Unidos na saudação à Filipe Nyusi no meio ao caos da TSU

DESTAQUE POLÍTICA
  • Polícia e Frelimo já não escondem promiscuidade
  • Agentes da polícia marcharam e tocaram banda na saudação ao terceiro mandato
  • Participação da polícia na marcha da Frelimo viola Estatuto Orgânico da PRM
  • Estatuto Orgânico da PRM diz que a polícia deve ser apartidária

 

Com o Presidente da República, Filipe Nyusi, e seu Governo debaixo de um turbilhão de críticas, por uma já indisfarçável má governação e desastrosa comunicação que ficou acentuada com as trapalhadas ligadas a Tabela Salarial Única (TSU), que gerou insatisfação de vários grupos profissionais, o partido Frelimo, que nos últimos anos detém o monopólio do direito à manifestação, mobilizou os seus membros e simpatizantes, um pouco por todo o país, para um culto de personalidade à figura de Filipe Nyusi à moda do Coreia do Norte, num país onde a manifestação de cidadãos comuns e sociedade civil está, aos poucos, a ser ilegalizada com recurso a armas e meios de repressão do Estado. Não obstante a polícia ser instrumentalizada para reprimir qualquer manifestação, agora coloca botas na marcha, enquanto a sua banda anima a saudação ao terceiro mandato de Nyusi como presidente do partido, cargo para o qual foi reeleito no XII Congresso.

Reginaldo Tchambule

Há cerca de duas semanas, um grupo de vendedores do mercado do peixe, na cidade de Maputo, foi obrigado a marchar em silêncio e sem nenhum dístico depois de uma negociação com a polícia fortemente armada até aos dentes e que estava pronta e com ordens para inviabilizar a manifestação. Mas meses antes, um grupo de activistas sociais do Observatório das Mulheres foram detidas na cidade de Maputo, quando tentavam manifestar-se de forma pacífica contra a violência doméstica.

Ainda este ano, um grupo de jovens, liderados pelo jornalista, escritor e apresentador de TV, Clemente Carlos, foi brutalmente violentado e recolhido às celas da 18ª esquadra da PRM (Brigada Montada), onde seguiram-se acções de tortura e violência psicológica por terem tentado marchar de forma pacífica contra a implantação das portagens e o elevado custo de vida.

No ano passado, concretamente em Outubro, a polícia, armada até aos dentes, repeliu uma marcha, desta vez dos médicos, que queriam reivindicar contra a crescente onda de raptos, uma semana depois de ter sido raptado, em Maputo, o médico Basit Gani, no mesmo dia em que foi levado o empresário Takdir, do ramo de restauração. A justificação usada foi a prevenção da Covid-19.

A mesma justificação havia sido usada anteriormente pela polícia, em Maio, para frustrar uma passeata de estudantes contra a aprovação de um pacote de regalias e bónus absurdos para os funcionários da Assembleia da República. Meses depois, um grupo de cidadãos que acompanhava Adriano Nuvunga para submeter uma petição contra as portagens foi barrado por um aparato policial com uma exibição de força desproporcional.

Estes são apenas alguns dos exemplos de tentativas de exercício do direito à manifestação convocadas por cidadãos comuns e organizações da sociedade civil que acabaram repelidos com recurso ao uso da força, mesmo o direito à manifestação estando consagrado no artigo 51º da Constituição da República de Moçambique (CRM), no capítulo sobre a liberdade de reunião e de manifestação, que dispõe que «todos os cidadãos podem, pacificamente e livremente, exercer o seu direito de reunião e de manifestação, sem qualquer autorização prevista pela lei».

Em todas as manifestações repelidas, apesar de devidamente fundamentadas e a lei deixar claro que não carecem de autorização, há um denominador. A presença de agentes da polícia armados até aos dentes, prontos para violentarem quem ousar marchar pacificamente.

Uma violação grosseira do Estatuto Orgânico da PRM

Curiosamente, a mesma polícia, que se quer republicana e apartidária, foi vista semana passada a marchar no meio de membros e simpatizantes do partido Frelimo. Com agentes vestidos a rigor, a PRM, através da sua banda, foi a atracção principal dos membros da Frelimo que marcharam, pelo menos na cidade de Maputo.

Era a mesma polícia que quando cidadãos comuns e sociedade civil tentam marchar vem armada até aos dentes, domada e a capitular diante do partido Frelimo, uma postura que viola de forma grosseira o próprio Decreto 58/2019 de 01 de Julho, que cria o Estatuto Orgânico da Polícia da República de Moçambique.

É que no seu artigo primeiro, sobre a natureza, o Estatuto Orgânico da Polícia da República de Moçambique postula que “a Polícia da República de Moçambique, abreviadamente designada por PRM, é um serviço público, apartidário, de natureza paramilitar, integrado no Ministério que superintende a área da ordem e segurança pública”.

Como se pode depreender, a PRM tem por obrigação ser apartidária, ou seja, não servir como um departamento de um partido político ou mesmo fazer apologia aos partidos políticos, tal como se viu na marcha do partido Frelimo.

Recorde-se que por várias vezes a PRM tem sido acusada de ter uma postura parcial e ser usada sobretudo em períodos eleitorais para perseguir opositores políticos, tal como se viu na execução de Anastácio Matavele, em que a viatura em que se faziam transportar pertencia a um influente membro do partido em Gaza e chegou-se a suspeitar que seja o mandante.

Igualmente, em províncias como Gaza, a polícia tem protagonizado detenções ilegais, como aconteceu, por exemplo, aos delegados da Nova Democracia, que foram recolhidos às celas minutos antes de iniciar a contagem de votos.

Para saudação de Nyusi, a moda Kim Jong Um

Enquanto, a polícia repele qualquer manifestação dos moçambicanos, decorrem, como referimos, neste momento, um pouco por todo o país, manifestações de apoio à Filipe Nyusi. Desta vez, o partido Frelimo, que está aos poucos a transformar-se num local de culto à personalidade, está a saudar Filipe Nyusi pela sua eleição com números coreanos ao terceiro mandato como presidente da Frelimo.

A referência aos números coreanos surge pelo facto de ter sido eleito com 100 por cento de votos, depois de ter se forjado o mesmo consenso em todas as eleições realizadas na Frelimo. Mas, muito além do debate da renovação, a administração de Filipe Nyusi está a institucionalizar e arregimentar o culto à personalidade como acontece com o líder Coreano Kim Jong Un.

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