Ministério Público confirma que Nyusi e a Frelimo receberam subornos da PrivInvest

DESTAQUE POLÍTICA
  • PR e o partido só continuarão impunes por falta de Lei?
  • MP diz que não há lei que pune partido e candidatos que recebem dinheiro sujo
  • Filipe Nyusi recebeu um milhão e o partido Frelimo 10 milhões de dólares
  • Assunção do “suborno” pode mudar tudo no processo em Londres

Ao fim de sete meses após o arranque do julgamento do caso das dívidas ocultas, que se encontra já na fase de alegações, o Ministério Público reconheceu, pela primeira vez, semana passada, haver provas bastantes de que o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o Partido Frelimo receberam subornos da PrivInvest na ordem de um milhão de dólares e USD 10 milhões, respectivamente. No entanto, a procuradora Sheila Marrengula socorreu-se de uma suposta ausência de uma lei específica que responsabiliza partidos políticos e candidatos que recebam dinheiro “sujo”, aparentemente para a campanha política. Nalguns círculos de opinião entende-se que o facto da Procuradoria moçambicana admitir a possibilidade do PR ter recebido subornos pode mudar tudo no processo em Londres, em que já foi notificado como quarta parte e cujo julgamento inicia em 2023.

Reginaldo Tchambule

Desde o arranque do julgamento das dívidas ocultas, a opinião pública moçambicana vem questionando o facto de, apesar das provas, a acusação do Ministério Público não ter sequer uma linha sobre o recebimento de pelo menos USD 10 milhões pelo partido Frelimo, em 2014, para pré-campanha e campanha do partido e do seu então candidato, Filipe Nyusi.

Igualmente, gerou alguma estranheza o facto de o Ministério Público ter ignorado as provas sobre o alegado suborno da PrivInvest a Filipe Nyusi em pelo menos um milhão de dólares, para além de outros presentes a si e para seus filhos, incluindo o carro da marca Land Cruiser personalizado, com o qual o então candidato da Frelimo palmilhou o país de lês a lês.

Entretanto, o Ministério Público reconheceu, semana finda, a relevância das provas sobre o recebimento de dinheiro “sujo” por parte das duas entidades, contudo disse estar de mãos atadas por supostamente não haver lei para tal acto.

Em jeito de resposta à onda de indignação com a forma selectiva como o Ministério Público deduziu a acusação para proteger Filipe Nyusi, o partido Frelimo e outras personalidades com responsabilidade política, Ana Sheila Marrengula disse que não chamou o partido no poder e o candidato às eleições de 2014, por limitação de legislação sobre o financiamento dos partidos políticos.

“Moçambique não dispõe de legislação apropriada que regule o funcionamento público e privado aos partidos políticos, bem como as organizações sociais e religiosas e até mesmo de candidatos a cargos políticos”, disse Sheila Marrengula, evitando citar o nome de Filipe Nyusi, mantendo coerência em relação a sua postura e do juiz, que durante todo o julgamento deixaram transparecer em vários momentos estarem a proteger o actual Presidente da República, que foi largamente citado no julgamento desde o primeiro dia.

Entretanto, as declarações do Ministério Público ao assumir que Filipe Nyusi recebeu dinheiro do suborno, contrastam com a convicção que o juiz Efigénio Baptista deixou ficar a 28 de Setembro de 2021, quando declarou que não há vestígios deste ter recebido subornos, na sequência da interpelação de Gregório Leão, que solicitou a presença de Filipe Nyusi e de outros membros do Comando Operativo na tenda da BO.

“Em todas as contas do Presidente Guebuza e da sua mulher não houve recebimento de dinheiro do grupo PrivInvest. Quanto ao actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, também não tem nada no processo, de que recebeu algum dinheiro do grupo PrivInvest. Quem tiver informação em contrário vá entregar na Procuradoria-Geral da República”, desafiou Efigénio Baptista.

Retorquindo, o antigo director-geral do SISE perguntou se havia sido encontrado dinheiro em sua conta, ao que o juiz respondeu referindo que não, mas havia indícios de que sua esposa era testa de ferro. 

Ainda nas alegações, como que a espantar a desconfiança de um julgamento que desde o início foi associado a um suposto expediente político, Sheila Marrengula esgotou argumentos para tentar provar que não existe nenhum comando operativo extra judiciário.

“Não há espaço para interferência política ou de outra natureza na actuação do Ministério Público. Aliás, por amor-próprio jamais admitirá qualquer tentativa de influência ou intromissão à margem da lei, e quem ousar fazer merecerá o devido tratamento nos termos da lei”, sublinhou.

PrivInvest deu pistas dos pagamentos a Nyusi e a Frelimo

Na sua defesa, no âmbito de um outro processo que corre termos na Suprema Corte de Londres, na Inglaterra, movido pela PGR contra o Grupo PrivInvest, Iskandar Safa, dono daquele conglomerado empresarial, deu detalhes de como terá pago quantias substanciais, tanto directa quanto indirectamente, para o Presidente Nyusi, após a sua eleição como candidato para as eleições presidenciais de 2014.

O estadista moçambicano terá recebido subornos na ordem de um milhão de dólares para a sua campanha de 2014 e outros um milhões terão sido pagos em bens ocultados em paraísos fiscais. O arguido António Carlos do Rosário foi quem, segundo a acusação da PrivInvest, terá dito a Boustani que o Presidente Nyusi desejava receber fundos da PrivInvest para a sua campanha.

“Rosário indicou ao Sr. Boustani que o presidente Nyusi desejava receber recursos do PrivInvest para sua campanha, separado dos fundos que estão sendo contribuídos directamente para FRELIMO (USD 10 milhões)”, refere Safa.

A PrivInvest fez o referido pagamento a 10 de Abril de 2014, através da Logistics Offshore, para uma conta em nome da Sunflower International Corp FZE na Emirates NBD. A PrivInvest alega ainda que adquiriu uma viatura de marca Toyota Land Cruiser, por 728,6614.42 rands, para uso pessoal de Filipe Nyusi na campanha eleitoral que o conduziu à Presidência da República em 2014.

Da suposta testa de ferro

A PrivInvest diz que para ocultar a proveniência do dinheiro, António Carlos do Rosário recebia o dinheiro de Nyusi e transferia para Sabrina Madebe, uma agente do SISE, ex-funcionária da ProIndicus e parente do Presidente Nyusi.

Sabrina é sobrinha e afilhada de casamento do PR e, segundo a PrivInvest, era a sua testa de ferro. O ministério público moçambicano nunca se pronunciou sobre estas alegações.

“Por volta de Julho de 2014, o presidente Nyusi solicitou a aquisição de um veículo de campanha. O Presidente Nyusi, especificamente, solicitou o seu carro por e-mails, de 21 e 24 de Agosto 2014, que a obra de arte específica fosse fornecida. O veículo (um Toyota Land Cruiser com modificações adequadas e arte) foi adquirido mediante pagamento datado de 11 de Julho de 2014, pela ProIndicus para a Spring Trade 206 CC, uma empresa sul-africana, no valor de 7.286,614,42 Rands”, relata a Privinvest.

Prossegue Safa referindo que “Em uma reunião com Jean Boustani no Aeroporto Paris-Le-Bourget, em 01 de Agosto, o Presidente Nyusi solicitou mais contribuições de campanha e / ou assistência da PrivInvest. Esta reunião ocorreu no contexto do périplo do candidato pela Europa (Londres, Paris, Berlim e Lisboa)”.

O mesmo António Carlos de Rosário que falava em nome de Filipe Nyusi, segundo a PrivInvest, terá comprado uma vivenda localizada num bairro de elite, em Cape Town, na África do Sul, para Jacinto Ferrão Filipe Nyusi, filho do Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, em Julho de 2014, coincidentemente  no mesmo período (Entre Abril e Agosto de 2014) em que a PrivInvest diz ter aberto os cordões à bolsa para pagar subornos a aquele que viria a ser o quarto Presidente do país. Quando iniciaram as investigações do caso, o filho de Nyusi livrou-se daquele activo que se supõe ter sido adquirido com dinheiro das dívidas ocultas.

Frelimo andou à chuva sem molhar

Provas apresentadas em sede do julgamento de Nova York, nos Estados Unidos, e que agora são juntas ao processo que corre em Londres, no Reino Unido, o partido Frelimo é identificado como beneficiário de 10 milhões de dólares.

O dinheiro foi debitado em quatro parcelas da conta da Logistics Offshore nos dias 31 de Março de 2014, 29 de Maio de 2014, 19 de Junho de 2014 e 3 de Julho de 2014 para uma conta titulada pelo Comité Central do partido no Banco Internacional de Moçambique (BIM). Na altura, Guebuza ainda era Presidente da República e Filipe Nyusi era candidato.

Por essa razão, há cada vez mais uma crença de que o julgamento das dívidas ocultas é uma farsa que visa sacrificar uns tantos bodes expiatórios para dar aos moçambicanos uma sensação de uma falsa justiça. Há quem acredite que a transmissão em directo tinha em vista conquistar a opinião pública e dar subsídio ao discurso vago de combate à corrupção, mas o facto de o nome de Filipe Nyusi estar a ser citado como um dos responsáveis todos os dias acabou baralhando as contas.

Com o avançar do julgamento e abertura de dossiers fracturantes, o partido Frelimo está cada vez mais a aprofundar a divisão em alas, havendo quem culpa a direcção do partido por ter deixado que os master minds insistissem numa transmissão em directo com o objectivo de humilhar Guebuza.

Com o nome de Filipe Nyusi a ser citado todos os dias e a aproximação do julgamento de Gregório Leão, o partido orientou a Televisão de Moçambique e a Rádio Moçambique para interromperem a transmissão do julgamento, enquanto as organizações sociais, sobretudo a Organização da Juventude Moçambicana (OJM), andam em passeatas pelo país para a lavagem e promoção da imagem beliscada de Nyusi.

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