Os primeiros sete dias do “Recolher Obrigatório”

EDITORIAL

Zelosos na importação de leis, estamos de novo diante de um perfeito decreto, mas desajustado do contexto. E o resultado, no que diz respeito ao “Recolher Obrigatório”, está à vista de todos. Corremos para parecermos comprometidos com a causa, que até nos escapou o essencial e demos bolada à polícia.

Depois de tanto alarido, é factual dizer que quem assessorou a presidência para esta absurda decisão não conhece o país real. Não sabe que um funcionário de um restaurante, que por decreto deve fechar as 20h, a residir em Boane, precisa de, no mínimo, uma hora e meia para chegar em Casa, quando está de carro próprio.

Faltou fazer um trabalho de campo para compreender que parte de pessoas que inundam as cidades de Maputo e Matola, de dia, e que, na hora da ponta, estão num frenesim à procura transporte para Nkobe, Zimpeto, Matibjana, Muhalaze, Boquiço, Mocupe, Mathlemele, Sidwava, entre outros bairros que, para lá chegarem é preciso que os respectivos condutoresdominem a arte de pular buracos e charcos.

Aliás, o povo é que tem memória curta. Está claro que os nossos dirigentes nunca ouviram falar dessa parte do país, afinal, são só lembrados em tempos eleitorais. Quem não se lembra, de, num passado recente, uma ministra confundir “My Love” com “Moto Taxi”? Está claro que os governantes não sabem em que condições vivem seus governados.

Se tivessem pedido assessoria de Calisto Cossa, que conhece melhor as estradas escangalhadas do seu município ou os riachos que nascem a cada chuva miúda nas vias de acesso, saberia que a ligação da estrada circular e N4, um troço de menos de um quilómetro, leva no mínimo 30 minutos a ser percorrida de carro. Dirigentes como Cossa e Vahale devem ser chamados sempre que se tomam decisões que directa ou indirectamente versam sobre a reconstrução de estradas. É que da janela dos seus gabinetes têm a visão das dificuldades que apoquentam os seus munícipes, mas mesmo assim, são especialistas em assobiar para o lado.

A vontade de parecer comprometido é contínua. No passado tivemos ostúneis de desinfecçãomóveis que a ciência veio desmentir a sua eficácia, depois de ter se gasto muita imagem de governantes a tentarem mostrar serviço. Depois mobilizamos empresários a doar tanques de água para lavar as mãos. Os tanques inundam os principais mercados de grande Maputo e as estações de comboio, mas a água que é acessível, sem precisar movimentar qualquer centavo, não existe.

Está claro que os nossos dirigentes são flexíveisem copiar realidades de outras paragens, sem antes avaliarem a viabilidade para o contexto local, ainda mais quando tal lhes permite afinar centavos para o bolso ou ganharem minutos de protagonismo. O mesmo protagonismo que os dirigentes reclamam para si quando colocam uma máquina ou inauguram uma infra-estrutura, como se fosse um favor. Esquecem que eles assinaram um compromisso com os governados e que não lhes prestam algum favor, mas sim cumprem o seu dever.

Quanto ao “Recolher Obrigatório”, seria de enorme relevância nos despirmos de populismo político e mostrarmos a relação entre o vírus e as horasnocturnas. Existindo qualquer explicação científica, vamos reajustar os horários, que precisam ser organizados em cadeia, desde o horário de trabalho até ao intervalo de chegar em casa sem sacrificar o sector privado. É falácia, se não ignorância, afirmar que sair cedo ou tarde, todos ao mesmo tempo, vamos conseguir chegar em casa sem olhar para os transportes e as vias. Está evidente que não há transportes para todos ao mesmo tempo.

Aliás, o problema do “Recolher Obrigatório” está mesmo nos transportes. O aglomerado está nos transportes. Mas aqui os nossos dirigentes continuam a fazer vista grossa, porque não podem impor medidas rígidas nos autocarros como fazem com os minibuses, onde não são permitidas quatro pessoas sentadas, enquanto nos autocarros são permitidas 70 pessoas de pé.É irracional! Mas não podem atacar, porque um cumprimento rígido das medidas nos autocarros vai sacrificar milhares.

Sabem que é preciso introduzir mais meios, e é algo que depende doGoverno, este que não tem habilidade de fazer bem. E a introdução de meios não se limita nas cidades, é preciso abranger os bairros em expansão, onde actualmente nem entram por falta de estradas e os minubuses e mylove fazem e desfazem sem observância mínima das medidas de prevenção e polícia vive a custa disso. E agora, a quem vaiincriminar a polícia por aglomerar os recolhidos?

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