As riquezas de Cabo Delgado amaldiçoaram-nos em dois níveis. Primeiro, levaram a criação de um inimigo sem causa e sem rosto e depois precipitam-nos a fazer vista grossa às vítimas da guerra, cegando-nos para redobrar todos os esforços a convencer os suspeitos investidores de uma calmaria cada vez mais distante para os que abandonaram as suas residências devido a maldita insurgência. As reais vítimas estão na condição de deslocados e temem em voltar às suas casas. Os que estão na sede de Macomia ou Mocímboa da Praia, devido a presença fixa de militares, aceitam o desafio, apesar das incertezas.
Para estes deslocados, o Governo não deu garantias para voltar e nem para não voltar. Está preocupado em garantir a segurança até onde a visão de franceses consegue enxergar, porque a preocupação é mesmo ver a riqueza a ser explorada, não importa as condições em que isso ocorre, quando podíamos nos ocupar a extinguir os terroristas que, de acordo com os discursos oficiais, estão fragilizados e viraram nómadas. Mas não, a semelhança das dívidas ocultas, o objectivo é agradar os de lá, fechar-se aos daqui e não mexer na raiz do problema.
A evolução no Teatro Operacional Norte permitiu que distritos completamente inabitáveis experimentassem uma relativa calma, o que levou a retoma dos deslocados que, não encontrando melhores condições nos campos de acolhimento, olharam para trás, e, nos escombros, tentaram reiniciar a vida. Coincide, no entanto, que o perímetro das áreas seguras, onde o Governo através das FDS, com auxílio de Ruanda e SADC, apertou o cerco e criou uma espécie de Estados Militares, limita-se as sedes destas vilas, deixando as aldeias periféricas sem mínimas condições para a retoma dos deslocados. Com a excepção de Palma, os demais distritos têm um perímetro de segurança limitado, oferecendo apenas uma estabilidade parcial e incerto, como se assiste em Mocímboa da Praia, arrancado dos insurgentes há dois anos, mas ainda com aldeias praticamente inabitáveis, como é caso de Chitolo.
O mesmo se assiste nos distritos de Meluco, Quissanga e Ancuabe, que consta de áreas seguras, ignorando-se o facto de existir aldeias completamente desprotegidas, por causa da incapacidade de cobertura. No caso de Quissanga, nem seu administrador conseguiu retomar, trabalhando a partir de Metuge.
O que o Governo e seus aliados fizeram foi criar condições de segurança nas zonas que lhe interessa, naquele triângulo que cobre Mueda, Palma e Mocímboa da Praia, destacando seus amigos ruandeses distribuídos em lugares estratégicos e com acesso exclusivo ao alto mar (onde não se vê qualquer barco de patrulha nacional), ao porto e total controlo de Aeródromo de Mocímboa da Praia, que funciona mais como extensão de Ruanda em Cabo Delgado, acolhendo sua base militar e policial, com mais homens de lá e alguns polícias de cá.
É a clara ilustração de que todos esforços empreendidos são para salvar os interesses económicos, enquanto as vítimas não podem voltar para casa. Razão pela qual não há comunicação oficial para que os deslocados abandonem os campos de acolhimento, mas também não proibição, apenas imposição para os funcionários de Estado nas zonas libertadas. As condições precárias dos centros de Acolhimento acabam pressionando aqueles que têm residências nas sedes ou nas aldeias próximas das sedes a optar por retoma, desafiando a incerteza de um novo ataque.
O mesmo silêncio de volta ou não volta não se verifica quando o assunto é a TotalEnergies, que condiciona a sua retoma a segurança para seus homens e infra-estruturas. O Executivo disse explicitamente a este que há condições para a retoma dos trabalhos, depois de vender uma narrativa de planos de reconstrução que na prática só existe em Palma, enquanto a administração de Mocímboa da Praia funciona em contentores, uma clara indicação de que a preocupação é mesmo de impressionar a TotalEnergies no lugar de resolver a problemática de insurgência em todos níveis e criar condições de retoma.
Infelizmente, um voo de Pemba a Palma não permite nem visualizar as ameaças que os camiões que transportam carga para construção em Palma se submetem. É preciso aceitar o desafio de percorrer os 400 km de estrada, a mesma que é usada para transporte de carga. É na mesma estrada N380, que, semana passada, foram reportados três, enquanto em Mueda, o troço que liga aquele fortificado distrito com Mocímboa da Praia/ Palma ou Pemba, encontra-se desde sábado em total silêncio devido ao medo.
Esta é a maldição dos nossos recursos, que fazem o Governo concentrar todos os esforços de segurança até aonde a visão dos franceses consegue enxergar, quando V Congresso, Chai, Litamanda, Miangalewa, Muala, Nantandola, Xitaxi permanecem em escombros. É a maldição dos recursos quando, na semana, em que o CEO da TotalEnergies visita Moçambique, sem qualquer aviso prévio, os terroristas decidem intensificar ataques e anunciam nas suas plataformas o horror que causaram em Meluco. É a inteligência e a propaganda a tentar fazer chegar aos investidores de que a situação não está controlada, deixando claro que a insurgência está inteiramente ligada a riqueza de Palma. Mas por enquanto, há que reflectir sobre as condições das comunidades, preteridos no lugar da TotalEnergies.
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