“Isso é problema do Comando Operativo”

POLÍTICA SOCIEDADE
  •  Guebuza em tribunal
  • Seria ele (Nyusi) a responder e não eu, com base naquilo que ele escreveu.
  •  Não saí com documentos da Presidência da República

O antigo Presidente da República, Armando Guebuza, esteve durante dois dias, na qualidade de declarante, a depor na tenda da BO, que acolhe as sessões do julgamento das dívidas ocultas, num processo em que seu filho, Ndambi Guebuza é réu. Guebuza, que é réu num outro processo autónomo que corre no tribunal administrativo, assumiu a concepção do projecto de SIMP, financiado pelas dívidas ocultas, e remeteu os detalhes operativos ao antigo ministro da Defesa, o actual presidente da República, Filipe Nyusi. “Grande parte disso (contratação das dívidas) pode ser explicado através do actual Presidente da República, se ele tiver adoptado a mesma concepção e a mesma estrutura que existia quando eu era Presidente da República”, disse, assumindo a concepção do projecto com vista a responder ameaças que estavam à vista, mas que depois veio a se tornar real. No decorrer das sessões, ficou cada vez mais cristalina a linha que separa a Frelimo com poder, um grupo que joga pela vida para manter-se no poder, e a Frelimo marginalizada, sacrificada e hasteada em nome do combate à corrupção. Do resto, é a primeira vez, em Moçambique, que um antigo Chefe do Estado responde em tribunal, enquanto o outro é conotado de ter se beneficiado de suborno para ascender à Presidência da República.

Evidências

Naquilo que foi o quarto requerimento da defesa e do assistente do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, o juiz esgrimiu-se em argumentos para legitimar que Nyusi não poder ser intimidado a clarificar as zonas de penumbra nesse processo.

O depoimento de Guebuza sugere que Moçambique foi vítima de conspiração internacional, ao mesmo tempo que ficou cristalino a ruptura dentro da Frelimo entre a ala que detém o poder e a ala Guebuza, que conta com a lealdade das bases e dos marginalizados, num ano em que o partido deverá realizar o congresso. Da interpretação do discurso de Guebuza, o Governo de Nyusi sabotou o projecto, em mais uma conspiração política que não só sacrificou as populações, mas manchou o país em tudo.

Foi um dia bastante aguardado. Depois de tentativa para que o antigo Chefe de Estado fosse ouvido num fórum fechado, no decorrer do evento houve tentativas de sabotagem. Adiante, transcrevemos na íntegra as perguntas e as respostas durante os dois dias que o antigo Presidente da República esteve no Tribunal.

Não vejo nada de ilegal

Juiz Efigénio Baptista: Qual foi o fundamento, motivação e génese da criação das empresas ProIndicus, Ematum e MAM?

Armando Guebuza: Haviam fortes ameaças contra a República de Moçambique na altura. De um lado, havia muitos imigrantes ao longo das fronteiras norte do país, que entravam ilegalmente em Moçambique e em grandes números, do outro lado tínhamos conhecimento de que havia traficantes de drogas naquela zona do país, assim como a chegada de drogas também, mas pela via marítima, através da costa. Na mesma ocasião, tínhamos situações de piratas que vieram do Norte até junto de Inhambane, ao longo da Costa no Mar e capturaram navios de pesca com seus tripulantes, que incluíam moçambicanos e estrangeiros.

Simultaneamente, tínhamos ataques da Renamo tanto na parte Norte, na Zona de Nampula, particularmente nas áreas de Rapale, Murrupula e na zona Centro, que atacaram alguns dos nossos quartéis e assassinaram nossos soldados. Na mesma ocasião, na zona centro ainda havia ataques sistemáticos na zona de Muchunguè, na estrada que vai ao rio Save.

Por outras palavras, haviam ameaças que punham em causa a soberania dos moçambicanos sobre o seu próprio território. E como resolver este problema? Através das Forças de Defesa e Segurança, estudou-se e concluiu-se que para além das actividades habituais de defesa da pátria, com recursos que nós tínhamos na altura, precisávamos de reforço, e este reforço deveria ter em conta a situação do mar e, naturalmente, as fronteiras terrestres também, no Norte e um pouco no ocidente. Isto é que explica o motivo da criação do programa de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção (SIMP).

Juiz: Então, o declarante defende o entendimento de que o SIMP é um sistema que engloba três empresas, ProIndicus, Ematum e MAM? As três defendem esse entendimento?

AG: Cada uma delas, e depois juntas.

Juiz: O declarante defende que o SIMP inclui a Ematum, MAM e ProIndicus?

AG: Sim, exactamente. Queria esclarecer um pouco que na fase da concepção todas as empresas estavam incluídas e na fase de execução houve momentos diferentes, entraram em vigor em momentos diferentes.

Juiz: Como se extraiu o objecto social da Ematum que estava ligada às FDS?

AG: Falei de momentos diferentes, era necessário fazer o reconhecimento por ar e por terra, do mar e das águas territoriais nossas, e devíamos fazer uso das várias formas de reconhecimento.

Juiz: Vários técnicos que apareceram neste julgamento disseram que os barcos não tinham nada de especial além de ser para pesca.

AG: Não vou entrar num debate técnico sobre as embarcações. Para observar e reconhecer não se parte de objectos especiais, parte-se da capacidade de observar e reconhecer.

Juiz: Defende que a Ematum, MAM e ProIndicus são parte do SIMP, por que o governo só celebrou o contrato com a Ematum?

AG:  As empresas estavam concebidas, mas foi achado melhor que as outras fossem enquadradas mais tarde.

Juiz: Não celebraram contrato com as outras empresas porque pretendiam fazer mais tarde? Consta dos autos que o contrato de concepção foi feito no dia 18 de Fevereiro de 2013 e o contrato de fornecimento foi a 28 de Fevereiro de 2013, mas em Dezembro é que foi criado o SIMP. Não fica aqui a ideia de que o SIMP foi criado para formalizar o que já havia sido concedido ilegalmente?

AG: Não vejo nada de ilegal nisso, vejo processos de criação e os processos ocorrem em momentos diferentes, e um empreendimento como SIMP continuaria criando outros mecanismos. O facto de um aparecer antes e outro depois não pode ser impedimento para outros serem implementados.

Juiz: A ProIndicus tinha legitimidade para defender a soberania nacional?

AG: As FDS sempre tiveram legitimidade para defender Moçambique, e quando adquirem recursos para fazê-lo não se põe a questão da legitimidade.

Juiz:  A ProIndicus é FDS?

AG: Não acha que a ProIndIcus é para defesa?

Juiz: Está a perguntar ao Tribunal? O tribunal não vai responder.

AG: Então eu também não vou responder.

Juiz: Mas já é bom quando entende que ProIndicus é FDS, porque o tribunal várias vezes procurou saber sobre aquelas empresas, se são de natureza privada ou são de natureza pública, e a posição do declarante aqui é que aquela empresa é pública, é Força de Defesa e Segurança, é Estado. É essa a sua posição?

AG: A minha posição é essa sim, mas tem que ter em conta que o Estado não funciona sempre da mesma maneira em todo o lado. Não me vai dizer que um hospital é sempre do Estado, não vai dizer que uma locomotiva é sempre do Estado. Por isso eu vejo a questão de forma dinâmica.

Aparece este elemento, aparece aquele elemento e integram-se.

Juiz :Aqui a questão é uma, não é hospital nem locomotiva, aqui nos termos da constituição defender a soberania do Estado é competência das Forças de Defesa e Segurança. E quando aparece uma entidade que se diz privada a celebrar contratos, comprar material bélico para defender a FDS sem ser dado este…

AG: Representada por quem?

Juiz: Peço para responder essa pergunta.

AG: É o Estado que foi procurar recursos.

Juiz: Então, essa é que é a sua posição. Foi o Estado que foi à procura de recursos. Peço para que o senhor Presidente da República ou excelência esclareça o seguinte, conhece o senhor Teófilo Nhangumele?

AG: Depois de alguém ter apresentado, numa reunião lá do partido, que existe uma pessoa chamada Teófilo Nhangumele, passei a estar interessado em conhecer, e conheço-o sim, mas muito depois.

Juiz: Muito depois de?

AG: Depois de tudo que está a dizer.

Juiz: O tribunal ainda não disse nada.

AG: Muito bem, indo directo, não conheço Teófilo Nhangumele, senão depois dele estar preso com o meu filho no Lingamo.

Juiz: Não conhece Teófilo Nhangumele, só o conheceu depois de ir ver o seu filho, senhor Armando Ndambi Guebuza, no Lingamo?

AG: Sim.

Juiz: E conhece o senhor Jean Bustani?

AG: Sim.

Juiz: E conhece de onde?

AG: A partir do momento que iniciou esta negociação e eles vieram a Moçambique, nessa altura conheci o Bustani.

Juiz: Então, podemos concluir que conheceu o senhor Jean Bustani na Presidência da República?

AG: Sim, sim, sim.

Juiz: E conhece o senhor Iskandar Safa?

AG: Sim, também conheço.

Juiz: E onde conheceu? Também na Presidência da República?  

AG: Não me recordo.

Juiz: Consta dos autos que a PrivInvest trouxe uma brochura com o projecto de proteção da ZEE. E depois tiveram um encontro com o SISE, na pessoa do doutor Cipriano Cizino Mutota e o senhor Teofilo NHangumele, e que depois desse encontro o SISE fez chegar a si essa brochura, mas não teve uma aprovação para o andamento do projecto, e depois de verem que o projecto estava estagnado não teve o seu devido andamento, o senhor Teófilo Nhangumele foi ter com o senhor Bruno Langa?

AG: Também o conheci no Lingamo.

Juiz: Foi ter com o senhor Bruno Langa que é amigo de infância do seu filho e entregou a brochura para ele entregar o seu filho e para o seu filho levar até a si, e dizem que depois do processo estar estagnado por um tempo, após terem entregue ao seu filho, não levou muito tempo para o projecto ter sido aprovado, até chegarmos ao dia em que estamos. A questão que o tribunal coloca é que algum dia o seu filho chegou a si e trouxe uma brochura para o declarante aprovar o projecto de proteção da ZEE?

Juiz: Senhor Isalcio, por favor, o advogado do senhor Armando Ndambi está a pedir a palavra.

Adv. Isalcio: Pedi para interromper a questão que colocava, embora resulte dos autos, porque entendo que a questão colocada sobre o co-réu Armando Ndambi Guebuza tem cobertura no artigo 218, isso porquanto nos termos dos mesmos autos seria uma das questões de participação criminosa do co-réu, por isso peço que relativamente à questão o enquadramento não está em causa porque resulta dos próprios autos, mas esta questão me parece colidir com 218 do CPD em uso.

Juiz: Caro declarante, o advogado está a dizer que o tribunal não deve fazer a si essa pergunta, porque esta pergunta tem a ver com os factos que são imputados indiciadamente ao seu filho, o senhor Armando Ndambi Guebuza, e por ser seu filho, por causa dessa relação de proximidade, o artigo 218 do CPP proíbe que se faça essa pergunta, como pai ou alguém que tenha laços de familiaridade, e o advogado tem razão. E o tribunal não tem como negar, é o que estabelece a lei. Mas quer responder?

AG: Não, mas quero questionar, se sabiam que é errado porquê me perguntam?

Juiz: É que não sabíamos. O tribunal está satisfeito por ver que está muito bem-disposto. Espero que continue assim. Quando quiser descansar peça para apanhar um ar, se quiser ir à casa de banho também e se precisar de alguma coisa estamos a disposição.

“Trabalhamos com estudos e propostas apresentadas pelo Comando Operativo”

Ministério Publicado (Sheila Marrengule): Sobre a Genesis e criação das três empresas, o declarante disse neste tribunal que conhece os senhores Iskandar Safa e Jean Bustani. Com que meio estabelecia contacto com eles?

AG: Conheci-os no momento em que se tratava da criação destas empresas, e falávamos.

MP: Pode explicar o contacto que teve com esses para o alcance do projecto?

AG:  Sempre aparecia alguém no meu gabinete quando eu era Presidente da República e se a pessoa pudesse ajudar em algo eu falava com ela e coordenava.

MP: O declarante pode elucidar, segundo os seus conhecimentos, sobre a gênese, fundamento para a proteção da Zona Económica Exclusiva.

AG: Não me lembro

MP: Volto a insistir, quais foram as entidades envolvidas na zona económica exclusiva? Se ainda tem memória?

AG: Não tenho memória para isso, mas deve estar nos documentos. Mas estão lá quadros da SISE, entre outras pessoas.

MP: O declarante tem memória do ano em que foi proposto o projecto da Zona Económica Exclusiva?

AG: Não tenho.

MP: A explicação que é dada para a criação da Zona Económica Exclusiva aponta essencialmente para a ProIndicus, não estaria o Estado a demitir-se da sua função essencial e terceirizá-la?

AG: Acho que não, o Estado já terceirizou muita coisa, até terceirizou o SISE com a KROLL, pegou numa empresa de espiões estrangeiros.   

MP: Pode explicar porquê não se optou em potencializar as FDS no lugar de se criar empresas privadas?

AG: Essa é matéria de Defesa e Segurança de Soberania e acho que já se falou demais, e não devemos fazer isso. Temos que defender a nossa soberania e uma das formas de o fazer é resolvermos os problemas nós mesmos.

MP: Que mecanismos tinham sido adoptados a nível do Governo e do Comando Conjunto com vista a proteção da Zona Económica Exclusiva, como Chefe do Estado?

AG: São os mesmos mecanismos que sempre adoptamos, através de documentos, relatórios e outros.

MP: Em que momento se chegou à conclusão de que a defesa da Zona Económica Exclusiva devia ser feita pela ProIndicus?

AG: O momento específico foi quando se analisou a proposta.

MP: A opção de se recorrer a dívida foi decidida no Comando Conjunto ou no Governo?

AG: O que nos preocupava era a soberania do nosso País e vimos outras coisas. Foi algo que foi tratado no Comando Operativo, ao qual eu deleguei.

MP: O declarante disse que delegou ao Comando Operativo. Por que meios essa delegação foi feita ?

AG: Não me lembro, acho que foi por despacho, normalmente fazemos assim.

MP: Está a dizer que a decisão de endividamento foi tomada por um economista das finanças?

AG: A decisão de procurar recursos foi tomada por mim, delegando o Comando Operativo através dos seus líderes.

MP: Quando lhe chegou ao conhecimento a proposta da Zona Económica Exclusiva e com recurso de um ISPG (ProIndicus) já tinha se indicado o grupo PrivInvest?

AG: Não lembro.

MP: Quando e como o declarante tomou conhecimento da prontidão da PrivInvest para a proteção da Zona Económica Exclusiva?  

AG: É difícil lembrar, mas nós trabalhamos com estudos e propostas apresentadas pelo Comando Operativo.

“Quem delega confia”

MP: Considera fidedigna a decisão de trabalhar com estudos e propostas dadas pelo Comando Operativo?

AG: Eu trabalhei com o Comando Operativo e a solução que eles trouxeram para mim é fidedigna porque eu deleguei, e quem delega confia. 

MP: Consta dos autos que recebeu uma carta que foi inscrita por Iskandar Safa, a 3 de Dezembro de 2012, dirigida ao declarante na qualidade de Presidente da República, pode dizer em que contexto foi escrita a carta e qual foi o seu posicionamento?

AG: A carta não foi escrita por mim, mas para mim, por isso não vejo a relevância de falar do contexto, porque também já não lembro, mas o meu posicionamento foi entregar aos meus delegados.

MP: Para além do grupo PrivInvest, o declarante soube da existência de outros projectos para a proteção da Zona Económica Exclusiva?

AG: Não.

MP: Consta dos autos que foi estabelecido uma espécie de gratificação para quem tiver se envolvido para a celebração do contrato, sabia dessa decisão?

AG: Não tive conhecimento.

“Não saí com documentos da Presidência da República”

MP: O declarante lembra de ter dirigido reuniões para a criação das empresas Ematum e MAM?

AG: Eu fiz um despacho em que delegava os poderes de negociação aos chefes do Ministério da Defesa, Ministério do Interior e Director-Geral do SISE, e isso pressupõem que foram discutidas essas questões.

MP: Fez despachos?

AG: Sim, mas eu não saí com documentos da Presidência da República.  

MP: Foi quem decidiu criar a Ematum e MAM?

AG: Como Comandante-em-Chefe, sim, sou chefe, tomei uma decisão. Era Presidente do país e queria defender todo o país, inclusive o Juiz.   

MP: Terá sido indicado o valor inicial para a criação da Zona Económica Exclusiva?

AG: Não me lembro. Não entrei nessas decisões, razão pela qual delegamos os ministros para decisão de detalhes, e entrar seria má gestão, mesmo quando se trata de dinheiro.

MP: Consta dos autos que Gregório Leão referiu que Teófilo Nhangumele fez apresentação da parte financeira do projecto numa reunião do Comando Conjunto, participou dessa reunião?

AG: Eu disse que não conhecia Teófilo Nhangumele e só o conheci no Língamo quando fui visitar meu filho. Não me recordo de conhecer Nhangumele ou ter visto, só o conheci no Língamo.

MP: Como e onde foi feita a implementação do projecto e qual era a situação económica do momento?

AG:  A situação não estava como hoje, talvez o chefe do Comando Operativo pudesse esclarecer melhor. 

MP: Qual é o valor estabelecido no estudo de viabilidade?

AG: Não me lembro.

MP: Relativamente ao financiamento das empresas, recorreram a 23 milhões de dólares. Terá o declarante participado no processo de autorização?

AG: Esta matéria foi discutida no Comando Operativo em relação ao financiamento das três empresas. Isso é problema do Comando Operativo. 

MP: Terá sido o declarante a instruir o ministro para autorizar a emissão da garantia no valor de 500 milhões de dólares?

AG: Seria ele a responder e não eu, com base naquilo que ele escreveu. Não tenho conhecimento.

Não concordo com ministro Mondlane

Ordem dos Advogados de Moçambique (Flávio Menete): Sabe em que momento e porque motivos foi decidido que, para além da ProIndicus SA, deveriam ser constituídas as empresas Ematum SA e MAM SA?

AG:  Ontem quando fui perguntado, eu referi-me que nós tivemos, primeiro, o conceito para a defesa da Zona Económica Exclusiva, tendo em conta as ameaças presentes, e nessa altura concebeu-se tudo. É isso que presidiu as três empresas e o conceito de defesa da Zona Económica Exclusiva, o único motivo que pode existir era o mesmo, era para defender a nossa integridade territorial e para responder adequadamente aos desafios que se colocavam, na altura.

OAM: Sabe quais as entidades que o Comando Conjunto terá indicado para coordenar os contactos de articulação com o grupo PrivInvest e com os bancos financiadores, no âmbito do projecto de concepção, aprovação e financiamento e implementação do Projecto de Proteção da Zona Económica Exclusiva?

AG: Houve um período de ligação, de responsabilidade de negociação, de concepção adicional naturalmente, assunto que foi confiado à comissão dirigida pelos três ministros que eu referi, dois ministros e um director-geral que tinha na altura o estatuto de ministro. Já agora queria aproveitar para esclarecer um ponto, na minha concepção, na altura, e continuo a té-la hoje, como Presidente da República, o Comandante Chefe não deve andar a tratar de todas as questões, é por isso que tem braços, órgãos de apoio, e nesse caso eu preferi delegar.

OAM: Gostaríamos, de seguida, de perceber o cenário em que funcionários e colaboradores da Presidência da República organizavam estas reuniões, viagens e projectos de protecção da ZEE. Estavam autorizados a estabelecer parcerias e a receber valores monetários do grupo PrivInvest? Teria, vossa excelência, algum comentário?

OAM: Consta nos autos que vários assuntos do Comando Conjunto foram debatidos fora da presidência, com preponderância ao sector de segurança, e tendo em conta a dimensão e sensibilidade que o assunto representava, um declarante referiu que tinham conhecimento de que as principais questões eram apreciadas e viabilizadas em encontros mais reservados entre o SISE e o comandante chefe, essas são declarações do antigo ministro do interior, Alberto Mondlane, gostaríamos de saber de vossa excelência se poderia indicar as questões bem como o local e as pessoas com quem eram discutidas essas tais questões, e se possível por que razão é que eram discutidas num outro fórum e não no comando Conjunto? 

AG: Presume-se, portanto, que as impressões do antigo ministro Mondlane são factos?

OAM: Concorda com o ministro Mondlane? E, se sim, o que mais teria a dizer sobre isto?

AG: Não concordo.

OAM: Por que motivo V.excelência não concorda e o que o leva a discordar?

AG: Porque não aconteceu.

OAM: Consta dos autos que as garantias soberanas emitidas para obtenção de financiamento junto dos bancos Credit Suisse e VTB tinham uma cláusula impondo a necessidade do dever de respeitar as obrigações para com o Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, incluindo o dever de informação, por exemplo, na garantia da dívida da Ematum. É a cláusula 5.4 que consta do volume 479. O que interessa saber de vossa excelência é se pode esclarecer qual teria sido a justificação do ministro das finanças (Manuel Chang) não cumprir esta obrigação de não dar informação ao FMI e ao Banco Mundial?

AG: Estou tendo agora a informação de tudo que está a dizer.

OAM: Excelência não recebia relatórios do ministro das finanças, das actividades que ele desenvolvia com vista a implementação do projecto?

AG: Naturalmente recebia, mas não sei se recebia todas as informações, porque há algumas que acabo de receber recentemente.

OAM: Tendo dito nesta audiência que não sabia se alguém do Comando Operativo viria ao tribunal, gostaríamos de saber qual teria sido o papel do antigo ministro de defesa nacional na criação, concepção e financiamento das empresas ProIndicus SA, Ematum SA e MAM SA?

AG: Ele era o chefe do Comando Operativo.

OAM: E sendo chefe estava informado de tudo, ele dava as instruções? Não percebemos o alcance de referir que ele era o chefe?

AG: Referi que ele era chefe, e como chefe ele devia esclarecer essas questões.

OAM: Será que deste dirigente também não recebia relatórios referentes ao curso das actividades no âmbito do projecto?

AG: Recebia informações através do Comando Conjunto.

OAM: Vossa excelência poderia dizer ao tribunal quem é que preparava as agendas do trabalho do Comando Conjunto? E quem é que substituía v.excia nas suas ausências e impedimentos? 

AG: Primeiro não me lembro que tenha estado ausente na reunião do Comando Conjunto, mas obviamente se estivesse ou se estive quem me substituiu terá sido o chefe do Comando Operativo. A preparação da agenda era feita através de propostas de cada um dos componentes do Comando Conjunto, nomeadamente o ministro da defesa, ministro do interior e a segurança.

OAM: Consta dos autos que o estudo de viabilidade do sistema de proteção e monitoria da ZEE tinha uma vertente de Defesa e uma vertente comercial, isto está nas folhas 525 do volume 4. Gostaríamos de saber de vossa excelência qual era a responsabilidade do Comando Conjunto e do Comando Operativo na fase de implementação e execução do projecto?

AG: Continuava a dirigir, cada um deles continuava a dirigir na área ou nível da sua responsabilidade, desde a concepção até a implementação e como deve saber a implementação não foi grande coisa, não aconteceu praticamente nada.

OAM: Por que motivo é que não teria acontecido a implementação?

AG: Eu já não estava na Presidência da República. Grande parte disso pode ser explicado através do actual Presidente da República, se ele tiver adoptado a mesma concepção e a mesma estrutura que existia quando eu era Presidente da República. Aliás, se me permite meritíssimo, nesse período de transição sem análise nem questionamento a nós outros começou-se a dizer que estava tudo errado, e até aí podem estar correctos, mas o problema é que se havia um projecto da ZEE, SIMP, se se conclui que o projecto estava errado não se devia deitar fora a água que lavou a criança e a própria criança, e foi isso que aconteceu.

Perdeu-se o sentido da história, na história aprende-se mesmo daquilo que está errado, não digo que se segue aquilo que está errado, aprende-se mesmo daquilo que está errado. Por exemplo, ouvi dizer que este é o projecto que criou problemas para Moçambique, um dos maiores problemas de Moçambique, os motivos de porque FMI desistiu, o Banco Mundial não continuou como devia fazer e os países ocidentais não continuaram, está bem, mas foi a primeira vez que aconteceu na nossa história?

Mas a nossa história de sermos abandonados por esses países? Não, eu daria um exemplo: Moçambique aplicou as decisões das Nações Unidas no período da sua independência, em que as Nações Unidas tinham declarado sanções a Rodésia de Ian Smith, praticamente a única via que Ian Smith tinha para receber recursos era via Moçambique de Salazar e Marcelo Caetano e África do Sul, e nós dissemos vamos aplicar nos termos que as Nações Unidas vão apresentar, fizemos isso, todas as sanções viraram-se contra nós.

“Isso foi campanha política e infelizmente…”

Isalcio Mahanjane, advogado de Ndambi Guebuza: Sua excelência Armando Emílio Guebuza, antigo presidente da República, recorda-se do nível de financiamento externo ao orçamento do Estado de Moçambique entre os anos 2010 e início de 2015?

AG: Bom, nesse período, o financiamento externo ia reduzindo. Não tenho dados estatísticos para apresentar sobre isso, mas a nível interno, apesar das dificuldades que o mercado internacional tinha,  não se pode dizer que a nossa economia estava bem e vinha do orçamento geral do Estado, e os 7 milhões eram por número de habitantes que cada distrito tinha. Outros 7 milhões que eram distribuídos a cada distrito todos os anos, de apoio à infra-estruturas, por exemplo, para melhorar as estradas, os edifícios onde viviam e trabalhavam os membros do Governo.

Só para dar exemplo, os administradores sempre influenciavam em algum momento como acordo e com a decisão do Conselho Consultivo. A ideia era fazer com que além de melhorar as condições de habitabilidade e de trabalho nos distritos, fazer com que as zonas de produção pudessem ser transitadas, os produtos pudessem ser transportados em estradas, pelo menos de terra batida, para as zonas de consumo. Depois de 2015 esse programa parou, as estradas que estavam a ser construídas tiveram uma outra estrutura, que não sei qual é.

Nesse mesmo período, tivemos novos projectos, que é o caso de estradas asfaltadas, que foram construídas na província de Niassa, estradas que saiam Marrupa a Nungo, fronteira com Cabo Delgado, estávamos a construir a estrada de Montepuez, em Zambézia  de Mocuba até Gurué e de  Alto Benfica uma ligação até Milange ficou de ser construída, na fronteira com Malawi, em Tete, foi construída a estrada Chitima para o interior, e iniciava-se a estrada que ia ligar com a fronteira do Zimbabwe. Em Sofala, a estrada EN6 da Beira, alargada e melhorada até à fronteira com o Zimbabwe, Machipanda, e também se construiu uma estrada nova naquela altura, de Chimoio para Espungabeira. Lá não tinha estrada alcatroada, todo o distrito não tinha estrada alcatroada. Chimoio – Espungabeira. Em Inhambane, iniciou-se com a preparação da construção com Macuacua (Gaza) e Homoine (Inhambane), circular e a estrada que dá para Ponta D’ouro. Isto para dizer que, em termos de investimentos, falando apenas de alguns nesse período, a situação estava a desenvolver-se bem e criava condições para ainda melhorar mais. Não falei dos caminhos de ferro, que conseguimos fazer a ligação Ferro portuária – Moatize, passando por Malawi até Nacala Velha.

IM: Tendo em conta a dívida pública, em 2015, acha que dois mil milhões de dólares podem condicionar uma economia ao ponto de um país vergar?

AG: Não, isso foi campanha política e infelizmente essa campanha política não prejudica apenas aqueles que trabalharam nessa altura, mas hoje estão a sacrificar toda a nossa população.

IM: Qual é a sua opinião relativamente ao SIMP, se o mesmo podia ter garantido segurança ao longo da costa de Cabo Delgado, impedindo, por exemplo, o tráfico de drogas, o trafico ilegal e o abastecimento logístico aos terroristas?

AG: Sim, acredito nisso. Se o projecto estivesse a funcionar com todos os seus erros, estaríamos a corrigir os erros do projecto para melhorar essa actuação.

Facebook Comments