Desenhos (pouco) animados

OPINIÃO

Por Afonso Almeida Brandão

O tio Patinhas, apesar da sua avareza e mau feitio, é uma personagem divertida. Por boas causas, até é capaz de ser «umas mãos largas». Ele e todos os bonecos da Disney têm como objectivo serem provocadores de alegria e bons sonhos. Podem enfeitar-se os quartos das crianças com qualquer uma destas figuras. Até os irmãos Metralhas são uns bons malandros. Estas personagens vivem em ambientes normais, em lugares muito coloridos. As estórias são curtas, simples e sem grandes guerras – o Tom e Jerry, por exemplo, são dois inimigos que não podem viver um sem o outro; os extraterrestres são sempre uns verdes e simpáticos que convivem amigavelmente com os humanos.

Alguns bonecos, utilizando os super-poderes, conseguem voar, ficar invisíveis e com muita força. Entram em acção apenas em caso de grande necessidade como seja ajudar uma velhinha a atravessar a rua. Os restos do tempo vivem escondidos num disfarce de pacatez e fragilidade. Os bichinhos animados da Disney, e não só, são caricaturas bem-intencionadas que se comportam como pessoas. Rir deles é rir de nós mesmos.

Contudo, os filmes animados japoneses que ultimamente a garotada mais gosta de ver fogem completamente a estes padrões. Nestes casos, os heróis, sejam tartarugas repelentemente verdes ou estúpidos robots, comportam-se sempre como autênticos monstros. Os ingredientes destas estórias são a morte, a destruição, a vingança, o ódio, a luta pelo poder total. Em todos os episódios que tenho visto, os maus, que são mesmo maus e feios, (mas que, apesar disso, mal se distinguem dos bons), tentam exterminar tudo… a humanidade, o planeta, o universo. Na minha opinião, estes filmes têm todos os defeitos possíveis e imaginários – são violentos, cruéis, sem humor, sem referências humanas. Utilizando a prejudicial táctica do seriado, a obtenção das crianças fica de tal maneira presa que elas são coagidas a ver sempre.

Vou contar uma das cenas desses desenhos animados que mais me horrorizou até hoje. Trata-se dum monstro do Dragon Ball que tem uma seringa na cauda; ele obtém a sua força matando e sugando-lhes as células. Na referida cena, a abjecta figura, sentindo-se enfraquecida, não teve escrúpulos de capturar um autocarro cheio com uma equipa desportiva e de chupar o sangue de todos os jogadores, um por um. Eu vi! Não existe comparação possível entre esta cena e aquelas em que o Tom passa por cima do Jerry com um cilindro, o fura como bala, ou o liga à corrente eléctrica. Nessas cenas, vê-se bem que é tudo a fingir, pois as personagens nunca sofrem danos. Mas, na outra, a morte acontece mesmo com todos os requisites de malvadez.

Postos os factos, que medidas poderiam ser tomadas? Estes desenhos passam constantemente na televisão e na promoção é dito: “Se perderes estes episódios não és ninguém!…” Assim, uma criança, impedida de ver esta série, acabará por sentir-se diminuída e humilhada diante das outras. Nenhuma conseguirá ter o orgulho necessário para gabar-se de eu já não vejo isso. Por outro lado, se alguns miúdos têm o privilégio de estar acompanhados por adultos, a esmagadora maioria está sozinha diante de toda aquela violência. Violência, diga-se, nada gratuita, pelo contrário. Se calhar, nem calculamos quanto nos irá custar de futuro.

Chego à conclusão de que a interdição nem o acompanhamento são praticáveis. Será então preciso proibir esses programas? Creio que seria mais simples e civilizado se os Directores dos Programas decidissem por eles mesmos, mudar a situação. É o bom senso, não o lucro, que deveria orientar estes senhores. Mas duvido que isso aconteça. Vai uma aposta?

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