Chega de discursos sobre “mão externa” para esconder a realidade

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

Em Moçambique, os políticos têm o mau hábito de não reconhecer os seus erros. Procuram, sempre, desculpas ou bodes expiatórios para escaparem da culpa. Chamam nomes aos que lhes criticam ou que se manifestam exigindo os seus direitos.

As populações, entre jovens escolarizados, mas sem emprego, saíram à rua, de Outubro de 2024 a esta parte, para exigir melhores condições de vida. Foram rotulados vândalos. Mandaram a UIR chamboquear-lhes e lançar gás lacrimogéneo sobre eles para os dispersar.

Uns morreram. Outros ficaram feridos ou com marcas indeléveis de violência movida por alguns agentes da polícia. Houve destruições e saques em algumas lojas, armazéns, em alguns casos como retaliação à acção policial que disparava para matar.

Os políticos, movidos pela arrogância, não querem admitir que as populações vivem mal porque o país foi mal governado. Sem rumo ou estratégia clara o desenvolvimento. Com 50 anos, o país continua a debater-se com problemas básicos como fome, saneamento, falta de água e energia, saúde e educação de qualidade.

Foi por não querer reconhecer que houve sucessivos erros de governação que empurraram o país para a desgraça e pobreza, falta de oportunidades para os jovens, que o governo evocou a existência de “mão externa” na organização e gestão das manifestações.

Para o executivo, os moçambicanos não fariam o que fizeram de se despirem do medo até de morrer por sua própria iniciativa. O normal era que ficassem calados, como sempre, a engolirem sapos. A fecharem a boca ante injustiças, deterioração da sua qualidade de vida, gerando um descontentamento generalizado.

Não falarem nada mesmo em presença de arbitrariedades, desigualdades sociais, assimetrias regionais, nepotismo, compadrio e abuso de poder. Porque quando se manifestam, estão a cumprir uma agenda externa e não a sua própria agenda como moçambicanos.

O que não sabiam é que esses moçambicanos, antes passivos, acordaram. As manifestações convocadas para reivindicar a justiça eleitoral despertaram nas populações o sentido de cidadania. Hoje, qualquer um sabe o que é lutar pelos seus direitos.

Com essa sua mania de atribuir culpa aos outros, as recentes eleições na OJM, no comité de zona de Muatala, em Nampula, terminam em pancadaria. A Frelimo, chamada a pronunciar-se, diz que não foram jovens da organização, mas, isso sim, infiltrados, a “mão externa”.

Para o partido, uma confusão daquela não pode ter sido feita pela OJM, mas por pessoas estranhas à organização. É a “mão externa” ou a fraude eleitoral que agitou as águas na sala e que os jovens aprenderam dos mais velhos? Pois é.

É que o cenário aconteceu numa pequena comunidade em que todos se conhecem. Logo afasta-se a possibilidade de alguém ter-se metido naquele ambiente frelimista. Significou negar o inegável. Que não houve “mão externa” coisíssima nenhuma. As eleições terminaram como terminam os pleitos eleitorais no país: sempre em confusão.

Há dias, a segunda força política do país, o PODEMOS, convocou, por sua vez, eleições para a escolha do seu secretário-geral. O acto, que era suposto ser um momento de festa, culminou com uma bagunça em que os membros abandonaram a sala amargurados. O desfecho não foi o que se esperava. Surpreendentemente, este partido também atribuiu a culpa pela situação à “mão externa”.

Da votação feita, com a participação de quatro candidatos, o académico Alberto Ferreira ficou em primeiro lugar com 37 votos, contra 28 do seu directo perseguidor. Foi “mão externa” ou falta de organização, solidez e maturidade política da parte do PODEMOS?

Em condições normais, sendo que quer os estatutos, quer a directiva eleitoral não estabelecem que o vencedor tinha que reunir 51 por cento dos votos, Ferreira venceu com uma maioria simples. Para a surpresa de alguns membros, o acto eleitoral foi anulado, alegando que nenhum dos candidatos atingiu a fasquia de 51 por cento, o que força a segunda volta, a acontecer daqui a quinze dias.

Por incrível que pareça, a Renamo, na pessoa do seu porta-voz, evocou, também, “mão externa” como sendo a que está por detrás do assalto, por parte dos ex-guerrilheiros, das sedes do partido nas capitais provinciais e, agora, à sede nacional, em Maputo. É mão externa ou a arrogância da parte da direcção da Renamo que não está interessada em resolver o problema que está por detrás da crise?

As motivações são claras. O que os ex-guerrilheiros querem como condição para libertarem as delegações políticas da Renamo, hoje nas suas mãos, incluindo a sede nacional, é simples: a demissão imediata de Ossufo Momade do cargo de presidente do partido. Eles não o querem mais à frente da “perdiz”. Ossufo perdeu a legitimidade e não está em condições de poder continuar a dirigir a Renamo.

Em vez de atacar o problema que os antigos guerrilheiros levantam, Ossufo Momade opta pelo silêncio absoluto. Desapareceu da circulação e a imagem da Renamo está a degradar-se a cada dia que passa. A comissão política, que se reuniu há dias, em Maputo, passou ao lado do assunto. Defraudou as expectativas do público e dos próprios ex-guerrilheiros, que ameaçam assaltar as casas do seu chefe Ossufo Momade.

Quando se esperava que tomasse a decisão de convocar o Conselho Nacional para este, por sua vez, anunciar a realização de um congresso extraordinário para a eleição do novo presidente da Renamo, aconselhou os ex-guerrilheiros a organizarem uma conferência nacional para discutirem os seus problemas. Com que dinheiro? Aquele órgão está completamente desalinhado e numa manobra dilatória só para ganhar tempo. Os ex-guerrilheiros sabem o quer. Não precisam de se reunir para nada.

Caros políticos, deixem de arranjar subterfúgios para justificarem os vossos erros ou fracassos, a incompetência, a desorganização, a incapacidade ou irresponsabilidade. Sejam sérios convosco próprios e com o público em geral para que possam merecer a confiança e a credibilidade perante o povo. Aprendam a encarar os problemas de frente e a serem humildes. Não nos venham com discursos infundados como o de “mão externa” para tentarem convencer-nos de que quem está errado são os outros. Vocês estão sempre certos. Chega.

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