LAM: O voo raso da euforia precoce

EDITORIAL
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A LAM tem um talento peculiar, consegue estar sempre na ordem do dia, e quase sempre pelas piores razões. A companhia aérea de bandeira, que há muito deixou de ser motivo de orgulho nacional, volta agora à ribalta por uma decisão que diz muito sobre a sua forma de operar, sacrificar o passageiro quando poderia, com facilidade, poupá-lo.

O enredo é simples na essência, ainda que envolto no palavreado técnico da aviação. A Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) decidiu investigar a cobrança da sobretaxa de combustível, agora sob o código YQ, imposta pela LAM na sua venda de bilhetes. Esta taxa não nasceu ontem, não, é a velha YR, suspensa em 2021 por despacho ministerial de Janfar Abdulai, ressuscitada com novo nome e velhos efeitos. Uma jogada que, para o consumidor, traduz-se num golpe no bolso e, para a companhia, num atalho fácil para aumentar receita sem aumentar qualidade e não nem a sustentabilidade.

A ARC desconfiada, como qualquer um devia estar, abriu um inquérito. As contas foram postas na mesa, desde a estrutura de custos, formação de preços, quotas de mercado. Mas depressa se percebeu que o prazo inicial de seis meses era ingénuo. Entre a especificidade do sector, a complexidade do mercado e a teia de interesses cruzados, foi preciso prolongar a investigação

Mas se o passado da LAM é um álbum de fotografias amarelecidas pelo tempo, recheado de atrasos, falhas operacionais, dívidas e decisões questionáveis, o presente não está menos enevoado. E é aqui que entra Dane Kondic , o novo comandante da cabine executiva, sim, o novo PCA. Chegado com currículo técnico respeitável e discurso confiante, apressou-se a declarar que “tirou a LAM da cama”. A imagem é poderosa, mas traiçoeira, quem conhece o estado real da companhia sabe que, no máximo, ela abriu um olho e procurou motivos para celebrar.

O retrato real não é aquele. A LAM continua suspensa do sistema de pagamentos da IATA, o que na aviação equivale a estar fora do circuito civilizado de negócios. Não tem serviço de catering, o que retira dignidade à experiência do passageiro. A sua identidade moçambicana, outrora um cartão de visita, dissolve-se a cada parceria mal negociada e a cada decisão que a afasta da autenticidade que deveria defender, e tudo escondido no seu modelo de aquisição de aviões que, de alguma forma, opta pelo modelo ACMI, que além de dinheiro nos tira a dignidade. E no horizonte de investimentos, surgem aviões Q400, modelos de uma geração antiga, que dificilmente podem ser apresentados como símbolo de modernização.

Para agravar, permanecem as velhas dívidas a fornecedores e parceiros, que de tempos a tempos regressam à praça pública como lembrete de que as asas da LAM continuam presas por cordas financeiras. Há quem argumente que parte das dívidas à IATA já foi liquidada e que a activação do sistema é questão de tempo. Mas “pagar” não é o mesmo que “estar de volta ao jogo”. É como ter combustível no tanque e descobrir que o motor ainda está avariado, pois ao accionar a chave todo o pagamento é engolido pelas dívidas.

O problema da euforia precoce é que ela cria um falso horizonte. Um gestor apressado a proclamar vitória transmite à opinião pública a ideia de que a tempestade passou, quando o céu ainda está carregado. Pior, é que essa pressa em colher aplausos tende a reproduzir a arrogância e o descuido das gestões anteriores, aquelas mesmas que conduziram a LAM ao estado vegetativo em que a encontramos. A FMA conhece essa rota, os Marcelinos dessa vida também.

A companhia não precisa de discursos inflamados nem de anúncios triunfais. Precisa de credibilidade, de disciplina operacional, de recuperar o respeito de quem paga para voar e, sobretudo, de abandonar a cultura de empurrar problemas com a barriga. Num país sem infra-

estruturas e onde o transporte aéreo é vital para unir distâncias e encurtar desigualdades, a LAM não pode continuar a ser um símbolo de promessas não cumpridas, nem de triunfalismo precoce e desesperado.

Antes de se hastearem bandeiras de vitória, convém garantir que o avião tenha condições de levantar voo e permanecer no ar e não apenas de rolar pela pista enquanto se acena para a plateia. Porque, se há algo que a história recente da LAM nos ensina é que aterrar de emergência é sempre mais caro e mais doloroso do que voar com prudência.

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