Fortalecer a democracia é construir um futuro seguro para todos

OPINIÃO
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Nilza Dacal

Em regimes democráticos, o poder é uma delegação temporária da soberania popular, que nasce da confiança do povo e sustenta-se na legitimidade das instituições. No entanto, muitos líderes, seduzidos pelo brilho do cargo, confundem poder com propriedade, esquecendo-se de que a sua autoridade não é absoluta, mas condicionada às regras democráticas e à prestação de contas. Nesse descompasso entre a essência da democracia e a prática do governante germina o maior risco, perder o poder não pelas urnas, mas por vias abruptas e não democráticas.

A história recente mostra inúmeros governos que, ao se afastarem da transparência, da justiça e da participação dos cidadãos, precipitaram a própria queda. Em alguns casos, a rejeição popular transformou-se em explosões sociais, em outros, as forças armadas intervieram e evitaram que o pior acontecesse. Houve ainda situações em que pressões externas aceleraram a queda de líderes isolados e desacreditados. Em todos esses cenários, a origem é a mesma, a erosão da confiança popular e o enfraquecimento das instituições.

Governos que ignoram os princípios da boa governação cavam a própria instabilidade. A corrupção corrói a moral colectiva, a exclusão social alimenta revoltas silenciosas, e a repressão sistemática gera ressentimentos que cedo ou tarde explodem. A propaganda pode controlar a narrativa oficial, mas não manipula indefinidamente a realidade da fome, do desemprego e da desigualdade. Quando a vida quotidiana desmente o discurso, o tecido social se rompe e o poder perde legitimidade.

Um caso emblemático ocorreu este mês de Setembro no Nepal, quando protestos liderados pela Geração Z resultaram na renúncia do Primeiro-Ministro K.P. Sharma Oli e no colapso do governo em menos de 48 horas. O que começou como reacção ao banimento de redes sociais e visto como tentativa de silenciar críticas rapidamente evoluiu para uma revolta contra a corrupção, o desemprego juvenil e o nepotismo. Jovens organizados digitalmente desafiaram toques de recolher, enfrentaram repressão e chegaram a incendiar o parlamento em Katmandu. Apesar de a medida ter sido revertida, a pressão popular foi irresistível e o governo ruiu. O episódio revela que a indiferença dos governantes às demandas reais da sociedade cria um terreno fértil para rupturas abruptas e pode provocar crises profundas.

Um exemplo ainda mais profundo é o da Somália, que há mais de 30 anos vive sob instabilidade e ausência de Estado. Desde a queda de Siad Barre em 1991, a falta de instituições sólidas mergulhou o país em ciclos de violência entre clãs, milícias e grupos extremistas. Nesse vazio de legitimidade, floresceram a pirataria, a economia informal armada e a intervenção externa. Ali, o afastamento entre os líderes e o povo foi tão extremo que o próprio conceito de Estado se esvaziou, criando gerações inteiras acostumadas à insegurança permanente.

Outros exemplos africanos recentes reforçam esse alerta. No Mali em 2020 e 2021, no Níger em 2023 e na Guiné-Conacri em 2021, golpes militares foram apresentados como resposta à corrupção e ao fracasso da segurança. Contudo, revelaram sobretudo a perda de legitimidade dos governos civis e a incapacidade das instituições em responder às demandas sociais. O resultado não foi estabilidade, mas ciclos de desconfiança e retrocessos democráticos.

A queda de um governo por meios não democráticos não é apenas um fracasso de liderança, mas uma tragédia colectiva. A nação inteira paga o preço, as instituições fragilizam-se, os investidores retraem-se, a violência cresce e as feridas sociais demoram a cicatrizar. Pior ainda, cria-se o precedente de que o poder pode ser tomado fora das regras democráticas, inaugurando um ciclo de golpes e instabilidade crónica.

A responsabilidade maior dos líderes está em compreender que a democracia é mais forte quando se fortalece a participação, a transparência e a justiça. Respeitar os limites constitucionais preserva não apenas a própria imagem, mas também a estabilidade do Estado. Recorrer à manipulação, à repressão ou à corrupção compromete não apenas o próprio futuro, mas o destino da nação.

Exemplos como os do Nepal, da Somália, do Mali, do Níger e da Guiné-Conacri mostram que a desconexão entre poder e povo pode levar tanto a rupturas súbitas quanto a anarquias prolongadas. Em ambos os casos, o preço é alto e duradouro. O poder é transitório, mas as consequências da sua má gestão permanecem. Governar não é um exercício de vaidade, mas de responsabilidade, e a preservação da democracia não é tarefa exclusiva dos líderes: exige a participação activa de toda a sociedade. A legitimidade de um governante não está na força que exibe, mas na confiança que inspira. Quem se afasta da democracia cedo ou tarde verá o poder escorregar das mãos, enquanto a sociedade, frustrada, pode tornar-se protagonista de rupturas que custam caro a todos. O poder se sustenta enquanto estiver alinhado às demandas do povo, e a estabilidade só se mantém quando líderes, instituições e cidadãos compartilham o compromisso com uma governação justa e transparente. Cabe, portanto, a todos escolherem se querem construir uma história de respeito à democracia ou testemunhar ciclos de instabilidade, onde a ruptura não democrática se torna a porta mais amarga da política.

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