Moçambique aos 50 anos: um Estado (in)dependente

OPINIÃO
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Edmilson Mate

No passado dia 25 de Junho, o nosso País ergueu novamente a sua bandeira para celebrar meio século de independência. Cinquenta anos de história, conquistas e desafios. Mas além das festividades, vale a pena parar por um instante e perguntar: que tipo de independência estamos realmente a celebrar?

A Constituição da República, no seu artigo primeiro, afirma: “A República de Moçambique é um Estado independente, soberano, democrático e de justiça social”.

Esta afirmação é, sem dúvidas, uma expressão de soberania, um ideal. Mas basta olhar à nossa volta para perceber que, entre o que está escrito na CRM e o que se vive no dia-a-dia, há um grande abismo. A independência não se resume a palavras bonitas ou promessas em papel. Ela concretiza-se quando o povo tem poder sobre os seus recursos, sobre as suas escolhas e sobre o seu destino.

É certo que temos bandeira, hino, governo e eleições. Temos um território reconhecido e representantes em fóruns internacionais. Mas a independência não se mede apenas por símbolos ou cerimónias. A independência é a capacidade de um povo decidir o seu rumo, produzir o que consome, gerir os seus recursos, educar os seus filhos com qualidade e viver com dignidade. E, neste campo, a realidade ainda nos deixa muito aquém.

A Luta Armada de Libertação Nacional, nascida dos anseios profundos e seculares do nosso povo, conseguiu unir todas as camadas patrióticas da sociedade moçambicana em torno de um ideal comum: liberdade, unidade, justiça e progresso. O seu propósito maior era libertar não apenas a terra do domínio colonial, mas também o próprio Homem da opressão, da ignorância e da desigualdade. Meio século depois, resta-nos perguntar se esse sonho foi concretizado.

Hoje, continuamos dependentes de ajuda externa para sustentar o Orçamento do Estado. Precisamos de financiamentos do FMI, do Banco Mundial e de doadores para manter serviços essenciais a funcionar. Muitos dos nossos projectos só avançam se forem aprovados por “parceiros de cooperação”. Somos donos do solo, mas não controlamos o destino daquilo que dele sai. Exportamos carvão, gás, grafite, ouro e outros recursos, mas continuamos sem garantir energia eléctrica para todo o povo moçambicano ou água potável para todas as comunidades. E os nossos filhos continuam a estudar debaixo das árvores. Isto é independência?

Temos terras férteis, uma boa localização geográfica, clima favorável condições ideais para sermos autossuficientes em alimentos. E, no entanto, continuamos a importar produtos básicos da vizinha África do Sul. No mandato do ex-Presidente Filipe Nyusi, tivemos o projecto “SUSTENTA”, um projecto ambicioso que prometia transformar a agricultura nacional, mas cujos efeitos, até agora, são tímidos ou invisíveis para os pequenos produtores. Diz-se que a agricultura é a base do nosso desenvolvimento, mas não temos uma estratégia viável que realmente transforme o potencial em resultados. Continuamos reféns da importação.

Em 50 anos, o país ainda não conseguiu construir uma estrada que ligue o Rovuma ao Maputo. O Norte continua afastado do Sul, não apenas geograficamente, mas também em termos de desenvolvimento, infra-estrutura e acesso a serviços públicos. Este isolamento interno perpetua desigualdades e enfraquece a coesão nacional. Como celebrar 50 anos de independência nestas condições?

Mais de 60% da população moçambicana vive em situação de pobreza. Isto significa que mais da metade do país continua sem acesso a condições mínimas de bem-estar. Segundo o Banco Mundial (2023), apenas 39% da população tem acesso à energia eléctrica de forma fiável, e nas zonas rurais esse número desce para 9%. Como falar em justiça social num país onde a maioria vive na exclusão? Onde o acesso à educação, saúde, emprego e habitação digna continua a ser um privilégio de poucos?

Não digo isto por desrespeito a quem lutou pela libertação. Pelo contrário. Repensar a independência não é desvalorizar os heróis que nos deram o 25 de Junho. É, na verdade, honrar o seu sacrifício. É reconhecer que a luta não terminou com o levantar da bandeira nacional — apenas mudou de frente. Hoje, as batalhas são contra a pobreza, a corrupção, a exclusão, o desemprego e a dependência crónica.

E neste novo ciclo de governação recai sobre o Presidente Daniel Chapo a missão, não a de libertar a terra, pois essa já foi conquistada com sangue e sacrifício, mas a de libertar o povo da pobreza, da exclusão e da dependência crónica. Cabe-lhe transformar os ideais  de Samora Machel numa realidade viva, construindo um país onde a independência se traduza em soberania económica, justiça social e dignidade para todos. Esse é o verdadeiro sentido de continuar a luta. Esse é o desafio dos próximos 50 anos.

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