Primeiro jornal em língua nacional: uma nova fase para o jornalismo moçambicano?

OPINIÃO

 Luca Bussotti

O jornalismo moçambicano é bastante rico e variado: desde o início da década de 90, uma série de órgãos de informação privados e comunitários se acrescentaram aos “clássicos” de tipo público, tais como TVM, RM, Notícias, Desafio e por aí fora. Na versão impressa tudo começou com o grupo da MediaCoop que produziu numa primeira fase o jornal distribuído via fax, MediaFax, e a seguir o semanário Savana, ainda hoje um dos mais destacados da praça. Em paralelo, a experiência, infelizmente, por muitos esquecida, do Demo, complementava o jornalismo de alto nível profissional e muito contundente do MediaCoop. Naqueles anos, UNDP e UNICEF encorajavam a formação de emissoras radiofónicas comunitárias, algumas das quais com alguns programas nas línguas nacionais.

Este hábito, de ter alguns programas nas línguas nacionais, foi emulado por parte de grandes emissoras, principalmente de tipo radiofónico, tão que hoje a própria RM tem parte da sua programação nestes idiomas, aproximando assim o público que pouco conhece o português à informação do país. Programas em inglês também existem há muito tempo no panorama da comunicação social moçambicana.

Não estamos, portanto, numa situação de tábua rasa, quanto ao uso público das línguas locais. Entretanto, tal uso sempre se limitou a passar pela rádio ou pela televisão, portanto pela oralidade; se isso abriu algumas portas, entretanto também segregou as línguas nacionais à esfera oral, segundo uma tradição que vem do colonialismo e que se manteve, em larga medida, com a independência.

Desde 16 de Outubro do ano passado, em Nampula, um grupo de jovens intelectuais, chefiados pelo Padre Cantífula de Castro, em colaboração com o Padre Bonifácio Raça, tiveram a iniciativa inédita de publicar um jornal exclusivamente em língua emakhuwa. O jornal, por agora disponível apenas na versão online e por assinantes, traz o título de Wonhierya, e trata de assuntos relativos ao norte de Moçambique, e particularmente da província de Nampula; é um jornal generalista, mas com atenção especial à valorização da cultura, tradições e língua emakhuwa.

Além deste jornal pioneiro, a Emakhuwa Consultoria e Serviços, a empresa proprietária deste órgão de informação, procura difundir a cultura e a língua emakhuwa mediante cursos específicos, a que os jovens makhuwa estão a responder muito positivamente. Numa sociedade globalizada, em que é fácil perder a própria identidade individual e colectiva, o esforço enveredado por parte dos fazedores desse jornal é assinalável, pois coloca na justa dimensão a questão da valorização de um povo dentro de uma nação, a moçambicana, saindo dos lugares comuns das línguas locais como idiomas apenas orais. Não restam dúvidas de que o jornalismo moçambicano tenha agora acrescentado à sua tradição multifacetada uma outra pedra, a que esperemos que outras se acrescentem, de forma a tornar os conteúdos escritos cada vez mais acessíveis à maioria da população moçambicana.

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