Estaria a LAM a financiar indirectamente uma transição de carreira para o seu próprio gestor?

EDITORIAL
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A crise da LAM não é nova. Tampouco o é a tentação de buscar salvadores estrangeiros sempre que a empresa nacional de aviação se afunda mais um pouco na sua própria turbulência. O que muda são os protagonistas, e os enredos, que tendem a ser cada vez mais inverosímeis. O caso mais recente é o de Dane Kondic, nomeado há dois meses como Presidente do Conselho de Administração da LAM, e que agora está no centro de uma polémica digna de um enredo internacional.

Na última semana, enquanto se esperava que Kondic estivesse a cuidar de “assuntos familiares” em Portugal, como justificou a sua partida, emergiu a informação de que foi nomeado para liderar a Air Botswana, uma companhia concorrente. A notícia apanhou de surpresa os trabalhadores da LAM, a Comissão de Gestão e, aparentemente, o próprio país. As coincidências entre a sua viagem e o anúncio da nova nomeação são, no mínimo, perturbadoras.

Pior, há apenas duas semanas, Kondic deslocou-se a Botswana em missão oficial da LAM, supostamente no âmbito dos esforços de reestruturação da companhia. Agora, à luz dos novos factos, essa missão ganha contornos suspeitos: teria sido, na prática, uma entrevista de emprego disfarçada? Estaria a LAM a financiar indirectamente uma transição de carreira para o seu próprio gestor?

A Comissão de Gestão, visivelmente apanhada de surpresa, limitou-se a emitir um comunicado vago no domingo, e reuniu-se no dia seguinte com os trabalhadores para transmitir a mensagem de que está à espera de esclarecimentos, mais precisamente, do regresso de Kondic de Portugal — para discutir a sua exclusividade. Mas a questão fundamental persiste: existia ou não uma cláusula contratual que obrigava o PCA a dedicar-se exclusivamente à LAM?

Se não existia, o erro é da própria Comissão e dos decisores que negociaram os termos da contratação, incluindo o baralhado ministro de Transporte e Logística e do conselheiro económico (Magala), o suspeito de sempre, que em países sérios não devia ter palavra nesse processo. Se existia, estamos perante uma violação ética grave, que deve ter consequências. Em qualquer dos casos, o dano reputacional está feito. E com ele, mais uma camada de descredibilização recai sobre a gestão pública, num sector que exige transparência e estabilidade.

Nos corredores da aviação e nos grupos de trabalhadores, já se questiona se a LAM não terá sido usada como trampolim por Kondic para alçar voos mais lucrativos. Afinal, em apenas dois meses, sem apresentar resultados visíveis ou qualquer plano sólido de recuperação, o gestor estrangeiro parece ter feito da empresa moçambicana uma vitrina de visibilidade regional, e saiu, sem cerimónias, para um novo cargo, agora do outro lado da fronteira.

Este episódio deixa claro que a solução para os problemas estruturais da LAM não virá de fora. O que falta não são gestores importados com currículos impressionantes, mas uma abordagem séria e enraizada à reforma da companhia, com transparência, contratos sólidos, responsabilização e, acima de tudo, compromisso com o interesse público.

A dependência quase crónica de expertise externa, muitas vezes sem a devida supervisão ou clareza contratual, tornou-se uma fórmula desgastada e disfuncional. O caso Kondic apenas expôs, mais uma vez, a fragilidade de um sistema que aposta mais em nomes do que em estratégias. E num momento em que a confiança dos moçambicanos na gestão das suas instituições públicas está em declínio, casos como este são mais do que embaraçosos, são tóxicos.

A LAM precisa de levantar voo, mas não o fará enquanto continuar a servir de escala para ambições privadas disfarçadas de serviço público, incluindo os apetites políticos que facturam com esses acordos nada transparentes. E, neste cenário, a pergunta que resta é uma só: quem está, de facto, ao comando? E talvez a segunda, se temos já bem posicionados os quatro consultores da Knighthood Global, qual é a relevância da Comissão da Gestão se curvar ao Dane Kondic?

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