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Alexandre Chiure
Há um forte debate, no país, sobre se o Presidente da República, seja ele Daniel Chapo ou outra pessoa, em tanto que servidor público, deve ou não aceitar ofertas que os governos provinciais fazem em nome das populações das suas zonas jurisdicionais, em visitas presidenciais.
Tudo partiu da recente deslocação de Daniel Chapo a Gaza em que a governadora Margarida Mapandzene Chongo entregou ao Chefe de Estado, em nome da população da província, uma tonelada de arroz, 20 cabeças de gado bovino e outros produtos, o que foi considerado um exagero.
Mais do que um acto simbólica e tradicional que devia ser em ocasiões desta natureza, o assunto ganha uma outra dimensão quando o somatório dessas ofertas supera o salário de um PR que é de mais de 460 mil meticais, como é o caso vertente de Daniel Chapode.
Considerando que o arroz ofertado corresponde a 40 sacos de 25 quilos e sendo que cada um custa cerca de dois mil meticais, estamos a falar de um total de 80 mil meticais. Somando este valor com o das 20 cabeças (cerca de 400 mil meticais), perfaz 480 mil meticais, o que não inclui os outros produtos.
Significa dizer que o valor das ofertas ultrapassa, de longe, o que um PR ganha oficialmente. A pergunta que se faz é: será que ele deve aceitar ou não este tipo de ofertas, tendo em conta as obrigações que tem, como servidor público, perante a Lei da Probidade Pública?
O problema não se levanta apenas em relação a Daniel Chapo, mas à figura de Presidente da República. Os anteriores presidentes também receberam ofertas, algumas das quais superiores a estas, durante os dez anos da sua governação, entre centenas de cabeças de gado bovino, caprino e ovino e milhares de produtos agrícolas.
O mesmo acontece com os governadores quando vão aos distritos, ainda que não seja com a mesma proporção, e os administradores quando visitam as localidades e postos administrativos. No fim de mandato, estes servidores públicos saem ricos, com milhares de animais que não fizeram nenhum esforço para ter ou criar.
Se só numa província, Daniel Chapo, por exemplo, foi oferecido 20 cabeças de gado bovino, quantas irá receber até ao fim do ano ou do seu mandato? Na hipótese de receber mil cabeças até 2029, na razão de 84 por ano, o que é possível e até pode ser pouco, seria significativo. Nesse caso, estaríamos a falar de uma fortuna de 20 milhões de meticais, sem incluir as ofertas de cabritos e ovelhas. Assim, vale a pena ser Presidente da República ou, no mínimo, governador.
Lembro-me que, numa das suas visitas à província de Tete que tive a ocasião de cobrir, como jornalista, na sua habitual digressão anual durante dois meses segundos, com pequenas interrupções, o presidente Armando Guebuza recebeu, de ofertas, apenas num distrito, 111 cabritos, que a vender ganharia cerca de 300 mil meticais, quase o ordenado de um Chefe de Estado.
Segundo o número um do artigo 41, da Lei 12/2024, de 18 de Junho, sobre ofertas ou gratificações não admissíveis, que resulta da revisão da Lei 16/2012, de 14 de Agosto, Lei da Probidade Pública, o servidor público não deve, pelo exercício das suas funções, exigir ou receber benefícios e ofertas, directamente ou por interposta pessoa, de entidades singulares ou colectivas, de direito moçambicano ou estrangeiro.
O número dois do mesmo artigo inclui na proibição todas as ofertas com valor superior a um terço do salário mensal do titular de cargo político ou servidor público, pago pela entidade pública para que preste serviços. O que a lei admite é o recebimento, pelo servidor público, de ofertas que se destinam a ser integradas no património de Estado ou de qualquer entidade pública com autonomia patrimonial.
Mesmo assim, impõe algumas limitantes. Diz que, se tais ofertas forem de valor superior a 200 salários mínimos, não devem ocorrer nos 365 dias anteriores ou posteriores àqueles dentro dos quais os órgãos da entidade beneficiária devam praticar algum acto que produza efeitos de quem as oferece.
Olhando para o tipo de ofertas à figura de Chefe de Estado, estamos em presença da violação desta legislação, debatida e aprovada pela Assembleia da República, representada pelas bancadas da Frelimo, Renamo e Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e de cumprimento obrigatório por todos os moçambicanos sem excepção.
Em sede de rigor, Daniel Chapo, ao aceitar receber uma tonelada de arroz, 20 cabeças de gado bovino e outras ofertas, das mãos da governadora de Gaza, que fez a entrega em nome da população da província, violou o disposto nos números um e dois do artigo 41, desta lei, apesar de, a seguir, ter doado uma parte dos produtos a sectores sociais.
O que se questiona é porque é que as contribuições têm que se destinar ao Presidente da República , governadores provinciais e administradores que têm o seu rancho garantido pelo Estado e não aos hospitais abraços com a falta, crónica, de comida para os doentes internados e trabalhadores?
Mais do que isso, há o facto de que as ofertas feitas a estas figuras não representarem fartura na província. Elas, em alguns casos, se não mesmo na maior parte deles, são colectadas quase que à força junto de criadores e produtores, do estilo você tira X, infelizmente num espaço geográfico em que há quem não tem nada para comer.
O objectivo é o governador impressionar o Chefe de Estado e deixar uma boa imagem da sua província perante a ele, em competição com outros governos provinciais que já receberam o PR sobre quem deu mais. O mesmo acontece em relação aos administradores para com os seus governadores. É preciso acabar com isto. Oferecer, sim, dentro daquilo que é a tradição moçambicana, mas algo simbólico e não uma tonelada de arroz e 20 cabeças de gado.

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