Quem quer saber!

OPINIÃO

Afonso Almeida Brandão

Volta e meia, dou comigo a pensar em todo o enlace que tem uma expressão, usada a cada passo de forma rotineira, que nos leva a exclamar, por exemplo, em atitude de defesa: “Quero lá saber disso!” Eis um dito que tem muito que se lhe diga – bem mais do que o hábito deixa supor. O seu alcance chega a surpreender-nos.

Os calos do uso é que nos levam a repetir o dito maquinalmente, sem atendermos ao significado que contém. Mas acabará sempre por surgir um momento próprio para tudo, até para a curiosidade de uma pequena reflexão como esta que, todavia, se vai revelar cheia de implicação social e cultural.

Quem se exprime deste modo manifesta que “não quer saber” de um dado tema, porque liminarmente a ele se recusa. Não lhe interessa – decide a própria pessoa. Os motivos dessa recusa pessoal podem variar e multiplicarem-se sem quebra de atitude negativa. No fundo, a pessoa sente-se colocada num mundo tão vasto que nunca o poderá abarcar minimamente até porque, perante ela, as coisas do mundo estão em constante mutação e expansão.

Uma pessoa, seja simples e humilde, seja culta e principal, não se poderá querer dotada de capacidade para abarcar, já não dizemos tudo quanto no mundo existe, o que seria rematadamente louco, mas ao menos tudo quanto é atinente às suas ocupações, à sua segurança, às relações com a sua família e à sua comunidade, etc., etc. Cada pessoa sentir-se-á fatalmente pequena e débil dentro da envolvência social que lhe fica mais próxima, onde os acontecimentos e as mudanças são cada vez mais vertiginosos e onde, apesar de tudo, nos espaços mais pequenos e fechados, ecoam instante a instante os rumores mais fortes do vasto mundo.

Impõe-se, portanto, de forma peremptória, a necessidade de nos reconhecermos não imensos, finitos, e de procedermos a uma escolha de pouco que mais nos interesse entre o muito que, embora nos seduza, a nossa capacidade já não admite. Daí a frase que amiúde salta da boca: “Não quero saber!”

Confessar que não se quer saber de um assunto demonstra que esse assunto está fora do âmbito dos interesses concretos da pessoa, só isso. Nem toda a gente gosta de Arte, nem toda a gente sabe apreciar um bom quadro, nem toda a gente visita exposições de pintura ou vai ver os nossos Museus.

Mas é justamente a partir do ponto exacto em que se afirma a liberdade do sujeito (pelo acto de definir o que não lhe interessa, pouco ou muito) que a reflexão ganha relevo e transparência. De facto, com base na observação do conjunto dos interesses de uma pessoa concreta pode chegar-se à avaliação da qualidade da sua inteligência e das suas motivações humanas mais profundas.

Ora o facto é que nenhuma pessoa pode vangloriar-se de que se interessa por tudo quanto devia efectivamente interessar-lhe. Há interesses vitais de cada indivíduo que ficam sacrificados por cegueiras por vezes excessivas, aberrantes, insuportáveis. É o caso, por exemplo, de alguém que atinge a idade madura e só então percebe, porque um médico lho diz ou o próprio sujeito o descobre, que não sabe beber um líquido, mastigar um alimento, respirar, falar ou pensar correctamente, ligando uma ideia a outra com a lógica necessária.

Que sabemos nós realmente bem? Por detrás de cada réstia de luz, há cones de sombra projectados no conhecimento. Sabemos sempre menos do que precisamos e, ao mesmo tempo, sabemos sempre mais do que precisamos. Porque no nosso conhecimento faltam elementos e valores imprescindíveis e se acumulam bugigangas sem préstimo, consideradas decorativas, tal como acontece dentro das nossas casas.

O melhor será pensarmos duas vezes antes de tornarmos a repetir que não queremos saber disso, seja isso o que for. Quem sabe se…?

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