Um Estado refém dos bancos comerciais a ponto de banalizar títulos de tesouro

EDITORIAL
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O “novo” governo assumiu funções prometendo uma ruptura com as más práticas do passado. Falava-se de rigor fiscal, disciplina orçamental e transparência como pilares centrais da gestão pública. Quase seis meses depois, o retrato permitia-nos vislumbrar a realidade que expõe uma crise de implementação, que evidencia uma falta de consciência sobre a fragilidade do país e os desafios que enfrenta. Estamos a sair de um período marcado por manifestações intensas e mergulhados no terrorismo, mas parece que quem governa não tem plena consciência desta conjuntura.

A prática revela que o Estado continua a viver acima das suas possibilidades, alimentando um círculo vicioso de endividamento que ameaça a soberania económica e a estabilidade social. Em vez de investimentos estratégicos, a maior parte dos recursos continua a ser consumida pela manutenção da máquina administrativa e pelo pagamento de salários. Enquanto isso, as receitas ficam aquém do esperado, e a solução imediata tem sido recorrer ao crédito fácil.

O resultado é uma dependência crescente dos bancos comerciais. Para cobrir défices orçamentais, o Estado recorre sistematicamente à emissão de títulos de curto prazo, transformando os bancos nos seus principais credores. Estes instrumentos, que deveriam ser soluções pontuais, tornaram-se uma prática rotineira. Ao canalizar grande parte da liquidez do sistema financeiro para a dívida pública, o Estado sufoca o crédito disponível para empresas e famílias, encarecendo o financiamento e paralisando investimentos produtivos. Em vez de impulsionar a economia, o Estado compete com os seus próprios cidadãos por recursos escassos.

O problema não se limita aos números alarmantes da dívida. A forma como o endividamento interno tem sido utilizado revela um padrão preocupante, onde os empréstimos servem mais para cobrir despesas correntes, pagar juros e manter a máquina administrativa do que para investimentos que poderiam impulsionar o crescimento económico. Estradas, hospitais, escolas e infra-estruturas básicas permanecem estagnados, apesar de, num outro retrato, os principais municípios manterem infra-estruturas subfinanciadas, enquanto o peso da dívida consome a maior parte do orçamento disponível, a nível central.

As consequências sociais são claras. O investimento em sectores cruciais, como agricultura, água e saneamento, educação e saúde, está em mínimos históricos. Hospitais carecem de medicamentos, escolas carecem de recursos básicos, e a pobreza estrutural continua a aumentar. Ao mesmo tempo, a dependência dos bancos perpetua uma economia de curto-prazo, onde o Estado troca desenvolvimento por sobrevivência financeira, hipotecando o futuro do país.

O alerta não é novo, mas continua a ser ignorado. O recurso contínuo a soluções imediatistas cria um círculo vicioso, quanto mais o Estado recorre à dívida interna, mais caro e limitado se torna o crédito para o sector privado, e mais frágeis se tornam as condições para um crescimento económico sustentável. Estamos perante um Estado que, em vez de proteger o futuro do país, se tornou refém do sistema financeiro.

É essencial que o governo reconheça o contexto em que nos encontramos, saímos de crises sociais e de segurança, e o país precisa de estabilidade e investimento estratégico. A má gestão não pode continuar a ser normalizada e a dependência dos bancos não pode ser confundida com política económica séria. Para além de números e balanços, está em jogo a capacidade do Estado de promover desenvolvimento, reduzir desigualdades e preparar o país para os desafios do futuro. Sem essa consciência, qualquer promessa de mudança corre o risco de se tornar apenas retórica.

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