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- Dívidas do Estado arrastam empresas de construção civil à falência
O antigo Presidente da República, Armando Guebuza, e a Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME) convergem na defesa de uma participação mais activa dos empreiteiros nacionais nas grandes obras públicas, num momento em que o sector enfrenta sérias dificuldades financeiras e estruturais. Enquanto o antigo estadista apela à autoconfiança e à mobilização dos construtores nacionais para assumirem o protagonismo no desenvolvimento do país, a FME denuncia que um montante de dívida de cerca de 14 mil milhões de meticais, acumulado ao longo da última década, está a levar várias empresas de construção civil à falência.
Elísio Nuvunga
No âmbito das comemorações dos 20 anos da Federação Moçambicana de Empreiteiros (FME), uma delegação daquela agremiação visitou, semana finda, o antigo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza (AEG), para convidá-lo a ser patrono desta efeméride dado o papel do seu governo enquanto chefe de Estado para a criação da nossa organização e dinamização do sector de construção no País.
Falando na ocasião, Armando Guebuza recordou que os empreiteiros moçambicanos dispõem de experiência e competência para conduzir projectos de grande dimensão, mas precisam de reforçar a sua organização e acreditar mais nas suas capacidades.
O antigo chefe de Estado, que teve um papel determinante na criação da FME, defendeu que o país deve celebrar os seus profissionais e apostar neles como motores da transformação nacional.
“Temos de celebrar as nossas riquezas, a nossa auto-estima e a nossa capacidade de transformar este mundo num lugar melhor. Os empreiteiros moçambicanos são fundamentais para o desenvolvimento do país”, afirmou Guebuza, sublinhando que o fracasso deve ser encarado como uma oportunidade de aprendizagem.
Por sua vez, o presidente da FME, Bento Machaíla, destacou que o sector atravessa uma crise profunda devido à dívida acumulada pelo Estado nos últimos dez anos, durante o mandato do então Presidente da República, Filipe Nyusi.
“Nos últimos anos, o Estado acumulou uma dívida enorme. Temos a informação de que essa dívida, acumulada ao longo de dez anos, é de 14 mil milhões de meticais que o Estado está a dever aos empreiteiros. E temos empresas a encerrar”, lamentou Machaíla.
Machaíla revelou ainda que a falta de pagamento tem levado muitas empresas a perderem capacidade técnica e financeira, impossibilitando-as de competir com as construtoras estrangeiras, que continuam a dominar o mercado nacional.
“Hoje mesmo recebi informação de que há uma empresa grande, membro da nossa federação, que decresceu de 7.ª para 4.ª classe e que apenas mantém os escritórios abertos, vivendo na expectativa de que o Estado pague a dívida. Essa empresa já não concorre a obras, porque há receio de o Estado não honrar os compromissos”, acrescentou.
Machaíla denunciou ainda o que considera ser falta de patriotismo por parte de algumas instituições públicas, que, segundo disse, continuam a favorecer empresas estrangeiras.
Um dos pontos críticos é a revisão da lei que retirou a obrigatoriedade da fiscalização prévia de contratos financiados por parceiros internacionais, como o Banco Mundial e a União Europeia.
“Não entendemos por que razão foi retirada essa obrigatoriedade. A revisão sistemática da legislação acabou favorecendo empresas estrangeiras. Isso é um movimento anti-patriótico que estamos a tentar corrigir junto do Governo”, declarou o presidente da FME.
Revisão do decreto do Laboratório de Engenharia
Para colmatar essas fragilidades, a FME defende a revisão do decreto que cria o Laboratório de Engenharia de Moçambique, com vista a restabelecer o controlo técnico obrigatório das obras públicas. Segundo Machaíla, a exclusão dessa exigência nos concursos públicos tem comprometido a durabilidade e a segurança das infra-estruturas construídas.
“Ao retirar essa exigência, o país ficou prejudicado. Antes, o empreiteiro era obrigado a reservar uma verba para ensaios laboratoriais, o que garantia maior rigor técnico. Hoje temos infra-estruturas que duram pouco tempo por falta de controlo”, explicou.
Má qualidade de obras
A FME revelou, igualmente, que foram instaurados processos-crime contra algumas empresas de construção civil na província de Tete, devido à má qualidade das obras executadas. Uma das empreitadas em causa, financiada pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), apresenta alegadas falhas técnicas, nomeadamente na espessura do pavimento, o que levou à intervenção conjunta da Procuradoria-Geral de Tete, do Laboratório de Engenharia de Moçambique e da Administração Nacional de Estradas (ANE).
“Estamos a trabalhar com a Procuradoria-Geral de Tete, o LEM, a ANE e a entidade contratante para aferir o cumprimento das normas. É preciso garantir que o dinheiro investido resulte em obras duráveis e seguras”, referiu Machaíla, acrescentando que a FME vai deslocar-se à província para acompanhar o processo.
Situações semelhantes foram igualmente identificadas na Cidade de Maputo. A Federação promete pronunciar-se brevemente sobre irregularidades em projectos de reabilitação de estradas, reforçando a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa.
“Estamos a celebrar as estradas bonitas, mas não sabemos o que vai acontecer daqui a pouco tempo. É preciso garantir que a beleza corresponda à qualidade e durabilidade das infra-estruturas”, advertiu o presidente da FME.
No encerramento do encontro, Machaíla apelou ao Governo que priorize as empresas nacionais na adjudicação de obras públicas, de modo a fortalecer a economia, gerar emprego e valorizar o saber técnico moçambicano em detrimento das “mãos” estrangeiras.



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