Verónica Macamo: da linha da frente do partido ao silenciamento da marginalização

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Um fim sem honra nem glória ou ausência estratégica?
  • Esperanças Bias, A. Muandane, N. Mondlane e F. Mucanheias também suspenderam mandato
  • Celso Correia, membro da Comissão Permanente, vem renovando atestados médicos

Verónica Macamo, nome incontornável da política moçambicana, atravessa um momento de invisibilidade institucional que desafia à lógica do reconhecimento político. Após décadas de dedicação ao partido e ao Governo, muitas vezes indistinguíveis entre si, a antiga Presidente da Assembleia da República se vê afastada do centro do poder, com o mandato parlamentar suspenso, longe dos holofotes e envolta num silêncio que contrasta com a intensidade da sua trajectória. A suspensão do mandato sem explicação pública convincente, associada a rumores de uma tentativa frustrada de regressar à presidência do Parlamento, não só levanta dúvidas, como intensifica o debate sobre a marginalização de figuras veteranas dentro da Frelimo. Mas a tensão que envolve Macamo vai além do campo político. Em processo de separação conjugal, após uma carreira marcada por resiliência e entrega, a ex-ministra enfrenta agora um isolamento que sugere mais que um simples descanso. Sugere desconforto, desencanto, talvez até castigo. A sua ausência não é apenas uma página em branco, é uma denúncia silenciosa da forma como o partido lida com os seus próprios símbolos. E é, talvez, o retrato mais claro daquilo que a Frelimo faz aos seus quadros quando já não lhes serve a voz.

Nelson Mucandze

Entre os que suspenderam o mandato sem apresentar razões públicas claras, consta o nome de Esperança Bias, que quebrou o padrão histórico ao ocupar apenas um mandato como Presidente da Assembleia da República, cargo geralmente exercido entre dois a três mandatos consecutivos. Segundo uma fonte próxima ao processo, até à última hora, Bias acreditava firmemente no seu regresso à presidência da AR, o que levanta especulações de que a sua suspensão poderá estar ligada a uma frustração política.

Outros nomes eleitos como deputados, mas cujos mandatos também se encontram suspensos, incluem Amélia Muendane, Nhelety Mondlane e Francisco Mucanheia. Muandane manteve-se à frente do Conselho de Administração dos Aeroportos de Moçambique, enquanto Mondlane e Mucanheia foram reconduzidos para funções governativas.

Já Celso Correia, alvo recente de desinformação nas redes sociais e em alguns meios de comunicação, devido a uma suposta, mas inexistente, notificação da Procuradoria-Geral da República, é actualmente o membro da Comissão Permanente da Assembleia da República com mais ausências. Tem justificado essas faltas por meio de atestados médicos renovados periodicamente.

No entanto, é a ausência de Verónica Macamo que mais abre espaço para múltiplas interpretações, um silêncio que ecoa mais do que qualquer pronunciamento oficial.

De luta pública à fuga silenciosa

Licenciada em Direito e oriunda do aparelho judicial, Verónica Macamo construiu uma carreira marcada por disciplina, resiliência e lealdade partidária. Ao longo das últimas décadas, foi deputada da Assembleia da República em várias legislaturas, vice-presidente da mesma casa, presidente entre 2010 e 2020, ministra entre 2020 e 2024, e actualmente membro da Comissão Política da Frelimo.

No plano pessoal, é casada, embora actualmente em processo de divórcio, com o jornalista Salomão Dlhovo, e é mãe. Mas é no plano institucional que a sua biografia atinge densidade: o seu nome está associado à firmeza nas presidências parlamentares e ao fervor partidário demonstrado em momentos críticos para o regime.

Em 2023 e 2024, durante os ciclos eleitorais autárquicos e gerais, Macamo desempenhou o papel de mandatária nacional do partido cinquentenário. No entanto, seu desempenho excedeu o que se esperaria de uma simples mandatária. Enquanto ministra dos Negócios Estrangeiros convocou encontros com diplomatas e embaixadores acreditados em Moçambique para discutir questões eleitorais.

Esse gesto gerou desconforto em certos círculos diplomáticos e institucionais, pois representava, para muitos, uma sobreposição entre as funções governativas e a agenda político-partidária. A linha que separa Estado e partido, já difusa no contexto moçambicano, tornou-se praticamente invisível.

Macamo também liderou reuniões formais e informais com a Comissão Nacional de Eleições (CNE), articulando com figuras influentes como a Presidente do Conselho Constitucional, Lúcia Ribeiro. Participou activamente nos bastidores da tensão pós-eleitoral, quando denúncias de fraude e repressão tomaram as ruas e chegou a ter a sua própria residência invadida por manifestantes, um episódio revelador do quão exposta estava no campo de batalha política. A sua entrega parecia total: institucional, partidária e pessoal.

No entanto, apesar de ter sido nomeada deputada para a nova legislatura, uma prerrogativa atribuída aos membros da Comissão Política, Verónica Macamo não chegou a ocupar o seu assento. Em conversa com o Evidências, ela própria justificou a suspensão do mandato com “razões pontuais”. Mas nos corredores do poder, o silêncio nem sempre é inocente.

Ausência gera especulações

A sua ausência, aparentemente discreta, gerou especulação imediata: estaria a sua suspensão ligada a uma tentativa frustrada de regressar à presidência da Assembleia da República? Se sim, o gesto de suspender o mandato equivale a um xeque-mate, sem cadeira parlamentar, não há presidência possível. Mas pode ser uma interpretação forçada para quem a compara com Eduardo Mulembwe, que fez três mandatos seguidos, mas quando não foi mais indicado, manteve, descontente, como deputado acomodado no trabalho de uma das comissões.

Outros nomes influentes também não assumiram mandatos, como Esperança Bias, a única ex-presidente da Assembleia que cumpriu apenas um mandato e sofreu uma derrota sem precedentes quando tentou candidatar a presidência da República. No entanto, o silêncio em torno de Bias contrasta com o burburinho que envolve o afastamento de Macamo. A substituição do seu assento por um suplente provisório, um sinal da esperança do retorno, afinal não suspendeu em definitivo. Macamo garantiu ao Evidências que não recebeu qualquer valor desde a sua suspensão. Mas a controvérsia já estava instalada.

É neste ponto que a história se torna simbólica. O aparente isolamento político de Verónica Macamo está a ser interpretado por muitos, nos corredores políticos,  como sinal inequívoco de marginalização. Trata-se de uma figura que esteve na linha da frente nos momentos mais turbulentos da recente história política, e que agora parece ter sido afastada em silêncio. Um silêncio que, ironicamente, fala muito.

Saída estratégica ou descarte?

Há quem veja esse silêncio como uma escolha deliberada e digna, uma retirada estratégica que permite preservar o legado. Mas há também quem interprete como mais um episódio do padrão histórico da Frelimo: o partido tem mostrado uma notável capacidade de esvaziar e descartar os seus quadros mais experientes quando estes já não se encaixam nas necessidades do presente. E não importa o quanto tenham dado ao partido. Macamo sacrificou sua visibilidade institucional e até parte da sua vida pessoal em nome de uma máquina que, agora, parece já não ter lugar para ela.

O seu caso levanta questões desconfortáveis: como é feita a gestão de quadros dentro da Frelimo? Como se distinguem os papéis do Estado e do partido em tempos eleitorais? E até que ponto a lealdade continua a ser uma moeda valorizada no jogo interno da sucessão política?

A história de Verónica Macamo é um espelho das contradições da Frelimo. Uma  gestão política que exige tudo, recompensa pouco e, por vezes, descarta sem explicação. Uma política em que nem mesmo a fidelidade inquestionável garante lugar na próxima página da história.

Actualmente, Macamo permanece oficialmente como membro da Comissão Política. Mas o seu silêncio, a sua ausência parlamentar e o fim abrupto de uma ambição bem fundamentada dizem mais do que qualquer nota oficial.

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