Armadilhas e incongruências na lei da comunicação social

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

São poucas as vezes em que a família da comunicação social pára e discute a sua vida. Ocupa-se com a busca de solução para os problemas dos outros. Do cidadão, instituições públicas e privadas, organizações da sociedade civil, do país inteiro. Criticamos, apontamos erros e propostas de solução.

Denunciamos escândalos de corrupção e actos que configuram a má governação, violação da Constituição da República e de demais leis. Escrevemos tanto sobre estas e outras matérias. Organizamos programas televisivos e radiofónicos de debate. Comentamos ou analisamos estes e outros assuntos nas nossas colunas de opinião.

Nesse exercício, que faz parte das nossas atribuições como jornalistas, deixamos para trás coisas que nos dizem respeito directamente. Situações que nos preocupam como profissionais ou como classe, designadamente a carteira profissional, o quadro legal regulatório do sector da comunicação social que precisa de uma actualização para adequar-se à nova realidade e outras questões.

Somos, agora, desafiados a olhar por nós. Discutirmos a nossa vida. Darmos as nossas sugestões sobre dois documentos devolvidos pela Assembleia da República porque a auscultação a todas as partes interessadas não tinha sido bem feita, nomeadamente jornalistas, órgãos de informação, entidades com interesse no sector e outros.

Nessa consulta, não havia consenso, por exemplo, em relação a alguns aspectos, a exemplo do capítulo de regulação. O debate é se esta função deve ser atribuída ao Conselho Superior da Comunicação Social, que já é um órgão de consulta e disciplina, ou tem que se criar um novo.

Se a opção for esta última, estaríamos perante o incumprimento de uma das promessas eleitoralistas de Daniel Chapo? É que ele disse que o seu governo seria magro, o que passa por ter menos ministérios e um número reduzido de instituições públicas.

Entende-se que o CSCS seja uma espécie de entidade reguladora. O que é necessário é que lhe sejam dados dentes para poder morder. A Constituição da República já lhe atribui a função de disciplinar o sector da comunicação social, o que pressupõe punir ou sancionar órgãos de informação considerados prevaricadores.

Refiro-me às propostas de lei da Comunicação Social e da Radiodifusão, cuja discussão, na casa do povo, não avançou por razões acima referidas, e temos, agora, a grande oportunidade de analisar e remover, nestas propostas, coisas que não fazem sentido, caso de armadilhas, incongruências ou inconstitucionalidades constantes nos textos e podermos ter leis com as quais nos identificamos.

Sendo que não é possível dizer tudo o que nos oferece dizer sem sermos interrompidos pelo moderador para dar espaço aos outros intervenientes na sessão de auscultação, deixo ficar, aqui, as minhas reflexões, particularmente sobre a proposta de lei da Comunicação Social, a ex-Lei de Imprensa.

A primeira questão tem a ver com o artigo 5, nos seus números dois e três. O texto da lei diz que a liberdade de imprensa não pressupõe a produção ilícita de informações. Que os jornalistas não devem obter informações através de meio ilícito ou desleal ou simplesmente fraudulento.

O meu ponto é que o legislador não se deve preocupar com a forma como o jornalista obteve a informação. Essa não deve ser sua preocupação. O que importa é que os dados obtidos sejam verídicos. O resto não interessa. Em nenhum momento o jornalista vai usar métodos repressivos ou violentos para obter a informação.

O número dois do artigo 23 diz que, por interesse público, o Estado pode adquirir participações em órgãos de informação do sector privado. Primeiro, não está claro o que é o legislador quer dizer com “interesse público”.

Segundo, entendo como uma tentativa de oficializar o que, de algum tempo a esta parte, tem sido prática corrente no país, que é a compra de jornais considerados críticos por parte de pessoas ligadas ao partido no poder para os silenciar. De repente pode querer comprar acções no jornal Evidências ou na TV Sucesso porque são um incómodo para atingir os mesmos objectivos: silenciá-los. É o mesmo que está a acontecer em Angola.

Temos o caso do jornal Público que era bastante agressivo na abordagem dos assuntos. Depois de comprado, transformou-se num autêntico boletim do partido Frelimo e hoje o jornal é usado como um instrumento de propaganda política.

O artigo 36 estende a obrigatoriedade de divulgar notas oficiosas, com o carácter de emergência pública, ao sector privado. Sendo que este não recebe qualquer tipo de apoio do Estado, não devia ser obrigado a publicá-las. Pode dar-se o caso de precisar desse espaço para passar uma informação de carácter comercial que possa gerar rendimento para a sobrevivência do órgão.

Por sua vez, o artigo 48, no seu número quatro, levanta uma questão polémica. Diz que a prova dos factos não é admitida quando o ofendido é Presidente da República, ou Chefe de Estado estrangeiro ou seu representante em Moçambique. Porquê? Quer dizer, então, que basta ofender o PR, pronto. O jornalista não tem como se defender. É só esperar pela sua condenação. Para dizer que as duas propostas de lei têm algumas gorduras que devem ser eliminadas para o bem dos jornalistas e do país em geral.

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