Bernardino Rafael demite Inácio Dina por não ter soltado os “cães”

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE
  • Patrono da repressão policial mostra a cara     
  • Comandante Geral não engoliu a seco a manifestação de Xinavane
  • A polícia tem sido usada para reprimir manifestações com violência

O que começou como uma greve de trabalhadores da açucareira de Xinavane, no posto administrativo com mesmo nome, no distrito da Manhiça, acabou ganhando contornos de uma grande manifestação que culminou com a destruição de vários bens públicos e privados, após uma resposta popular que marchou até o posto policial local exigindo a libertação dos líderes da greve dos trabalhadores, curiosamente, devidamente comunicada e autorizada. A situação foi marcada por muita animosidade que terminou em actos de violência, vandalismo e incêndios, incluindo de uma esquadra da polícia, forçando agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) a saírem em debandada. Provavelmente irritado pela incapacidade demonstrada de conter a fúria popular, o comandante geral da PRM, Bernardino Rafael, decidiu exonerar o comandante provincial, Inácio Dina, e os comandantes da Manhiça e posto de Xinavane.

Evidências

Nos últimos anos, a PRM, através das suas várias unidades, incluindo especializadas, tem conseguido controlar com alguma facilidade qualquer tentativa de manifestação popular, mas na última semana a fúria da população do pacato posto administrativo de Xinavane venceu o medo e a polícia foi obrigada a abandonar suas instalações em debandada.

 

Tudo começou quando sete trabalhadores da Açucareira de Xinavane foram detidos, na passada terça-feira, e levados às celas do Comando Distrital da Polícia da República de Moçambique (PRM), na vila da Manhiça, por alegadamente terem liderado a greve dos trabalhadores da açucareira que desde 31 de Janeiro vem reclamando melhores condições salariais.

Os detidos, entretanto já soltos, fazem parte de um grupo de mais de três mil trabalhadores em greve desde 31 de Janeiro exigindo uma revisão salarial dos actuais 4.5 mil para sete mil Meticais e pagamento de bónus de época referente aos últimos dois anos. Entendem os trabalhadores que o custo de vida deteriorou-se nos últimos anos e com o actual salário já não conseguem sobreviver.

A Tongaat Hulett apostou na gestão do tempo e ignorou o grito dos revoltados, o que levou com que a greve se prolongasse para além dos 14 dias anteriormente estabelecidos. Até ao fecho desta edição não havia ainda um acordo, pois a empresa promete informar sobre a revisão salarial a 03 de Março, mas os trabalhadores não se mostram convencidos.

A detenção dos referidos trabalhadores, sob pretexto de estarem a agitar os mais de três mil trabalhadores, na sua maioria agrónomos, para paralisarem as actividades, enfureceu a população daquele ponto do país que saiu à rua, barricou estradas, ateou fogo no posto policial local e residências dos dirigentes da açúcarreira, destruindo tudo que encontraram pelo caminho.

Igualmente, os grevistas incendiaram a residência e viatura do Chefe do Posto Administrativo local, bem como carros e alguns campos de cana-de-açúcar da Tongaat Hulett, enquanto filmavam e publicitavam a acção nas redes sociais. A solidariedade veio de todos os lados de Xinavane, mas sobretudo do bairro Sambo, onde residem os trabalhadores que estavam detidos.

Exonerado por não impor punho de ferro

A imagem de um posto policial em chamas e de agentes da polícia em debandada, após a invasão do posto policial por parte de populares munidos de paus e objectos contundentes, não caiu bem nas fileiras da PRM.

Enfurecido, comandante geral, Bernardino Rafael, habituado a ver seus homens obterem êxito na contenção de manifestações, exonerou o comandante da PRM na província de Maputo,  Inácio Dina, o comandante distrital da Manhiça, José Jofrisse, para além do chefe do posto policial local, cujo nome não conseguimos apurar.

A exoneração de Inácio Dina, um comissário principal da polícia, e seus subordinados, directamente ligados ao caso da greve de Xinavane, é encarada como sendo uma mensagem que o comandante geral, Bernardino Rafael, quer transmitir para dentro de que não irá permitir chefias fracas.

Ciente de que a opinião pública iria fazer uma correlação directa com a aparente incapacidade demonstrada pela corporação em conter um grupo de camponeses munidos de paus e pedras, Bernardino Rafael num encontro com oficiais do comando provincial da polícia em Maputo, justificou as mudanças com movimentações de rotina para refrescar as chefias.

“Decidimos, também, depois de analisar a situação, tentar refrescar a direcção do comando provincial”, disse, justificando que os exonerados vão prestar serviço em outras áreas, antes de acrescentar que “Os tumultos e a vandalização de infra-estruturas no posto administrativo de Xinavane foi o cúmulo da perturbação da ordem e segurança pública na província”.

Na ocasião, avançou terem sido detidas 27 pessoas em conexão com o que chamou de vandalismo. Os mesmos se farão presentes à justiça por suspeitas de envolvimento na destruição de bens públicos, prosseguiu.

Nos últimos anos, a polícia, sob comando de Bernardino Rafael, tem repelido manifestações com bastante violência, chegando mesmo a cercar e deter pequenos grupos que procuram marchar de forma pacífica e sem motivações políticas, como aconteceu recentemente com um grupo de 17 mulheres que foram impedidas de reivindicar contra o fim da violência doméstica, no âmbito dos 16 dias de activismo.

Investimento na repreensão policial

A actuação violenta da polícia para limitar liberdades e direitos dos cidadãos tem sido um dos indicadores que contribui para a recorrente queda do país nos indicadores de democracia no mundo, sendo muitas vezes apontado como um país autoritário, como no recente ranking anunciado pela The Economist Intelligence Unit (EIU), em que Moçambique surge mais uma vez colado a Estados falhados como o Iraque.

De acordo com a Constituição da República, no seu artigo 51, “Todos os cidadãos têm direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei”, contudo nos últimos anos este direito tem vindo a ser coarctado pelo Governo, através das Forças de Defesa e Segurança.

A violência e a repreensão policial são de tal forma alarmantes que basta apenas se convocar uma pequena manifestação para no dia seguinte as ruas das principais cidades estarem inundadas de blindados, agentes, incluindo os da brigada anti-motim e Unidade de Intervenção Rápida, incluindo cães polícias.

Acredita-se que terá sido por não ter cumprido religiosamente esta prática que Inácio Dina acabou saindo pela porta pequena, ou seja, caiu por não ter mostrado punho para repelir a manifestação.

É que, depois de ter feito demonstração de força, colocando nas ruas autênticos robots no dia das manifestações de estudantes e sociedade civil que seguiram-se à morte de Gilles Cistac, em Março de 2015 (primeira vítima dos esquadrões da morte), o governo tem estado a recorrer à força letal e desproporcional para repelir qualquer tipo euforia nas ruas.

No consulado de Filipe Nyusi, as únicas manifestações que se conhecem são apenas algumas passeatas pela paz e contra raptos de albinos ou empresários. Sempre que alguma organização se propõe a convocar cidadãos às ruas para reivindicar qualquer que seja a injustiça, no dia seguinte a polícia posiciona blindados e homens nos principais centros de concentração, entroncamentos e entradas dos bairros.

ND chama de violência de baixo contra violência de cima

Sempre presente na vida política, social e económica do país, o movimento Nova Democracia foi o único partido político que reagiu oficialmente, tendo acusado a polícia de ter agido de forma arbitrária contra pessoas que estavam a exigir seus legítimos direitos, o que acabou provocando a fúria popular.

“O que aconteceu em Xinavane foi provocado pela actuação arbitrária da polícia, que deteve manifestantes educados e pacíficos. Então a comunidade reagiu. Isso chama-se violência de baixo contra a violência de cima. Uma espécie de violência revolucionária, pois reedita-se no País a exploração do Homem pelo Homem”, reagiu em comunicado Salomão Muchanga.

Segundo aquele movimento político, o grande culpado pela situação é o Governo que em conluio com corporações exploradoras, nivela o povo por baixo.

“Faz se prosperar a fome,  exclusão e a miséria colectiva. É preciso lembrar que a revolução alenta-se nas insuportáveis condições de vida de um povo. Somos solidários ao povo oprimido”, sublinhou Muchanga.

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