Angolanos vão amanhã às urnas com esperança na vitória da oposição, mas há ameaças de fraude

POLÍTICA
  • Oposição e sociedade civil denunciam existência de eleitores fantasmas

Os angolanos vão às urnas esta quarta-feira (24), pela primeira vez, sem que se conheça um virtual vencedor. O partido no poder MPLA, este ano, enfrenta uma forte coligação da oposição liderada pela UNITA e os dois partidos disputaram “taco a taco” o protagonismo durante a campanha eleitoral que terminou esta segunda-feira. No entanto, mais uma vez, o processo eleitoral naquele país lusófono, liderado pelo mesmo partido desde a independência, está a ser assombrado por indícios de fraude, denunciada pela oposição e algumas organizações da sociedade civil, com destaque para uma suposta existência de milhares de eleitores fantasmas, num pleito em que o voto jovem pode ser decisivo, tendo em conta que mais de 60 por cento da população está abaixo dos 30 anos de idade.

Evidências

Encerrou esta segunda-feira, com pomposos comícios, a campanha eleitoral das eleições legislativas desta quarta-feira em Angola, que para além de indicar a nova composição da Assembleia da República, ditam a eleição indirecta do Presidente da República. Os mais de 14 milhões de eleitores inscritos irão votar nesta quarta-feira (24) pela continuidade do MPLA ou alternância no poder.

O voto jovem, num país em que 60 por cento da população são jovens com idades abaixo dos 30 anos, sem memória da guerra, marginalizados e que enfrentam desafios, dentre os quais o desemprego, a falta de habitação e condições de vida cada vez mais degradadas, poderá ser determinante para esta eleição.

É a este grupo etário em que era centrada a mensagem da Frente Patriótica Unida, liderada pela UNITA de Adalberto Costa Júnior, que se tornou um grande fenómeno de popularidade em todo o país, colocando pela primeira vez o MPLA numa grande pressão.

Mas o partido no poder também não se fez de rogado e correu atrás do prejuízo. No seu último dia de campanha, o actual Presidente da República e simultaneamente do MPLA, João Lourenço, privilegiou contacto interpessoal e passeatas que culminaram com um encontro com mulheres e outros simpatizantes, tendo destacado os seus feitos durante os cinco anos de sua governação.

Aliás, ao contrário dos seus adversários, João Lourenço antecipou no último Sábado o seu discurso de encerramento de campanha eleitoral, onde destacou como áreas prioritárias para os próximos cinco anos, investimento nos sectores de educação, saúde, energia, infra-estruturas e criação de emprego.

“Rompemos com alguns tabus, começando pelo tabu da luta contra a corrupção. Quebramos também com o tabu da privatização dos activos públicos e do Estado. Durante muitos anos a política de comercialização dos diamantes não atraia investidores porque não havia transparência. Alguém estava interessado que não houvesse transparência para ficar sozinho com os diamantes de Angola”, disse João Lourenço, num discurso encarado como uma crítica aberta ao seu antecessor.

Já o líder da UNITA terminou a sua campanha no bairro Cazengue, arredores de Luanda, tido como o mais populoso do país, com pouco mais de um milhão de habitantes, onde mais uma vez vincou a necessidade de alternância no poder, o que passa por retirar do poder o MPLA.

Na sua mensagem, Adalberto Costa Júnior prometeu uma nova Angola, com um governo inclusivo, participativo, competente e democrático que vai pôr fim ao governo corrupto do MPLA.

“Esta nova liderança política para a Nova Angola, uma Angola de dignidade, uma Angola em que queremos formatar um governo que seja de competentes e que seja de todos, independentemente de quem votou ou não. É por isso que peço a vossa confiança”, disse Costa Júnior, ladeado por Abel Chivukuvuku, Justino Pinto de Andrade.

Refira-se que para além do eleitorado mais jovem, a Frente Patriótica Unida, liderada pela UNITA, tem estado a conseguir o apoio de um franja considerável de eleitores mais velhos, tal é o caso de Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro, governador e secretário-geral do MPLA, que declarou apoio ao governo da UNITA.

Denunciados mais de dois milhões de eleitores mortos nos cadernos eleitorais

Nas últimas semanas, tem se multiplicado denúncias e receios de fraude eleitoral. Na última quinta-feira, por exemplo, um grupo de cidadãos angolanos, a residir no país e na diáspora, entregou ao Tribunal Constitucional uma petição pública onde pede a regularização dos cadernos eleitorais, por se ter constatado a existência de mais dois milhões de eleitores mortos.

Em causa está o facto de depois da entrega do ficheiro eleitoral à Comissão Nacional Eleitoral ter se constatado a existência de um número superior de eleitores ao ficheiro provisório do qual deveriam ser expurgados “os mortos, os transitados em julgado e os que tiverem comprovadamente alguma doença”.

É que dados provisórios apontavam para 14 milhões de eleitores, mas após a entrega depois da entrega do ficheiro de cidadãos maiores à CNE, o número foi inflacionado para 14.390.091 ou seja um número superior ao dos dados provisórios.

“A expurga do ficheiro do arquivo de identificação, 2 milhões de pessoas não votantes incluídos é muito mau. O que é que vai acontecer a estes 2 milhões de boletins de votos que estão a mais, quando nós sabemos que o governo tem o hábito de colocar assembleias de voto onde não há ninguém num raio de 30 quilómetros”, destacou Laura Macedo, uma das signatárias da petição.

Depois, Laura Macedo questionou quem é que vai preencher estas assembleias de voto. “Será que o governo sabe quem é o morto, quem não é o morto? Eu não sei. Até há bem pouco tempo nós não sabíamos que o ficheiro do arquivo de identificação iria ser anexado”, complementou.

A signatária da petição apresentou uma possível solução para resolver este problema: “Basta que eles desanexem. Isto está, como se costuma dizer na gíria, a um clique porque ninguém estava a contar que eles fossem anexar o ficheiro do arquivo de identificação, então basta que retirem dos cadernos eleitorais este ficheiro”.

Outro aspecto que tem estado a deixar desconfortável a oposição e sociedade civil é o facto da CNE ter demorado publicar os cadernos eleitorais oficiais, tal como denunciou a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) no passado sábado.

A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) apelou à Comissão Nacional Eleitoral (CNE) para agir com “transparência” e deixar de violar a lei eleitoral, para evitar que sejam postos em causa os resultados da votação no próximo dia 24.

Citado pela DW, o presidente da AJPD, Serra Bango, alerta para eventuais “confusões” no dia da ida às urnas, como já aconteceu noutras eleições, e que muitos eleitores não saibam onde votar.

Votar e controlar o voto

Com os receios de fraude, os angolanos estão a ensaiar um modelo de controlo eleitoral bastante comum nalguns pontos em Moçambique, onde os eleitores depois de votarem permanecem perto das mesas de votação até terminar a contagem dos votos, como forma de evitar o enchimento das urnas.

A nova forma de estar resulta de um apelo da UNITA para eleitores ficarem perto das assembleias de voto ou seja a 500 metros dos locais de votação, o que está a está a gerar um braço-de-ferro entre os partidos da oposição e a Comissão Nacional Eleitoral, acaba de anunciar uma mudança de jogo na contagem dos votos da eleição que passa a ser feita em Luanda e não nas diversas assembleias de voto espalhadas por Angola.

Na semana passada, o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, pediu aos seus militantes que fiquem perto das assembleias de voto depois de votarem, (CNE). A Procuradoria Geral da República (PGR) já veio a público ameaçar com a “responsabilização penal” aos eleitores que não voltarem para casa depois de exercerem o seu direito de voto.

O jurista e deputado sem vínculo partidário Lindo Bernardo Tito considera que a permanência dos eleitores “é uma medida lógica e pacífica que responsabiliza o eleitor a proteger o seu próprio voto e forçar a fixação dos resultados” e não deve ser interpretada como uma subversão à ordem pública.

Joaquim Chissano apela aos partidos a aceitarem os resultados das eleições

O antigo Presidente da República, Joaquim Chissano é um dos observadores convidados nas eleições angolanas e pede que sejam respeitados os resultados das eleições para evitar-se que o país entre em crise pós eleitoral.

Recordando a crise pós-eleitoral no Quénia, onde o candidato derrotado, Raila Odinga não concorda com os resultados eleitorais e já intentou uma acção para impugnar judicialmente o acto, Chissano pede aos partidos angolanos que aceitem os resultados.

“Há duas semanas, o ambiente estava calmo quando lá (Quénia) cheguei mas o desfecho das eleições não foi assim tão bonito e acabou com a comissão eleitoral dividida”, disse Chissano, que não quer assistir ao mesmo cenário em Angola.

“O ambiente está calmo, mas não vá algum eleitor praticar algumas acções que possam contrariar esta acalmia. Devemos confiar nos órgãos eleitorais, irmos votar conforme a lei”, alertou.

Ainda não há data para funeral de José Eduardo dos Santos

Continua ainda por anunciar a data do funeral de José Eduardo dos Santos cujo corpo só chegou à Angola na semana passada, após mais de um mês de disputa pela posse do mesmo entre duas facções da família, uma das quais aliada do governo. Entretanto, continua o clima de desconfiança de que João Lourenço e o MPLA possam querer fazer um aproveitamento político nas vésperas das eleições.

A UNITA, o maior partido da oposição angolana, lamentou a forma como o caso está a ser tratado e fala em “aproveitamento político”

O mandatário da campanha da UNITA, David Horácio Junjuvili, disse ser preciso ainda resolver o conflito entre o Governo e o resto da família dos Santos, para depois se proceder com as exéquias do finado – “a menos que os outros queiram fazer disso um aproveitamento político”, disse.

“As pessoas estão mobilizadas para votar e não se vão distrair com isso. Podemos correr o risco de querer fazer um funeral agora do ex-Presidente e não ter a participação popular que era de se esperar. As pessoas estão preocupadas com as eleições. E esperamos que os outros não façam aproveitamento político desta situação”, apelou o mandatário.

Até esta segunda-feira, ainda não havia sido tornada pública oficialmente a data do funeral do antigo chefe do Estado Angolano, que governou o país entre 1979 e 2017. Alguns meios de comunicação social angolanos falam no dia 28 de Agosto, data em que, se estivesse em vida, José Eduardo dos Santos completaria 80 anos.

No entanto, o ministro da Administração do Território, Marcy Lopes, um dos responsáveis pelas exéquias de José Eduardo Santos, remeteu para os próximos dias o anúncio da data do funeral do antigo Presidente.

“Os próximos dias serão reservados para o tratamento de questões administrativas e protocolares inerentes a um processo como este que carece de ser tratado com todo cuidado e atenção”, destacou.

Enquanto a data do funeral do ex-estadista não é divulgada, José Eduardo dos Santos está a ser velado na sua residência oficial. No domingo, o corpo do ex-Presidente angolano foi preparado para os próximos dias de velório.

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