O que o diálogo pode e o que não pode resolver

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

Olá, diálogo, sê bem-vindo. Já estávamos à tua espera faz tempo. Finalmente começaste. Há muitas expectativas à volta de ti. Vê-la se não nos decepcionas. Alguém dizia-me que tu não mandas em nada. Quem tem a faca e o queijo na mão é a Frelimo e é pura verdade.

Sabes por quê? Simples. É maioritário em todo o lado. Na Assembleia da República, nos órgãos eleitorais e no Conselho Constitucional. Como se isso não bastasse, manda na polícia, nos tribunais e domina a economia. Por isso podes vir com os teus argumentos, ideias ou propostas, se não quiser, não irão passar.

Ainda assim, dizem que vais resolver todos os problemas do país, desde políticos, económicos e sociais. Tens essa grande responsabilidade de buscar respostas para as preocupações que se levantam. Oxalá que seja assim.

Diálogo, responde-me uma coisa com sinceridade: Será que irás acabar, também, com o roubo de votos? Significa que contigo passaremos a ter, verdadeiramente, eleições livres, justas e transparentes? Que é desta vez que não haverá apagões na hora da contagem de votos, que as urnas não sairão, nunca mais, pelas janelas? Quer dizer, então, que o sistema eleitoral deixará de fabricar resultados, produzir falsos vencedores e falsos vencidos?

Amigo Diálogo, desculpa-me por estar a encher-te de perguntas, mas é porque eu já não acredito em nada. Tenho que ver para crer. Estou decepcionado com o que acontece no país. Não é o Diálogo que vai fazer com que a Polícia da República de Moçambique entenda, de uma vez para sempre, que é republicana. Não está para servir os interesses de um partido político, mas de todos nós e com igual tratamento.

Diálogo, perdoa-me, mas não é preciso a tua intervenção para a despartidarização dos órgãos eleitorais, do Conselho Constitucional e torná-los independentes. Não, senhor. Também não acho que sejas peça-chave na revisão da Constituição e do pacote eleitoral para acomodar certas situações e introdução do sistema de votação electrónica. O governo e a Assembleia de República, ambos com iniciativa de lei, podem resolver esses assuntos.

A educação e a saúde é uma questão de políticas e de investimento, como é o caso da reactivação do ensino técnico-profissional básico que forma operários, nomeadamente pedreiros, carpinteiros, electricistas, canalizadores e outros. Alocar carteiras nas escolas. Equipar salas de química e biologia para ensaios técnicos. Dotar os hospitais de equipamento de diagnóstico e tratamento dos doentes. Apetrechar as farmácias dos hospitais públicos de medicamentos. Estes assuntos são da competência exclusiva do governo. O diálogo não entra em nada.

Diálogo, sei que me vais dizer que não há dinheiro. Compreendo, não temos dinheiro, mas temos que aceitar que gerimos mal o pouco de que dispomos. O Estado está falido, sim. O que me intriga é que há dinheiro para roubar. Há pouco, tomei conhecimento de que 17 funcionários desviaram 11 mil milhões de meticais e depositaram em Bahamas.

Foram descobertos, igualmente, mais de 18 mil funcionários fantasmas, sistema já com barbas brancas através do qual se saca milhões de meticais do erário público, para não falar de outros milhões que saem por via de concursos milionários. Afinal há dinheiro ou não? Eu já não sei dizer.

Sei que és muito importante. É dialogando que as pessoas se entendem. Contigo iremos dizer que Moçambique queremos. Tu serves, muito bem, para traçarmos as grandes prioridades e metas de cumprimento obrigatório por quem estiver a governar o país. Definirmos sonhos. Dizer que daqui a 30 anos temos que ser auto-suficientes na produção do arroz e trabalharmos para tal.

Massificar a produção do cereal a ponto de cada moçambicano ter o seu canteiro no quintal, como acontece noutros países. Temos condições para isso: terra fértil, água abundante e mão-de-obra. Basta a vontade política. Mobilizar meios e alocá-los aos camponeses ou agricultores, nomeadamente sementes de qualidade, tecnologias acessíveis ao cidadão, assistência técnica e financiamento.

Dizer que daqui a 50 anos temos que viajar no metro pelo menos em Maputo e, por que não, na Beira e Nampula. Estabelecer a ligação sul, centro e norte através de uma linha ferroviária para permitir a mobilidade dos moçambicanos.

Naquilo que é o grande problema deste país, duvido que sejas a solução. Desde 1994, nas primeiras eleições multipartidárias, até hoje, só se fala de fraude. Cada vez está a sofisticar-se e a disseminar-se de uma forma assustadora. Roubam-se votos à luz do dia e sem responsabilização. Os que o fazem são atrevidos, de tal forma que já não usam, sequer, a máscara para esconder a sua face.

Em Moçambique, dorme-se com um resultado e acorda-se com o outro. Quem estava em primeiro lugar passa para o segundo e vice-versa. Essas operações são feitas nas mesas. Aqui, o dinheiro resolve tudo. Com dois mil ou cinco mil meticais, alguém vende a pátria. Compromete eleições. Contraria aquilo que foi a vontade do povo.

Diálogo, tu és moçambicano. Sabes muito bem do que estou a falar. Melhor do que eu, sabes que os resultados nunca foram aceites por falta de transparência em pleitos eleitorais.

Diálogo, será que vais conseguir resolver todas estas questões? Não acredito. Tenho as minhas dúvidas. É que roubar votos ou manipular os resultados tornou-se numa forma de ser e estar neste país. Mesmo em eleições internas de partidos políticos, organizações da sociedade civil ou socioprofissionais, há sempre barulho.

Há poucos dias, a Confederação das Associações Económicas (CTA) anulou eleições internas num conselho provincial por fortes indícios de fraude. Houve barulho, também, nas eleições a nível da Ordem de Advogados. Detectaram-se, inclusive, casos de falsificação de documentos no processo de candidaturas.

Não é novidade para ninguém que passou a ser uma prática corrente comprar consciência das pessoas. Quando se está em eleições nas organizações, circulam envelope nos corredores. Paga-se para ser votado. É assim a vida. Situações destas acontecem mesmo no partido Frelimo. Todo o mundo sabe disso. Há alguns camaradas que ascenderam a cargos políticos ou integram órgãos internos não por mérito, mas, sobretudo, porque pagaram para serem votados.

Diálogo, permite-me insistir com a pergunta: Será que vais conseguir, mesmo, acabar com estes comportamentos? Duvido muito. Não estamos a falar de problemas políticos como tal ou económicos, muito menos sociais. São, isso sim, problemas de mentalidade das pessoas, de consciência e, acima de tudo, de responsabilidade individual.

A solução passa por ter a consciência de que ao roubar votos ou manipular os resultados eleitorais está a desacreditar os processos eleitorais e a prestar mau serviço aos moçambicanos. Em última análise, compromete os objectivos ou o futuro do país. Suja a imagem de Moçambique perante a comunidade internacional. Semeia a confusão entre os cidadãos.

A corrupção está enraizada de tal forma que dificilmente se pode resolver através de ti, diálogo. Acredita. Sei que não concordas comigo. Estás cheio de energias e feito num Messias ou no próprio Deus que veio salvar a humanidade. Tudo bem. Vamos a isso.

Espero que esteja, mesmo, enganado. Talvez estou a subestimar-te quando, afinal, trazes contigo uma varinha mágica para arrumar estes assuntos todos. Surpreende-me que irei gostar. Os outros moçambicanos, também. Todos nós levantar-nos-emos, bateremos palmas para ti, se nos trouxeres alegrias.

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