Salário mínimo quadruplicou nas FADM, mas licenciatura deixa de constituir “vantagem”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Há murmúrios nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique
  • TSU valorizou soldados rasos que saem de 3 524 Mt para de 12 758 meticais
  • Os militares foram informados que não terão subsídio de qualificações técnicas o que contraria o decreto que define o enquadramento dos militares na TSU
  • Na polícia também há um crescente descontentamento.

Depois de atraso salarial referente ao mês de Novembro, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique passaram, pela primeira vez, a receber com base na Tabela Salarial Única (TSU), que veio quadruplicar o salário mínimo de 3 524, que pago a um soldado raso, para 12 758 meticais, um salto histórico que, no entanto, veio criar um outro barulho nas classes de praças e sargentos com formação académica superior, na medida em que não terão qualquer reajuste salarial porque alegadamente “já recebem acima do definido na TSU”, ou seja, a TSU nas Forças de Defesa e Segurança (FDS – polícia e exército), passa valorizar patentes em detrimento do nível académico. Mas o barrulho não pára por aí, contrariando o prometido, o salário deste mês caiu sem retroactivos, sem subsídio de qualificações técnicas, de chefias e nem de alimentação, o que está a gerar uma onda de descontentamento sem precedentes, sobretudo pelo facto de não haver uma comunicação fluida sobre o que se está a passar.

Evidências

Tem a mais nobre missão de defender a pátria e neste momento em concreto estão empenhados na luta contra o terrorismo em Cabo Delgado. Com a entrada em vigor da Tabela Salarial Única, parte considerável dos militares, sobretudo os soldados rasos e alguns decanos com experiência, viram seus ordenados aumentados vertiginosamente, no entanto, há um grupo que está descontente.

Começou na última sexta-feira, o processamento de salários nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique, mas o que caiu nas contas está a ser motivo de satisfação para uns e descontentamento para outros, na sua maioria licenciados das classes de praças e sargentos que viram os seus ordenados manterem, sob alegação de que vinham recebendo acima do que se paga na sua patente.

Os critérios de enquadramento do regime e os quantitativos dos suplementos e os quantitativos dos níveis salariais e escalões das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) estão definidos no decreto n.º 53/2022 de 14 de Outubro, dando a este grupo um tratamento privilegiado dos demais FAE, cujo enquadramento na TSU é definido pelo Decreto n.º 50/2022 de 14 de Outubro.

Evidências ouviu alguns militares nessa condição que não esconderam o seu descontentamento pelo facto de não poderem melhorar os seus ordenados depois de meses alimentando expectativa.

É que, segundo o novo enquadramento estabelecido pela TSU, o vencimento dos militares já não é fixado na base de critérios como nível académico, mas sim função da patente, o que penaliza os militares que investiram anos de carteira para poderem adquirir competências, muitas delas relevantes e bastante úteis nas fileiras.

A situação afecta sobretudo as classes de praças e sargentos com formação superior, que apesar de reconhecerem a valorização dos soldados rasos e outros colegas decanos, entendem que estão injustiçados. É que apesar de estar previsto subsídio de qualificações técnicas, no decreto que define os critérios de enquadramento na TSU, as duas classes foram informadas que o seu enquadramento já há muito que recebiam acima da sua patente.

Sargentos e praças sem subsídio técnico

Além de contrariar o decreto que define igualmente as percentagens para subsídios de qualificações técnicas, a medida do Estado Maior General, de congelar este subsidio para os praças e sargentos, cria uma percepção de marginalização a academia, ou seja, a formação superior deixa de ser relevante.

Um militar que preferiu falar ao Evidencias no anonimato, disse ter participado da palestra onde foram explicados que não terão qualquer reajuste salarial. Aliás, só não terão uma redução salarial graças ao princípio de irredutibilidade salarial.

Evidências apurou que a luz do enquadramento na Tabela Salarial Antiga, os militares das classes praças e sargentos que detinham o nível de licenciatura e com menos de quatro anos, recebiam acima de 37 mil meticais, mas agora um primeiro-sargento está enquadrado no nível 9-C com um salário bruto de 30.758 meticais.

“Eu estou dentro dessa situação, já que estou a receber mediante o nível académico, na TSU não terei nem 1 metical de aumento e nem retroactivos. Esse TSU veio para beneficiar os não académicos nas FADM, os oficiais e os que estão já há mais de 24 anos de serviço”, explicou, desapontado pelo facto desta informação partilhada internamente pelas chefias militares, contrariar o estipulado no decreto.

Outro militar ouvido pelo Evidências, destaca que diante desta situação a moral é baixa nas fileiras, sobretudo entre os que tem o nível de licenciatura, que esperavam ser enquadrados a partir do nível 12 como acontece com outras classes profissionais.

Soldados rasos e decanos estão em festa

O pagamento do salário referente ao mês de Novembro demorou bastante na função pública, o que gerou uma certa agitação no seio das classes profissionais e nas fileiras militares não foi diferente.

Na quarta-feira passada, o Estado Maior General viu-se obrigado a emitir um comunicado onde justificava o atraso do salário referente ao mês de Novembro, afirmando que “face à conjuntura derivada do processo de transição de processamento e pagamento de vencimentos militares, Tabela Salarial Antiga (TSA), os vencimentos do mês de Novembro/2022 serão pagos com um ligeiro atraso relativamente ao habitual”.

O barulho durou até sexta-feira, com o processamento de salários que marcam a implementação da TSU nas FADM. Até mês passado, o salário mínimo do soldado raso, patente mais baixo enquadrado na classe das praças (18-22), era 3 524 e agora passa para 12 758 meticais, ou que significa uma valorização de até quatro vezes.

Antes desta valorização os soldados rasos preferiam se alistar repetidas vezes para o Teatro Operacional Norte, pois só assim conseguiam atingir a fasquia dos sete a oito mil meticais graças ao subsídio de empenhamento.

O barulho estende-se também à Polícia

Depois de semanas de murmúrios, sobretudo por parte dos quadros do Serviço Nacional de Migração, que começaram a receber com base na TSU desde o mês de Outubro, os quadros do Ministério do Interior, sobretudo das várias unidades da Polícia da República de Moçambique acabam de verter em uma carta aberta o seu descontentamento em relação ao seu enquadramento na TSU.

Numa missiva aberta dirigida ao Comandante em chefe das FDS, Filipe Nyusi, à ministra do Interior, Arsénia Massingue e ao comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael e posta a circular nas redes sociais, os agentes da PRM identificados por uma suposta Associação dos Polícias Unidos em Moçambique (APUM), dizem não estar motivados para a missão, pois o nível académico na polícia não foi considerado.

“Antes de mais nada gostaríamos de dizer que estamos cientes de que isto não é a ONP, nem a Justiça ou uma outra organização e que não temos sindicato e muito menos embasamento legal para manifestar o nosso descontentamento”, começam por dizer os queixosos, para depois referirem que “na PRM não foram observados os níveis académicos, de tal sorte que um N1 encontra-se como se fosse o médio profissional no nível 10”.

Os agentes da PRM dizem sentir-se envergonhados e humilhados, não só pelo seu enquadramento, mas também por terem enquadramento inferior ao das FADM e SERNIC, em termos de proporcionalidade de patentes.

“Um pai que falta com respeito com seu filho, o que espera desse seu filho? É como nos sentimos neste momento, insultados com o nosso próprio pai e se porventura devolver com o mesmo insulto irão julgar? O que a DEFESA faz que a PRM não faz? O que a SERNIC faz que a PRM não faz? Sem falar dos professores e outros que auferem os seus ordenados acima das nossas cabeças. O que realmente querem de nós? Pegarmos nas Armas e Viaturas entrar na via pública, assim como fizeram os professores, Médicos, Juízes e funcionários do Ministério da Economia e Finanças que abandonaram as secretarias? Apenas sabemos obedecer, como um cão obediente ao seu dono, mas quando o dono pisa na cauda do cão, ele se vira contra seu dono. Nós estamos muito descontentes com essa vergonha lastimável de salário que deram-nos”, alertam os polícias.

“Excelências estamos desde o principio nos portando como ovelhas levadas ao matadouro, aceitando vossas ordens suicidas, e mesmo descontentes, ferimos e ultrajamos os nossos irmãos de forma desumana, mesmo sabendo que através disso estávamos inibindo aqueles que lutavam pelos seus direitos e quiçá pelos nossos direitos salariais como funcionários Públicos”, acrescentam.

Os queixosos fazem comparações com o que se paga noutras classes profissionais para demonstrarem as discrepâncias gritantes.

“O técnico básico da educação aufere 18.000,00, o técnico básico da saúde por aí 17.000,00 e o técnico básico da polícia 13.000,00. O que se disse de harmonização do salário é isso? De criar humilhação e desgosto. Major (FADM) que equivale a Superintendente (PRM) aufere 107.000,00 e o outro 68.000,00; Primeiro cabo FADM 24.000,00 e PRM 15.000,00. Da patente de Guarda da Polícia até Superintendente é uma verdadeira lástima, sabotagem e humilhação em termo do enquadramento. O nosso Governo precisa de greve ou acções que retardam o País para colocar a consciência no lugar?”, indagam.

Os signatários da referida carta exigem a regularização da sua situação e que caso não haja mudanças até o dia 15 deste mês “a Policia não se fará ao local de trabalho, ou se formos, não nos responsabilizamos pelas bagunças pelos próximos dias. Revejam os enquadramentos dos níveis da PRM na tabela das FDS o mais breve possível, até o dia 12/12/2022 queremos a pronta resposta e satisfatória, se não quer que o País (Moçambique) vire centro das atenções do mundo. Excelências, temos a esclarecer que a Polícia de hoje, não é a Polícia de 1975, sofremos metamorfoses de acordo com as exigências da contemporaneidade. Recebemos ordens sim mas ninguém é pau mandado de ninguém hoje em dia. Se for para proteger o país vamos proteger, vamos lutar para repor a ordem, mas importa dizer desde que os governantes nos respeitem”, concluem.

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