Ex-pastores denunciam esquemas e injustiças na IURD

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Está longe de terminar o calvário dos homens que decidiram servir a Deus e que hoje se queixam de alegada perseguição. Trata-se de antigos pastores que estão de costas voltadas contra a Igreja Universal de Reino de Deus (IURD) em Moçambique. Ao Evidências, os ex-pastores denunciaram esquemas e injustiças, com destaque para casos recorrentes de expulsão sem justa causa, depois de recusarem submeter-se a vasectomia, uma cirurgia que induz à infertilidade masculina, que se tornou obrigação para os pastores, de modo a evitar que os mesmos alarguem as suas famílias, uma vez que a igreja é responsável por custear todas as necessidades dos seus servos. Por sua vez, a IURD – Moçambique refuta as acusações dos antigos pastores, adiantando que a falsa alegação de afastamento por suposta obrigatoriedade de vasectomia tem sido usada para escamotear a verdadeira razão do afastamento da actividade eclesiástica por partes de alguns ex-integrantes do corpo pastoral.

Duarte Sitoe

Depois de 18 anos como pastor na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), João Malaquias viu-se obrigado a abandonar aquela congregação, por não concordar com as leis adoptadas pela igreja fundada por Edir Macedo, em Julho de 1977. Em Moçambique, a igreja tem uma grande relação com o partido Frelimo e acredita-se que seja daí onde vem a carta-branca para fazer e desfazer.

De baixo de uma frondosa árvore de mangueira, por sinal a mesma que deixara na tenra idade quando decidiu arrumar a sua pasta para viver na igreja, Malaquias, ex-pastor, falou da sua experiência na IURD.

Actualmente com 42 anos de idade, o ex-pastor confessou que foi de terno e gravata que passou os melhores momentos da sua vida, mas uma mudança radical acabou ditando o divórcio daquele que parecia uma relação eterna.

“Entrei na Igreja Universal com os meus 17 anos. Não estava nos meus planos um dia ser pastor. Tudo começou quando fui convidado por uma amiga, que mais tarde foi minha namorada e hoje esposa, para o culto de domingo e acabei ficando na igreja. A minha família tinha uma outra inclinação religiosa e, por isso, acabei tendo problemas com os meus progenitores, por frequentar a IURD, mas com o tempo eles acabaram aceitando a minha escolha. Primeiro fui candidato a obreiro, depois obreiro e mais tarde pastor, sendo que antes de ser pastor fui discípulo”, contou Malaquias.

Os escândalos que foram acontecendo ao longo dos anos não abalaram a fé de Malaquias que continuou de pedra e cal na IURD, pregando o evangelho, contudo, em 2019 viu-se obrigado a divorciar-se da congregação que serviu durante 18 anos, uma vez que a direcção da igreja, na altura liderada pelo temido Honorilton Gonçalves, responsável pela cisão da IURD em Angola, exigiu que todos os pastores fizessem vasectomia.

“Nos anos em que fui pastor, passei por várias províncias. Passei vários momentos que para sempre estarão registados na minha vida, mas, infelizmente, não pude continuar, porque a igreja adoptou novas doutrinas. Todo homem tem o sonho de um dia formar uma família e ter filhos. Obrigaram-nos a fazer vasectomia e isso acabava imediatamente com o sonho de ser pai. Eu e alguns pastores não aceitamos e disseram que não éramos obedientes e fomos expulsos da congregação. Fomos escorraçados como cães, porque a IURD não quer que os pastores tenham filhos, uma vez que seria obrigada a aumentar o subsídio que tem dado aos pastores que tem filhos. Não guardo mágoas, mas acho que merecíamos mais respeito pelo tempo que tínhamos na igreja”, denunciou.

Recomeçar a vida depois de ser descartado pela igreja a que serviu por 20 anos

Debaixo de um sol ardente, Julião Saveca voltava de mais uma jornada de procura de novas oportunidades de emprego. Com um envelope A4 cheio de currículos para deixar nas instituições que pretendem reforçar o seu quadro pessoal, Saveca era um homem com poucos motivos para sorrir.

O ex-pastor, que esteve durante 20 anos ligado à IURD, reconhece que em tempos da pandemia não é fácil conseguir um emprego na “Pérola do Índico”. Mesmo tendo sido descartado, sem nenhuma indemnização depois de 20 anos dedicados à igreja, Saveca não guarda rancores, acredita que foi uma porta que se fechou para que as outras venham a se abrir.

“A vida é um mar de incertezas, hoje estamos aqui e amanhã podemos estar num lugar que nem imaginávamos. Confesso que não esperava sair da Igreja Universal do Reino do Deus da forma como saí, mas são coisas da vida. Nunca imaginei que isso viria a acontecer, uma vez que nasci e cresci na igreja. Esperava morrer servindo a Deus, mas a vida deu-me uma nova oportunidade. Estou há mais de um ano à procura de emprego. Antes de ser pastor, fiz um curso técnico em contabilidade e auditoria. Não guardo rancores e desejo todas felicidades do mundo à IURD”, declarou Saveca.

O bom filho sempre a casa retorna, pois Jaime Albino Cossa cumpriu com a parábola do filho pródigo. Cossa saiu da casa dos pais com uma pasta nas costas, mas no seu regresso estava com mais de duas malas e acompanhado pela esposa.

O ex-pastor, por sinal filho único, venceu a vergonha e o preconceito para voltar ao ponto de partida. A fonte contou ao Evidências que contou aos pais que a IURD queria que ele fizesse a vasectomia, mas eles reprovaram essa ideia.

“Sempre tive o apoio dos meus pais. Eles sempre estiveram ao meu lado e não se opuseram quando decidi ser pastor. Quando me informaram que tinha que me submeter a uma vasectomia, fiquei incrédulo e não sabia o que fazer. Procurei auxílio nos meus pais e eles disseram que não eram apologistas dessa decisão, uma vez que sou filho único e eles querem netos. Acabei saindo da igreja, mas estou deveras desapontando com a gestão da igreja. Há necessidade de mudança, não se pode fazer de pastores como instrumentos para atingir certos objectivos e depois descartar”, sublinhou.

“Estou arrependido, se o tempo voltasse, não teria aceitado ser pastor”

Se, por um lado, muitos foram os pastores que abandonaram a IURD devido à regra que se tornou obrigação para os pastores, de forma a evitar que alarguem as suas despesas, gerando filhos, uma vez que a igreja é responsável por custear todas as necessidades dos seus servos, por outro lado, há pastores que clamam por justiça, uma vez que acham que foram injustiçados pela IURD.

Sem conseguir segurar as lágrimas nos olhos, Alexandre Muvale, que desempenhou as funções de pastor durante 14 anos, conta que o seu divórcio com a IURD começou em 2017, quando foi acusado de ter assassinado um pastor brasileiro. Muvale conta que a igreja limitou-se apenas a chamar a polícia para o prender mesmo sem provas.

“A justiça dos homens pode falhar, mas a divina nunca falha. Fiquei durante oito meses preso por um crime que não cometi. Depois de oito meses, foram encontrados os verdadeiros culpados pela morte do pastor brasileiro. Fui solto, mas, para o meu espanto, fui afastado da igreja”, declarou a fonte para depois denunciar a desigualdade no tratamento entre pastores moçambicanos e brasileiros.

“Os pastores brasileiros e angolanos são tratados como príncipes. Os moçambicanos são humilhados na sua própria terra, mas isso acontece porque nós não somos unidos. Os angolanos não aceitam esses abusos e a igreja sabe disso. Estou arrependido, se o tempo voltasse atrás não teria aceitado ser pastor. Não tenho nada, vivo em casa dos meus pais. Fui lesado pela igreja e, por isso, clamo pela justiça”, desabafou.

Quem também foi injustiçado pela IURD é Jaime Malandela, que foi afastado da posição de pastor, depois de ter sido acusado de desvio de ofertas e dízimos dos crentes.

“Fui acusado por coisas que não fiz. Os responsáveis da igreja na província de Manica inventaram histórias para me afastar. Eles queriam me obrigar a aceitar coisas que não fiz e ameaçaram me levar à polícia se eu não aceitasse que desviava fundos da igreja. Nunca passei por tamanha humilhação na minha vida. Nunca desviei fundos e não podia aceitar coisas que não fiz e, por isso, decidiram expulsar-me da igreja com uma mão a frente e outra atrás”.

“A Igreja Universal do Reino de Deus do presente não está focada em ajudar as pessoas, mas sim no dinheiro. Tenho pena dos pastores que aceitaram fazer vasectomia porque não tinham outra opção. Eu ainda sou jovem e vou seguir a vida fora da obra”, destaca.

IURD refuta as acusações dos ex-pastores 

A IURD, que foi instalada em Moçambique em 1992, refutou todas acusações dos ex-pastores. De acordo com o Presidente do Conselho de Administração da IURD – Moçambique, José Guerra, os pastores exercem a sua actividade dentro dos parâmetros bíblicos e todas as informações apresentadas fora desse contexto não são provenientes de pastores mas sim de indivíduos com intenções obscuras.

“Não constitui política da Igreja Universal do Reino de Deus afastar os seus pastores, salvo por razões de desvio de conduta, que põe em causa o exercício da sua actividade eclesiástica, seus fundamentos e ainda por desistência voluntaria. Dentre o desvio de conduta, menciona-se o furto das ofertas e contribuições dos membros, aliciamento de membros por meio de falsas promessas, quebra de voto de fidelidade conjugal, assedio sexual e outros de natureza conjugal”, explicou

José Guerra declarou que os ex–pastores da IURD usam a vasectomia para escamotear os verdadeiros motivos que estão por detrás do seu afastamento.

“A falsa alegação de afastamento por alegada obrigatoriedade de vasectomia tem sido usada para escamotear a verdadeira razão do afastamento da actividade eclesiástica por partes de alguns ex-integrantes do corpo pastoral. Actualmente, 80% dos pastores nacionais e que são casados têm filhos, nascidos na vigência do seu ministério eclesiástico e pastoral. E quanto aos pastores solteiros nenhum deles realizou o procedimento da vasectomia. A vasectomia é um método anticonceptivo irreversível, cuja realização depende exclusivamente da autorização do interessado, não é passível de obrigação e nem sequer condicional”, disse Guerra, sem negar a existência da prática.

Sobre as diferenças no tratamento dos pastores brasileiros e moçambicanos, o PCA da IURD – Moçambique reitera que estas informações resultam na tentativa de alguns indivíduos de má fé, que por razões desconhecidas pretendem ofender o prestígio, a confiança e o bom nome da IURD.

“Do universo dos pastores solteiros, apenas dois porcento são de nacionalidade brasileira, tendo ambos igualdade de tratamento de acordo com o regulamento interno dos pastores. A IURD garante aos seus pastores condições de vida necessárias para o desempenho das suas funções eclesiásticas, independentemente de estes terem ou não filhos. Todas as informações referentes a alegadas acusações de esquemas e de injustiças são totalmente falsas, pois estão desprovidas de fundamentos”, sentenciou Guerra.

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