidade, ao mesmo tempo que se mostra esperançoso pelo facto de pela primeira vez Moçambique ter um Chefe de Estado que fala abertamente que é preciso combater o mal. Relativamente às eleições que terão lugar em Novembro do ano em curso, Omar não abre o jogo, ou seja, referiu que “ainda não decidiu se éou nao candidato”.

Duarte Sitoe

Chega à presidência da Comunidade Mahometana depois de travar uma longa batalha judicial com a anterior direcção. Sente-se orgulhoso por ter sido eleito para dirigir os destinos da comunidade depois de tudo que aconteceu?

– Não me  sinto orgulhoso. Sinto que foi um dever. Aliás, todos os sócios e membros da comunidade têm o dever de defendê-la e têm o dever de zelar por ela. Ninguém pode ser membro de uma instituição e não a defender.  Havia pressão para as mudanças e eu não quero falar do passado. Vocês todos falaram no momento em que se falou. Eu, na altura, decidi que não ia perseguir pessoas,  ia atrás de resultados. Então, fui atrás de resultados. O que é que eu fui lá fazer?  Moralizar, estimular e virar para a educação. A educação é o único meio para, em qualquer sociedade, desenvolvermos e conquistarmos o que quer que seja. De forma lícita, é através da instrução e educação. A educação é fundamental.

Nós, hoje, temos um dos melhores currículos do País na escola da comunidade. Temos português, inglês e árabe como línguas obrigatórias. Temos uma educação robótica. Temos a robótica como um elemento importante da nossa educação. E agora todo mundo fala sobre inteligência artificial  e naturalmente que a nossa equipa técnica  e a direcção da escola vão trabalhar para isso. Então, não vale a pena falar do passado.

Como encontrou a comunidade quando tomou posse?

– Encontrei da forma como esperava que ia encontrar.  Encontrei uma comunidade mais conservadora, mais fechada, mais adequada à realidade da altura. Não vou dizer outros detalhes porque assuntos internos da comunidade não quero partilhar com a imprensa. Partilho e discuto em órgãos próprios. É lá que temos de discutir e não fora. E se algum sócio ou algum membro da comunidade discute isso nas redes sociais ou em outros fóruns, não está sendo um bom membro. Eu desde que cheguei à presidência, permiti a todo mundo falar e criticar. Mas tem que fazê-lo nos órgãos próprios.

Estou a fazer mudanças. Houve profunda resistência, aliás, hoje não. E é normal, qualquer mudança existe resistência. Porque a mudança, o que faz? Muda a mentalidade, a forma de pensar das pessoas. Muda um conjunto de regras, sobretudo regalias. E hoje há direitos e obrigações que estão assegurados através de novos estatutos da nossa comunidade.

A comunidade hoje tem as melhores instalações, tem grandes infra-estruturas. É preciso criar, utilizar em benefício. Usar correctamente as infra-estruturas que estão à disposição da comunidade, como é a escola, o centro cultural, a parte desportiva, a mesquita, tudo isso. Se não fizermos uma utilização correcta, não vai servir de nada.

 Toda mudança gera resistência

Quais são as alterações de vulto que fez desde que tomou posse?

 – Não sei se fiz alterações de vulto, mas uma coisa que fiz é dar a possibilidade de as pessoas poderem falar à vontade, criticar à vontade, escrever ao presidente aquilo que eles acham que está incorrecto. E o presidente responde às cartas das pessoas, de forma directa ou através dos órgãos e das comissões que foram criadas. O que é que mudou de vulto? Eu acho que os sócios têm que dizer o que é que sentiram que mudou. Nós aprovámos novos estatutos que são modernos, nós permitimos que as pessoas pudessem nos criticar, a única coisa que eu apelo e continuo a dizer é que falem para órgãos próprios e falem com provas e não tentem caluniar quem quer que seja.

Portanto, mudou muita coisa, mudou a forma de pensar, mudou a forma como nós caminhamos e todos sabem que esta liderança tem como foco a educação. A educação é o foco desta liderança.

Como os membros da Comunidade Mahometana reagiram às mudanças que foram feitas pela actual direcção?

– A resistência é um fenómeno natural. Mudar de pensar, mudar de agir, mudar de privilégios são mudanças que criam resistência. Mudar a qualidade de ensino, chumbar alunos que não sabem e não porque pagam para passar gera uma resistência. A forma de pensar, de moçambicanizar as nossas instituições, gera uma resistência, e é normal que isso aconteça.

“90 anos são muitas gerações”

A Comunidade Mahometana completou no corrente ano 90 anos de existência. Qual é o significado deste número redondo e como estão a ser organizadas as festividades?

 – 90 anos são muitas gerações. Um marco histórico muito importante. Podíamos ter comemorado de uma forma diferente. Portanto, desde Janeiro que dizemos que são 90 anos. Temos o emblema dos 90 anos que passa a ser usado nos nossos eventos, nos nossos comunicados na nossa forma de estar. Na minha idade significa muito, porque olho para a comunidade e vejo o meu bisavô, o meu avô, o meu pai, os meus filhos e outras gerações vindouras. É um marco muito grande.

 Nós estamos a festejar 90 anos. E festejamos de uma forma simplista, de uma forma mais humanista. Fizemos um almoço com orfanatos. Não publicitámos porque é um dever cívico e social. E não fizemos como algumas instituições que foram gastar rios de dinheiro para fazer publicidade dos seus anos. E 90 anos não é uma brincadeira.

E temos atenções viradas para o Norte do país. Temos pessoas no País que não fazem uma refeição ou duas. Então essa é a nossa maior preocupação. Apoiar os que necessitam e não apoiar ou fazer festanças com aqueles que não precisam. Portanto, esta também é uma grande mudança que nós temos na comunidade.

O apoio virado para o Norte do País inclui as vítimas do terrorismo?

– Fizemos sempre em coordenação com instituições islâmicas e irmãs que estão implantadas nas respectivas províncias. Não vamos sair de Maputo e fazer coisas nas outras províncias quando temos instituições irmãs lá. Falamos com eles e naquilo que podemos apoiar, apoiamos e eles também coordenam connosco. O terrorismo é um fenómeno à parte. É um fenómeno que não tem cara. E até agora ninguém sabe que neste qual é a reivindicação neste fenómeno do terrorismo. É só matar pessoas. É só destruir pessoas. Isso é um horror. Então, estamos sempre disponíveis para o diálogo. Falamos disso. A liderança da comunidade mahometana sempre falou em diálogo, reconciliação nacional e tolerância.

Se há alguma reivindicação, ela deve ser feita na mesa e não matar pessoas. E nós condenamos a morte de qualquer inocente. Qualquer acto de violência e de intolerância não vai ter espaço na comunidade mahometana. Não vai ter espaço, nós não vamos dar espaço. Mas quem quiser construir diálogo, pontes de reconciliação, estaremos sempre abertos para apoiar essas iniciativas. Já dissemos ao governo, já dissemos na mensagem dos 90 anos, já dissemos no IDE e continuaremos a dizer: Diálogo, paz, reconciliação. Estamos abertos para apoiar e para fazer parte da equipa. Condenamos qualquer tipo de violência e morte de inocentes.

“A comunidade deixou de ser uma instituição fechada e hoje é aberta”

Em Novembro do ano em curso, a actual direcção termina o mandato. Quais são as metas que já foram cumpridas no seu manifesto eleitoral?

– Quase 90% do manifesto já foi cumprido, mas nós num momento certo vamos dar uma conferência de imprensa e dizer: olha, esse foi o nosso manifesto, é isso que nós fizemos. Mas antes disso, vou levar ao órgão próprio, que é a Assembleia-Geral dos sócios, para eles saberem o que é que esta direcção fez, o que é que este presidente fez, como fez, por que é que fez e como cumpriu o seu manifesto. Portanto, essa é a questão.

Mas eu penso que vocês, como jornalista,s deviam falar com membros, vocês têm e têm como chegar e ver de facto que houve mudanças. A primeira grande mudança é eu estar a falar consigo, não é? A comunidade deixou de ser uma instituição fechada. Todo mundo fala com a comunidade, não fala? Todo mundo sabe o que se passa na comunidade. Não há barreiras para conversar com a comunidade. E nós falamos quase sempre com a imprensa. E até recebemos conselhos de jornalistas. Então nós falamos com as pessoas, ouvimos as pessoas, todos os dias. Eu tenho uma agenda terrível e de repente não sei por que carga de água que tenho uma agenda agora com os jornalistas. A imprensa toda quer falar connosco.

Está a passos largos de terminar o primeiro ciclo de governação. Segundo os estatutos, um presidente pode presidir a agremiação por dois mandatos. Vai se candidatar para o segundo mandato?

 – Eu não disse que era candidato e também não disse que não era candidato. Se for candidato, posso ganhar eleições assim como posso perder, e, se perder, aquele que for justa ou honestamente eleito será o meu presidente. Esta é a grande conquista da nossa comunidade. Não assumo que não serei candidato e não assumo que vou ser. No momento certo, na altura própria vou-me pronunciar sobre este assunto, mas o que estou a dizer é que a grande conquista da democracia da comunidade.

Ainda temos que fazer a Assembleia-Geral, nomear uma comissão eleitoral que vai trabalhar e preparar as eleições para serem justas, honestas e transparentes. Não posso ser um jogador e ao mesmo tempo árbitro. Não posso ser presidente da comissão eleitoral e ser candidato. Nós vamos levar nomes e os membros vão escolher quem querem para a comissão eleitoral. Tenho muita pressão para ser candidato, mas também tenho direito de não ser. Ainda não decidi,.

“Pela primeira vez temos um Chefe de Estado que fala abertamente que é preciso combater os raptos”

 A Comunidade Mahometana foi criticada pelo aparente silêncio durante a onda das manifestações pós- eleitorais. Como olha para esta situação?

– Eu vi, acompanhei, fomos solidários. Como é que podes condenar uma polícia com quem estás a dialogar? Tu podes condenar alguém com quem estás a falar? Com quem estás a procurar paz? Com quem estás a procurar conciliação? Eu não posso divulgar, mas podem perguntar ao antigo comandante-geral da polícia quantas reuniões teve connosco.

Quando um casal está em desavença e tu estás a tentar reconciliar este casal, vais condenar a quem? No dia em que eu publicamente condenasse a polícia, dia seguinte estava a conversar com eles. E actos de violência não foram maiores porque nós estávamos a fazer redes de contacto.

Como é que recebeu a notícia da assinatura do acordo para o diálogo nacional inclusivo visando pacificar o país?

– Nós fomos os primeiros a encorajar o diálogo. O primeiro encontro entre Sua Excelência Presidente da República e o Venâncio Mondlane foi num Domingo e nós emitimos o comunicado e saudámos o comunicado, saudámos o encontro e dissemos que estamos disponíveis para continuar a trabalhar. Quem garante que nós não estivemos a fazer corredores? Só que, mais uma vez, nós não temos que vir à imprensa para falar de um assunto que nós estamos a trabalhar. O meu bastonário da Ordem das Advogados sabe o apoio que tem da comunidade, sabe o encorajamento que tem do Presidente, não é? O próprio Venâncio sabe qual é a nossa posição.

Mesmo quando havia diálogo entre a Renamo e o governo, nós sempre estivemos do lado do diálogo. Toda a iniciativa que contribui para a paz, a segurança e o desenvolvimento deste país, nós estamos lá. Mas também, quando há violência, nós condenamos. Nós condenámos a morte daquela freira, até com todos os grupos muçulmanos, fizemos centenas de mensagens. Não há nenhuma religião monotaísta que vai promover a guerra ou a morte de inocentes. Não é? Então, isto é fundamental.

O crime organizado, com destaque para os raptos, preocupa, sobremaneira, os moçambicanos, sobretudo a  comunidade muçulmana. Como é que tem advogado junto das instituições de segurança e justiça em relação a esse fenómeno?

– Continuarei a luta, continuarei a apelar que a polícia da República de Moçambique, que a administração da justiça faça o seu melhor para que este fenómeno seja aniquilado, que termine.

Em 2022 falei do rapto e nunca parei de falar do rapto. E veja, tem que haver vontade política para que os raptos acabem. É preciso desmantelar alguns fenómenos. Infelizmente, são vocês da imprensa, que noticiam que muita onda da criminalidade vem de agentes da polícia. É preciso encorajar a polícia para que faça o seu trabalho com alguma disciplina e punição. E nós vamos continuar a luta pela situação do rapto. Não é só o rapto.Toda a segurança que é necessária no país.

É rapto, é violência, é estupro, é droga, é bebida alcoólica, é o roubo, é o furto, todos fenómenos criam instabilidade e insegurança na sociedade e terão na comunidade um meio forte de condenação, e se a PRM e a administração da justiça fizerem aquele que é o seu dever, nós sempre estaremos solidários com eles.

Eu disse que mais de 100 famílias abandonaram Moçambique e acredito que o Chefe de Estado, Daniel Chapo, está empenhado. Pela primeira vez temos um Chefe de Estado que fala abertamente que é preciso combater os raptos, é preciso combater a violência, então nós temos que apoiar e encorajar esta iniciativa para que este estímulo, este movimento não morra. Queremos ser a fogueira que estimule que este combate não pode parar. Não vou descansar enquanto este dossier de raptos não ficar resolvido.

“Acredito que o Ministro do Interior não esta só a activar a brigada anti-raptos, mas está a fazer coisas concretas”

– O procurador-geral da República propôs o congelamento das contas das vítimas dos raptos para travar o pagamento dos resgates. Por outro lado, o ministro do Interior, Paulo Chachine, resgatou a promessa da brigada anti-raptos. Como olha para estas duas propostas no combate contra o crime organizado?

 – Em relação ao congelamento das contas bancárias temos que olhar por dois meios. O primeiro é que eles já são vítimas por terem sido raptados e com a preocupação que têm vão ter de arranjar dinheiro para pagar o resgate dos seus familiares, mas há uma coisa que lhe garanto: não tenho como provar, que não são pelas contas bancárias que são pagos os resgates dos raptos, a polícia sabe, o procurador sabe.

Este procurador tem a obrigação de saber como as transacções financeiras são feitas, se ele tiver vontade ele sabe quem faz, como essas operações são feitas, como é que os pagamentos são feitos. Se não sabe, é grave. Agora, há contas e há contas. Quem vive de um salário ou uma renda que é para sustentar a sua família, não sei se essa conta congelada é suficiente para resolver o assunto.

Em relação à Brigada Anti-Raptos, o Governo sempre falou que tem uma brigada anti-raptos. O anterior Governo falava, mas não mostrava em concreto. O que digo é que temos um movimento anti – raptos chamado MOCU, não é um movimento só muçulmano. O povo já não quer conversas, quer factos e acredito que o Ministro do Interior não está só a activar a brigada anti-raptos, mas está a fazer coisas concretas.

Tenho que acreditar e ter fé de que este combate vai acabar. Tenho fé que o comandante-geral da PRM, o ministro do Interior estão muito empenhados porque esta é uma a condição para o desenvolvimento da economia. Sinto que resgatou e reactivou, mas não posso dizer mais do que isso.

Como avalia a relação com outras congregações religiosas desde a sua tomada de posse até esta parte?

– A relação com as confissões religiosas nunca esteve tão forte como agora. Sou sempre convidado, não há um dia da semana que não sou convidado. O mais alto nível desta relação é o encontro com o Presidente da República, é participar nos eventos dos Estado, e reunir-se com a Igreja Católica. É receber uma mensagem do Vaticano para o IDE. Falo todos os dias com quase todos os líderes religiosos, discutimos e eles vão à comunidade. Muitos eventos das confissões religiosas são realizados na Comunidade Mahometana. Acredito, sem querer menosprezar os outros líderes que passaram da comunidade, mas nunca estiveram tão fortes. Acredito que uma das melhores coisas que consegui, enquanto presidente da Comunidade, é falar com todos.

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