Finalmente, Venâncio Mondlane entra na disputa pelo poder com um partido sujeito às suas próprias regras

EDITORIAL
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O último fim-de-semana marcou não apenas o percurso de Venâncio Mondlane, mas também uma viragem no xadrez político nacional. Com o lançamento oficial do ANAMOLA na sua primeira conferência nacional, o país assiste ao nascimento de uma nova força partidária que, mesmo antes de disputar qualquer eleição, já se impõe como adversário a ser considerado nas estratégias dos partidos tradicionais.

Mondlane não chegou aqui por acaso. O seu percurso foi feito de passagens por vários partidos, de rupturas, de marcas deixadas, mas também de controvérsias. Sempre revelou dificuldades em submeter-se às regras impostas por estruturas alheias. A sua obsessão pelo protagonismo levou-o, por vezes, a rebentar com as próprias pontes que havia atravessado. Porém, essas dificuldades expuseram não só fragilidades como também aprendizagens, sinal de maturidade política adquirida no erro e na persistência.

Durante muito tempo, foi-lhe apontada a ausência de um partido da sua própria autoria, repetindo-se a acusação de que preferia “entrar onde os outros já tinham feito o maior trabalho”. Essa crítica parecia reduzir Mondlane a um político sem capacidade de criar algo do zero, alguém que apenas surfava em ondas criadas por terceiros. Mas eis que surge o ANAMOLA, invertendo essa narrativa. É como o filho rebelde, habituado à boémia e às noites de excessos, que finalmente decide casar e assumir compromissos públicos, sem abdicar da aura conquistada na rebeldia.

Mas a vida formal não é a mesma que a vida da rua. A política institucional exige mais do que carisma e contestação, exige estrutura, disciplina e consistência. O verdadeiro desafio de Mondlane não será apenas lançar o partido, mas mantê-lo presente no quotidiano dos moçambicanos, e não apenas em épocas eleitorais. A sustentabilidade dos partidos em Moçambique, como bem descreve Rosário Fernandes, é frágil, e sobreviver, de forma singular, vai exigir uma combinação de colectividade, pluralismo e transparência.

No entanto, talvez o maior obstáculo de Mondlane esteja dentro de si. O seu percurso na oposição mostrou uma constante: a dificuldade em conviver com sombras. Sempre quis ser o centro incontornável, o “one man show”, onde o indivíduo se sobrepunha à organização. Esse modelo pode ter funcionado para o jovem irreverente emprestado a partidos alheios, mas não basta para um líder de uma estrutura que pretende sobreviver para além da sua pessoa.

Um partido não é um reflexo de humor, contradição ou falhas de um indivíduo, é uma casa colectiva, construída para durar. Para isso, ANAMOLA precisará de figuras que transcendam o ego, como Rosário Fernandes, capazes de dar equilíbrio e evitar que o partido se transforme em mera extensão do líder. A tentação de se rodear apenas de vassalos pode ser confortável no imediato, mas é a receita certa para repetir os erros do passado.

A Renamo deixou-lhe essa lição. Quando a liderança não admite sucessão nem divisão saudável de poder, o partido definha. E a Frelimo, o adversário maior, que se confunde com o próprio Estado, certamente usará o passado de Mondlane, o “menino das ruas”, para tentar inviabilizar o futuro do seu presidente. Se este novo projeto for apenas mais uma encenação do “homem só”, rapidamente perderá fôlego.

O desafio de Mondlane é, pois, abandonar a lógica do sujeito para abraçar a lógica da estrutura. Construir um partido que não dependa apenas do seu nome, mas que sobreviva às mudanças de ciclo, às suas próprias falhas e às inevitáveis contradições. Só assim o ANAMOLA poderá deixar de ser promessa e confirmar-se uma alternativa real no poder.

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