Câmara dos Despachantes capturada por uma pequena elite

ECONOMIA SOCIEDADE
  • Não emite novas licenças desde 2007
  • Técnicos aduaneiros agastados por serem obrigados a trabalhar como ajudantes
  • Situação abre espaço para “aluguer” e “venda” de assinaturas na classe

Desde 2007 que a Câmara dos Despachantes Aduaneiros de Moçambique (CDA) não emite, pelo menos de forma pública, novas licenças aos profissionais da área, facto que preocupa maior parte dos despachantes formados desde aquela época e, por via disso, são obrigados a trabalhar como ajudantes dos poucos profissionais publicamente conhecidos no país. Para entender melhor o cenário, Evidências visitou alguns escritórios de despachantes aduaneiros sediados na cidade de Maputo, onde, em cada um, mais de 10 profissionais trabalham como ajudantes de um único despachante licenciado pela CDA.

Duarte Sitoe

Segundo apuramos, a posse da cédula constitui, por si só, um negócio cujo trabalho do detentor se resume em contratar ajudantes para colocarem as mãos à massa. Há casos em que a única função dos detentores de cédula é assinar processos.

Na prática, segundo os despachantes ajudantes contactados pela nossa reportagem, os titulares das licenças que são atribuídas exclusivamente pela CDA não passam de 250 em todo o país, e os jovens que vêm sendo formados pelas diversas instituições de ensino são obrigados a contentarem-se em serem simples assistentes, muitas vezes com contratos precários.

A situação é de tal forma grave que um único despachante oficial chega a acreditar mais de quatro escritórios ou empresas de despachantes que integram dezenas de ajudantes. Além de empresas e escritórios, chegam a alocar as acreditações a despachantes individuais sob a condição de pagar uma percentagem estimável em cerca de 25 por cento do valor cobrado a cada processo tramitado.

Por essa razão, há informais que se posicionam nos Terminais Internacionais (TI) se fazendo passar por despachantes, quando na verdade dependem das assinaturas dos oficiais para o desalfandegamento de mercadorias, o que propicia práticas que chegam a ser lesivas ao próprio Estado.

Os técnicos que falaram ao Evidencias apelam a Câmara dos Despachantes Aduaneiros de Moçambique (CDA) a rever a sua postura e retomar a atribuição de licenças aos novos profissionais.

“As escolas continuam a formar despachantes, mas a CDA não está a emitir licenças. Estamos prontos para sermos testados e avaliados, mas não temos oportunidade”, desabafou um despachante ajudante com mais de cinco anos de experiência que preferiu se identificar pelo nome de Tobias.

Técnicos aduaneiros abandonados à sua própria sorte

Outro profissional em circunstâncias similares disse que o último concurso da CDA foi realizado em 2007 e de lá para cá não houve nada e ninguém ousou em nome da agremiação explicar as razões. A fonte conta que, segundo os estatutos da agremiação, o concurso deveria ser feito pelo menos uma vez em cada cinco anos.

“Existem muitos técnicos aduaneiros formados que estão à espera do concurso público para poderem adquirir a cédula, mas as portas continuam fechadas. A Câmara dos Despachantes Aduaneiros de Moçambique tem limitado a credenciação de novos profissionais da classe”, desabafou Tobias, destacando que os despachantes com cédulas funcionam como verdadeiros barões.

A limitação de atribuição de licenças a despachantes aduaneiros está a resultar na abundância da informalidade no sector, além disso, sem licenças, os profissionais não podem responder pelos processos ou reagir em casos de violação de seus direitos, uma vez que não são titulares das licenças com que tramitam os processos.

Num outro desenvolvimento, a fonte disse que a Câmera dos Despachantes Aduaneiros não tem representações nos Terminais Internacionais de mercadorias (TI), o que torna a organização pouco activa no referente a acções de defesa dos interesses dos despachantes.

“Quando nos deparamos com situações de infracções da parte dos agentes alfandegários não temos quem nos defenda, uma vez que a CDA não faz nada. Se não nos dá licenças, pelo menos devia nos proteger, mas não é o que acontece”, disse.

“O sector está desorganizado”

Numa outra abordagem, Manuel Margarido revelou que o desalfandegamento de mercadorias é um processo que cria muita tensão, é uma verdadeira batalha diária entre os despachantes que assumem papel de advogados e os agentes alfandegários como juízes de mercadorias.

Enquanto conduzíamos a entrevista numa das empresas vocacionadas em despachos aduaneiros, com um despachante ajudante e responsável por gerir uma dúzia de seus colegas na mesma condição, Marlene Ubisse, também dona do crachá de ajudante, decidiu desabafar.

“Há muitos desmandos que ocorrem no nosso sector sob o olhar impávido da Câmara dos Despachantes Aduaneiros. O sector está desorganizado e isso é bastante preocupante. Pedimos a quem de direito para repor a ordem para o bem da classe”, disse.

A título de exemplo, a fonte reclama o encerramento, sem explicações, da INTERTEC, empresa que fazia inspecção das viaturas antes da compra, além disso, a empresa garantia que a mercadoria chegasse sob as condições negociadas.

Por via disso, há muitos conflitos entre os agentes das alfândegas e os despachantes aduaneiros, mas a corda acaba arrebentando do lado dos despachantes, uma vez que, segundo a fonte, para além de não serem donos das licenças, a CDA nada faz .

“Sentimos falta da INTERTEC, estamos a sofrer, porque compramos viaturas a um certo preço no estrangeiro, mas quando chega a Moçambique os alfândegas reavaliam e nos obrigam a pagar outro preço, alegando que eles tem uma tabela com preços específicos das viaturas”, lamentou.

Para além dos conflitos com as alfândegas, os despachantes reclamam dos preços e multas de parqueamento nos portos que chegam a alcançar oito mil meticais por dia, incluindo sábados e domingos.

“Em meios a esses problemas, a câmara não faz nada, assim esperamos que o novo presidente olhe por nós e que consiga pelo menos mediar as relações com os sectores com que temos trabalhado”, concluiu.

“A acusação é irrelevante”

Reagindo às acusações dos despachantes aduaneiros que se viram obrigados a trabalhar como ajudantes em virtude de não se admitir, de forma pública, desde 2007 novas licenças aos profissionais da área, Câmara dos Despachantes Aduaneiros de Moçambique classifica o ataque dos “aduaneiros” de irrelevante e infundado.

Apoiando-se no artigo 5 da Lei 4/2011 de 11 de Janeiro que cria aquela agremiação que defende que são atribuições da mesma “conferir a carteira profissional; elaborar e manter actualizado o registo dos membros da CDA; reunir, num único diploma, diversa legislação avulsa publicada, desde a independência; agravar os valores das multas; descentralizar as competências dos diversos intervenientes no processo; harmonizar a legislação nacional com a da região da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC);  impulsionar acções para reduzir os acidentes de viação” a CDA referiu que não tem de concreto como pronunciamento sobre o assunto.

Por outro, elencando do artigo 21 de Decreto 18/2011 que aprova o Regulamento do Exercício da Actividade do despachante aduaneiro, a CDA adiantou que compete à Direcção-Geral das Alfândegas licenciar a actividade de despacho aduaneiro de mercadorias exercida por conta própria, por profissional independente, como sócio administrador ou gerente de sociedade de despachantes aduaneiros.

“O licenciamento é feito após a emissão de carteira profissional pela Câmara dos Despachantes Aduaneiros de Moçambique e mediante a apresentação de um requerimento dirigido ao Presidente da Autoridade Tributária de Moçambique, devendo, a excepção daqueles que tiverem sido entregues para efeitos de candidatura a exame…”, referiu uma fonte não autorizada.

Indo mais longe, a Câmara dos Despachantes Aduaneiros de Moçambique lembrou aos técnicos aduaneiros que “não seria a primeira reunião que teriam com os órgãos sociais, não só para tratar destas matérias como de outras que acharem necessárias”.

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