O hábito de construir e desconstruir discursos

OPINIÃO

Alexandre Chiure

 

As medidas anunciadas na passada terça-feira pelo Presidente da República, para a revitalização da economia nacional, despertaram o debate sobre para que direcção vai o país. É que, ao que parece, desde 1975 a esta parte, Moçambique está ao gosto de quem governa o país.

Às vezes parece caminharmos para uma certa direcção, a julgar pelo discurso político de momento e pelas acções governamentais no terreno. Mas por vezes parece que nos perdemos por completo e não há clareza quanto ao rumo que o país está a tomar em termos de estratégia de desenvolvimento.

Enquanto um governo, por coincidência todos do mesmo partido, a Frelimo, constrói uma certa identidade, traça uma visão estratégica para o presente e futuro, o outro a seguir, dez anos depois, desconstrói tudo. Ideias ou projectos valiosos são descontinuados e o país volta para a estaca zero.

O presidente Samora Machel defendia, nos seus discursos, o combate ao tribalismo, regionalismo, racismo, amiguismo e nepotismo. Apelava à unidade, trabalho e vigilância, discurso que se foi afunilando à medida que foram ocorrendo sucessões no poder político e governativo.

Os governos de Joaquim Chissano, Armando Guebuza e, agora, de Filipe Nyusi abandonaram quase na totalidade esta forma de abordagem, apesar de permanecer actual.

Por seu turno, o presidente Armando Guebuza promovia a produção de jatrofa. Era pela revolução verde e ensinava as populações a construírem caleiras e tanques para a domesticação de água das chuvas para o uso nos tempos de seca ou nos períodos não chuvosos.

A outra bandeira do seu governo em relação ao desenvolvimento dos distritos com características rurais é a alocação de sete milhões de meticais aos distritos para o financiamento de projectos de iniciativa local. A decisão sobre o que financiar cabia a um comité coordenado pelo administrador do distrito.

Com esse fundo, nasceram muitos negócios, nomeadamente pequenos talhos, carpintarias e mercearias. Alguns camponeses alargaram os seus campos de produção. Outros adquiriram motobombas para o sistema de irrigação das suas machambas.

O Presidente Nyusi desconstruiu o discurso de Guebuza. Abandonou a revolução verde como um dos vectores de desenvolvimento do país a partir do distrito. Abandonou a jatrofa e descontinuou a política dos sete milhões.

O Presidente Joaquim Chissano percebeu tarde que a comunicação social é um parceiro a ter em conta. O tratamento que se dava a jornalistas no seu governo não era dos melhores.

Em viagens presidenciais, estes eram transportados em viaturas de caixa aberta, ao estilo “my love”, expostos a poeiras e correntes. Nos locais de alojamento, não se respeitava a privacidade. Os jornalistas eram obrigados a dormirem dois a dois.

Com o Presidente Armando Guebuza, isso acabou. Ele chegou ao poder com uma outra abordagem no relacionamento com a imprensa. Em visitas presidenciais, os jornalistas passaram a ser transportados em viaturas que se confundiam com as da sua comitiva presidencial.

Como se isso não bastasse, por iniciativa própria, Guebuza criou um espaço de diálogo permanente e anual com os directores, editores, chefes de redacção e jornalistas seniores para aconselhar-se. Nesse exercício, colheu ideias que ajudaram a melhorar a sua governação.

Por exemplo, reactivou o Instituto de Cereais de Moçambique com a nossa sugestão, dado à sua experiência no processo de comercialização agrícola no país demonstrado no passado.

Criou o Fundo de Paz e Reconciliação destinado ao financiamento de projectos de iniciativa dos combatentes, incluindo os de luta pela democracia, com a nossa sugestão.

O governo do dia desconstruiu esta forma de ser e estar entre o presidente do país e a imprensa. Por isso, o fórum de diálogo com o Chefe de Estado deixou de existir.

Nyusi fechou-se em copas. São muito poucas as ocasiões em que deu uma entrevista. Uma ou duas vezes. Passou a ser difícil saber o que é que se pensa sobre certas coisas e nem ele sabe o que os jornalistas pensam dele, como presidente, e da sua governação.

Para Filipe Nyusi, a continuidade deste fórum anual de diálogo com a imprensa significaria que está a imitar o presidente Guebuza. Mas, afinal, qual é o problema de replicar uma boa iniciativa? Infelizmente, com a sua nova política de lidar com a imprensa, a inclusão deu lugar à exclusão. Dá a ideia de que há filhos e enteados.

Agora é a sua vez. Ele está de saída do governo por conta do fim, para breve, do seu segundo mandato. Se continuarmos com este ritmo de desconstruir o que o outro fez, as 20 medidas que anunciou na passada terça-feira, algumas das quais a darem efeito depois da sua era, apesar de importantes, poderão ser descontinuadas pelo próximo governo.

Se alguém perguntar-me hoje para que direcção vai o país, diria que não sei. Acho que estou completamente perdido. Não sei mais quais são as causas que o governo abraça e as linhas mestras para o desenvolvimento do país.

Por outras palavras, quer dizer que Moçambique não tem uma estratégia a seguir a longo prazo. Tudo depende da boa vontade de cada presidente ou governo do dia, o que é errado. Não há, no mundo, nenhum país que se guia através de planos quinquenais como acontece no país. Todos trabalham na base de programas para 30 a 40 anos.

Se em Moçambique, a opção é pela revolução verde, todos os governos têm a obrigação de seguir essa direcção. Se é pela alocação de sete milhões de meticais aos distritos, idem. Podem mudar os critérios de implementação, mas nunca a estratégia de desenvolvimento do país.

Quando Barack Obama subiu ao poder, algumas correntes de opinião defendiam que, dado às suas raízes africanas, privilegiaria o continente negro. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Sendo ele americano, tinha que olhar para políticas que favorecem os seus compatriotas.

O jogo é feito dentro das balizas já definidas. Venha o presidente que vier, as políticas e as estratégias. A visão dos EUA em relação ao mundo e a forma como este país deve lidar com conflitos mundiais estão lá. Não há espaço para aventuras. Que Donald Trump o diga em relação ao muro que pretendia erguer na fronteira com o México e às políticas de saúde da autoria de Obama que pretendia mudar.

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