As consequências de uma pátria individualizada

EDITORIAL
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Em muitos pontos, nós, moçambicanos, convergimos quando pensamos no País que desejamos ver nascer. Quando imaginamos uma nação desenvolvida, com infra-estruturas sólidas, sectores essenciais – como saúde, educação, agricultura e transportes – a funcionar com eficiência e dignidade, partilhamos o mesmo sonho. Independentemente das nossas inspirações políticas, religiosas ou ideológicas, há um consenso silencioso de que o País precisa de mudança. E essa mudança deve ser profunda, estrutural e duradoura.

No entanto, é precisamente no momento em que somos chamados à responsabilidade que começamos a divergir. Divergimos quando o futuro deixa de ser apenas uma ideia e se transforma numa exigência de participação activa. Divergimos quando a mudança exige não apenas opiniões de qual deve ser a nossa bandeira, mas compromissos de como podemos aumentar a nossa produtividade, ou seja, não apenas críticas, mas atitudes, não apenas desejos, mas contributos individuais e colectivos. Nesse instante, muitos de nós afastamo-nos e entregamos a responsabilidade total ao poder político, como se o País fosse uma entidade distante, administrada por outros e sem relação com as nossas escolhas, comportamentos e omissões.

A administração pública, por sua vez, reforça este equívoco ao adoptar uma postura de arrogância e exclusão, como se governar fosse um privilégio e não um serviço. Persiste uma visão ultrapassada, herdada de um passado centralizador, que vê o Governo como o único detentor de soluções e como o espaço exclusivo onde residem competência, legitimidade e inteligência. Esse fechamento político, institucional e até mental torna-se cúmplice da estagnação que tanto criticamos.

Contudo, uma sociedade desenvolvida sabe que nenhum país avança quando o peso do seu futuro recai apenas sobre um grupo, seja ele político, económico ou social. O desenvolvimento exige uma mentalidade colectiva, uma compreensão genuína de que todos são relevantes, de que cada função é complementar e de que a soma das partes é sempre maior do que qualquer esforço isolado.

A ausência dessa mentalidade colectiva é, hoje, um dos factores que mais mina o futuro das nossas organizações, públicas ou privadas. Afinal, sem espírito de pertença, não há responsabilidade, sem corresponsabilidade, não há progresso. E quando o individualismo supera o bem comum, o que nasce não é uma nação, mas um arquipélago de interesses desconexos, um terreno fértil para cartéis e nhonguismo.

A arrogância, a prepotência e a exclusão tornaram-se quase palpáveis na nossa administração. E esses vícios não são apenas características comportamentais, são veículos de reprodução de má gestão, onde a corrupção aparece não como causa inicial, mas como consequência inevitável. Não é por acaso que nos encontramos frequentemente nas últimas posições de rankings internacionais, seja pela percepção generalizada de corrupção, seja pela fragilidade das nossas instituições, incapazes de garantir serviços básicos com eficiência e dignidade.

Chegámos ao ponto de sermos um dos poucos países do mundo sem uma estrada que ligue todas as províncias. Este facto não é apenas um problema de engenharia, é um símbolo gritante da falta de visão colectiva, da incapacidade de coordenar esforços, de planear para todos e não apenas para alguns.

A visão da ascensão política como sinónimo de sucesso individual alimenta frases que já entraram no vocabulário nacional, como “a Frelimo vai governar até Jesus voltar” ou “agora é a nossa vez de comer”. Essas expressões ditas com naturalidade perturbadora revelam uma percepção deturpada dos partidos políticos, que passam a ser vistos não como instituições de serviço público, mas como organizações de acesso a oportunidades pessoais.

É nesse ambiente que o eleitorado, muitas vezes, deixa de escrutinar propostas e passa a olhar para as eleições como um ritual de doações, favores e pertenças. A cidadania transforma-se num acto simbólico, e não num exercício consciente de construção do futuro colectivo.

Enquanto não compreendermos que o pPaís só avança quando o “nós” se sobrepõe ao “eu”, continuaremos presos ao ciclo de expectativas frustradas. O futuro exige uma nova mentalidade, uma mentalidade colectiva, participativa, crítica, responsável e comprometida. Sem ela, nenhuma organização prospera. Sem ela, nenhum país se desenvolve. Sem ela, o futuro continuará sempre a atrasar.

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