BdM impõe limites às posições cambiais: medida técnica ou o epílogo de uma crise sistémica?

EDITORIAL
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São múltiplos os temas a exigir um olhar mais demorado, desde o Fundo de Desenvolvimento Económico Local (FDEL), que, por detrás das banalidades interpretativas que o envolvem, continua a carregar uma intenção nobre de redistribuição de oportunidades para a juventude, até ao terrorismo no Norte, que, apesar da retórica apaziguadora em Maputo, segue a mobilizar um exército de deslocados e a expor o pouco o nada que efectivamente mudou no terreno. A fuga da Fastjet para o Zimbabwe, levanta, por sua vez, inquietações sobre as promessas (mercado aberto) vazias de um Estado que, confundido com o Governo e por extensão com o partido, engendrou um projecto aéreo que redundou em prejuízos estimados em dois milhões de dólares, o preço de uma confiança traída.

Mas concentremo-nos num tema que não distingue geografias nem sectores, que é o Aviso n.º 4/GBM/2025, recentemente publicado pelo Banco de Moçambique. Uma medida técnica à superfície, mas que, à luz do contexto, é de uma profundidade política e económica desconcertante. Trata-se da imposição de limites excepcionais às posições cambiais dos bancos comerciais, uma tentativa declarada de mitigar a escassez de divisas no país. Uma acção que surge dias após o Presidente da República, Daniel Chapo, ter corroborado publicamente a tese do regulador de que os bancos comerciais não estão a cumprir o seu papel no abastecimento do mercado cambial.

A acção do BdM visa, em tese, restaurar o equilíbrio e travar a especulação, mas levanta suspeitas sobre a real dimensão da crise. A narrativa de estabilidade monetária esconde um sistema financeiro marcado por tensões institucionais, falta de transparência e um desequilíbrio estrutural entre os interesses do sector bancário e as necessidades do país. Os bancos, com reservas vultosas em moeda estrangeira, muitas vezes deslocadas para canais paralelos ou transacções de difícil rastreio, contrastam com um tecido produtivo sufocado pela escassez de divisas para importar insumos e matérias-primas. O resultado? Fechos silenciosos de empresas, perda de empregos e uma recessão que ganha raízes.

Enquanto isso reina o silêncio. Um silêncio estratégico. O sector financeiro, que lucra em tempos de bonança e se protege nas tempestades, evita confronto directo com o regulador. Críticas ao BdM existem, mas morrem à porta dos conselhos de administração. A verdade é que os bancos vivem numa zona de conforto, alimentada pel arrogância com que gere os clientes (?), ou pelo financiamento do défice estatal e por uma arquitectura legal que os blinda contra quase todas as responsabilidades sociais. Como num edifício de vidro, qualquer pedra atirada contra o sistema cambial corre o risco de estilhaçar as paredes que protegem os privilégios de poucos.

Neste cenário, o aviso do BdM surge como uma peça final de um enredo previsível, o de um país cuja política económica tem sido moldada pela reacção e não pela previsão. A instabilidade cambial não é apenas uma falha de mercado, é também consequência de improvisação institucional, de um Estado frágil e incapaz de impor regras claras ou de gerar receitas internas sem recorrer ao endividamento ou à compressão das importações.

É legítimo perguntar se esta nova intervenção surtirá efeito ou se se somará à lista de medidas que captam atenção e debate de que algo é feito mas não alteram a realidade. Para já, o que parece certo é que, enquanto o jogo for entre poucos os que definem as regras e os que delas se protegem, a maioria continuará a perder. Essa maior somos nós, caro leitor. Nós que sem olhar para a narrativa que triunfa, somos vítimas. Enfim, a moeda, tal como a confiança, é um bem escasso. E o que estamos a testemunhar é, mais do que uma crise de câmbio, uma crise de legitimidade.

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