Ode ao Mister Conde

OPINIÃO
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Arão Valoi

A selecção nacional de futebol, os Mambas, viveu nas últimas semanas momentos de amargura e de glória. Perdeu diante do Uganda por 0-4, mas venceu o Botsuana por 2-0 na corrida à qualificação para o Mundial. No entanto, mais do que os resultados, o que tem agitado a opinião pública é a ausência de Dominguez, capitão histórico, maestro e símbolo da equipa, que continua a ser tratado como salvador da pátria mesmo já ultrapassando os 40 anos. Muitos adeptos, talvez movidos pela nostalgia e pela emoção, atribuem a derrota pesada frente ao Uganda à sua não convocação, como se a presença de um único jogador pudesse inverter por completo o rumo de uma partida marcada por falhas colectivas e pela superioridade do adversário. É o velho mito do herói individual, que teima em sobrepor-se à realidade do futebol moderno: um jogo que se ganha em equipa e que exige disciplina, tática e compromisso de todos. É claro que Dominguez é importante para motivar os outros e transmitir a sua experiência. Esse facto é inegável.

Mas convém recordar que Dominguez não se apresentou à Federação Moçambicana de Futebol nem ao seleccionador, não comunicou formalmente a sua (in) disponibilidade e até há pouco justificava ausências com problemas administrativos de passaporte. Como capitão e veterano, seria dele que se esperava o maior exemplo de responsabilidade e de liderança, mas, ao contrário, deixou no ar um silêncio que foi depois transformado em clamor popular por adeptos que parecem acreditar que a sua mera presença seria suficiente para travar a avalanche ugandesa.

A pergunta é inevitável: que treinador responsável convoca um jogador que não se apresenta, não se compromete e não demonstra estar disponível para vestir a camisola?

Perante este cenário, Chiquinho Conde agiu com firmeza. Em conferência de imprensa deixou claro que, enquanto for o seleccionador, a hierarquia é respeitada e que não há vacas sagradas ou lugares cativos na selecção. “Amarra-se o burro à vontade do dono”, disse ele, sublinhando que é ele quem manda, quem escolhe e quem decide. E fez bem. O futebol moçambicano conheceu durante anos uma cultura de indisciplina, de caprichos individuais e de estrelas mimadas que se julgavam acima do colectivo. O trabalho de Conde tem sido precisamente o contrário: impor rigor, criar um conjunto, incutir o espírito de equipa, devolver dignidade à selecção.

Mas não podemos esquecer que a própria selecção enfrenta também desafios de ordem organizacional que transcendem o trabalho do seleccionador. A estrutura da Federação Moçambicana de Futebol ainda revela fragilidades, que vão desde a gestão logística até à comunicação institucional. Muitos dos adeptos que hoje pedem milagres pouco sabem, por exemplo, que no jogo contra o Botsuana o jovem Geny Catamo jogou condicionado fisicamente. A sua limitação e mais outros aspectos como cansaço devido a longas viagens obrigou o Mister, já aos 70 minutos, a alterar o esquema táctico para um 4x4x2 em losango, adaptando a equipa às condições físicas reais dos jogadores. Essa capacidade de leitura e esse sacrifício colectivo não mereceram o devido reconhecimento. A narrativa fácil da saudade de Dominguez abafou a verdade mais dura: ganhar exige também adaptar-se às circunstâncias, mesmo que isso signifique reinventar o plano inicial.

Os resultados não mentem. No último CAN, Moçambique alcançou a sua melhor classificação de sempre numa fase final, e hoje está em terceiro lugar no grupo de qualificação para o Mundial, com os mesmos pontos do Uganda e ainda com hipóteses reais de atingir os play-offs, algo que seria inédito e histórico para o nosso futebol. É fácil, depois de uma derrota pesada, procurar culpados. Mais fácil ainda é culpar o treinador. Mas o populismo das bancadas e das redes sociais não deve toldar o debate. O Uganda foi superior em todos os aspectos: físico, táCtico e psicológico. Nenhum jogador isolado poderia ter mudado isso. A insistência em acreditar que Dominguez seria a solução mágica é mais do que ingenuidade: é um insulto aos restantes jogadores que se sacrificaram em campo e é uma tentativa de descredibilizar o projecto sério que está a ser construído. Se queremos uma selecção competitiva, não podemos ficar reféns da nostalgia, nem viver eternamente à sombra de ídolos do passado.

O povo moçambicano tem memória curta. Esquece que antes de Conde, a selecção era motivo de chacota, eliminada cedo e sem rumo. Hoje, pelo contrário, há esperança, há identidade, há resultados. E em vez de apoiarmos quem nos devolve essa esperança, preferimos destruir com críticas injustas, defendendo a ausência inexplicável de um jogador que já não reúne condições para ser indispensável. O futuro dos Mambas constrói-se com disciplina, trabalho de equipa e visão, não com caprichos individuais nem com salvadores fabricados pela emoção.

Ode, pois, ao Mister Conde. Porque, em tempos de turbulência, é mais necessário um líder firme e corajoso do que um ídolo intocável. O futuro da nossa selecção depende do colectivo e da continuidade deste projecto. Apoiar Conde é apoiar a disciplina, o rigor e a esperança de finalmente vermos Moçambique num Mundial. A crítica é saudável quando é justa, mas quando é cega, apaixonada e desprovida de razão, torna-se apenas um veneno. O verdadeiro amor ao futebol está em reconhecer que aquilo de que os Mambas precisam não é milagres individuais, mas de uma equipa inteira a remar para o mesmo lado.

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