“Recebemos mães com 19 anos que vem abrir a ficha, grávidas do terceiro filho” – desabafa profissional de saúde

SAÚDE SOCIEDADE
  • Prevalência de gravidez precoce preocupa sector da saúde

Cerca de 439.453 mulheres dos 20-24 anos, no país, tiveram o primeiro filho antes dos 18 anos de idade, e, dessas, 85.251 eram menores de 15 anos, de acordo com o relatório do UNICEF feito em 2011 e entre as principais causas da gravidez precoce consta a falta de informação e devido a ausência de diálogo entre pais e filhos sobre a saúde sexual e reprodutiva, uma situação que prevalece sobretudo no meio rural onde a sexualidade ainda é encarada como tabu. Na localidade de Chichongue, no posto administrativo de Calanga, no distrito da Manhiça, por exemplo, os Serviços Amigos de Adolescentes e Jovens (SAAJ) recebem mensalmente em média 12 raparigas com idade inferior a 15 anos de idade que procuram pela primeira vez pelos serviços pré-natais.

Neila Sitoe

Moçambique ainda regista níveis altos de gravidezes precoces, sobretudo no meio rural, o que causa muitas vezes consequências irreversíveis para as raparigas, dentre os quais traumas e casamentos prematuros.

Na pacata localidade de Chichongue, posto administrativo de Calanga, no distrito da Manhiça, parte considerável das consultas pré natais para abertura de fichas é feita por menores de 15 anos. De acordo com Januário Paulino, técnico de Medicina Geral no posto de saúde local, a média de procura por serviços pré-natais, para abertura de ficha por parte menores de 15 anos é de três gestantes por semana, perfazendo 12 por mês.

“Por vezes recebemos mães com 19 anos que vem abrir a ficha porque estão grávidas do terceiro filho, o que indica que teve duas gravidezes precoces. E esta situação preocupa-nos como autoridades de saúde, preocupa-nos ainda o facto de muitas raparigas que frequentam as consultas pré-natais serem menores de 15 anos”, lamentou.

Para que estes casos não continuem a ser recorrentes na localidade, o técnico diz que os agentes de saúde têm feito campanhas nas escolas com vista a sensibilizar os adolescentes para adiarem o sexo para mais tarde, ou para usarem métodos contraceptivos quando quiserem iniciar a actividade sexual.

“Recebemos vários casos de crianças e que são menores até de 14 anos para darem parto, e nessas situações como a nossa unidade sanitária não dispõem de equipamentos necessários para fazer cirurgias, por exemplo, temos que transferir as parturientes para o hospital da Manhiça para que possam ter um atendimento especializado, mas é importante que as raparigas, os pais ou encarregados de educação saibam que quando uma rapariga ainda é menor, o seu organismo não esta preparado para receber um feto e nem cuidar da gestação durante os nove meses”, alertou.

Para depois acrescentar que os riscos da gravidez precoce são vários, dentre eles a morte materna durante o parto e porque o organismo da menor ainda não está preparado para o parto, a mulher pode virar estéril porque durante o nascimento o bebé pode sair juntamente com o útero, o que chamam de prolapso uterino, ou pode se dar o caso do bebé morrer ainda no ventre devido ao sufocamento como também pode morrer durante o parto porque a bacia da menor não está preparada para o parto. Por isso muitas das vezes opta-se pelo parto a cesariana.

Sonhos interrompidos

Gleides Simão (nome fictício), residente em Chichongue, de 14 anos de idade, teve uma gravidez precoce aos 13 anos de idade, e devidas as complicações no parto, ainda carrega o trauma, as marcas e a dor de ter sido mãe precocemente. 

“Ano passado eu frequentava a 6ª classe, e tinha 13 anos, sempre gostei de estudar de tal forma que durante toda a gestação continuei a frequentar as aulas, também porque descobri que estava grávida já no quinto mês. Notei transformações no meu corpo, mas pensei que fosse coisa normal, mas depois de uns meses vi que minha barriga estava grande e a minha professora perguntou-me se eu não estava grávida, e se não tinha feito relações sexuais desprotegidas. A ignorei porque não compreendia nada do que ela estava a falar”, afirmou.

A fonte conta que depois de um tempo a sua barriga já estava muito saliente e a sua mãe também a questionou o mesmo que a professora. Ela via algumas mulheres grávidas, outras da sua faixa etária que por sinal eram suas colegas de escola, mas longe dela pensar que também pudesse acontecer com ela, visto que só manteve relações sexuais com um jovem numa noite, durante um convívio em que fora com as amigas e nunca mais viu o tal jovem.

“Foi a primeira vez que fiz aquilo, e não sabia que ficaria grávida. Depois de muita porrada que minha mãe me deu quando descobriu que eu estava grávida levou-me para o hospital na tentativa de interromper a gravidez, mas as enfermeiras não aceitaram. Continuei com a gravidez e não tive nenhuma complicação até ao dia de parto, que tive de ser transferida para o hospital da Manhiça porque as enfermeiras disseram que o meu parto seria a cesariana. Passei por muito sofrimento no hospital e ainda sofro para cuidar do meu filho”, disse olhando para o filho com lágrimas no rosto.

Gleides lamenta o facto de ter de parar de frequentar a escola para cuidar do seu filho, visto que sua mãe não tem como cuidar dele porque deve prover por ela, pelos irmãos e agora pelo neto.

Engravidada por um adulto e abandonada

Quem também teve uma gravidez precoce é Ana Massango. Agora com 19 anos de idade, conta que engravidou quando tinha 14 anos de um senhor vizinho, que trabalhava na África do Sul, mas este não quis assumir a gravidez e o seu pai a obrigou a deixar de estudar para dedicar-se ao comércio para que pudesse sustentar o seu filho.

“Se pudesse voltar no tempo teria feito tudo diferente, ter um filho não é fácil. Eu me via como uma criança que devia cuidar de uma criança, e assim foi, tive que parar de estudar, para me dedicar ao comércio de hortícolas de forma a sustentar o meu filho. Por isso aconselho as raparigas a adiarem o sexo ou a usarem métodos contraceptivos”, afirmou.

Para a psicóloga Rita Nhapendo, uma mulher que engravida precocemente, sofre estigma e discriminação da sociedade e da própria família, para além dela própria se privar de frequentar a escola e evitar o convívio com as demais raparigas da idade dela

 “Este mal que apoquenta a sociedade moçambicana e atrasa o desenvolvimento da mulher e da sociedade em geral, pode ser evitado com o aumento de Serviços Amigos do Adolescentes e Jovens(SAAJ) nas escolas, através da disseminação de matérias sobre saúde sexual e reprodutiva nas comunidades e as mesmas matérias devem ser lecionadas nas escolas desde a tenra idade para que os adolescentes tenham conhecimentos sobre os métodos contraceptivos, sobre a importância da abstinência e sobre a sua saúde sexual e reprodutiva, visto que muitas das vezes as raparigas não têm conhecimento sobre essas matérias”, sustenta.

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